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1. O neorrepublicanismo institucionalista

1.3. O substrato republicano na contemporaneidade: o neorrepublicanismo

1.3.2. A perspectiva institucionalista

No estudo da política, da liberdade e do autogoverno, a filosofia sempre foi permeada por uma divisão entre dois tipos de abordagem. Uma delas confere primazia à conduta dos indivíduos, sejam eles os governantes, sejam os cidadãos, ao passo que a outra concentra-se no estudo das instituições e de que forma elas conduzem ou relacionam-se com as decisões e a realidade política. O republicanismo também se deparou com essas duas frentes de análise em vários momentos. Um desses momentos foi ao estudar formas de conter a corrupção: é mais importante ter instituições fortes ou pessoas virtuosas no comando do governo?

Respondendo a essa pergunta, Skinner revela uma leitura que não será compartilhada por este estudo. Para ele, a tradição de pensamento republicano, incluindo-se expressamente Maquiavel e Montesquieu, ―(…) proclama que não é tanto o maquinário do governo, mas o próprio espírito dos governantes, do povo e das leis o que mais precisa ser defendido‖ (1996, 66)96. Há duas objeções a essa conclusão.

95 Em função desse quadro de disputa intelectual, Mouritsen (2006) abandona as tentativas de construção

de grand theories e trabalha com quatro elementos que são centrais à liberdade republicana. Conclui, portanto, que qualquer definição de liberdade republicana deve conter os seguintes elementos: (i) um artifício legal e institucional (direitos, liberdades e garantias), (ii) a existência de um espaço cívico, em que a cidadania possa ser, de fato, exercida, (iii) autonomia política, institucionalizada mediante mecanismos de autogoverno, e (iv) identidade cívica e patriotismo, que é o sentimento coletivo de participação em um empreendimento comum.

96 Ao fazer essa declaração, Skinner revela, indiretamente, a síntese dos dois afluentes históricos de

Primeiramente, ainda que esses autores republicanos tenham dito – e, de fato, disseram- no – que as instituições são ineficazes quando a corrupção torna-se a regra de conduta comum, em nenhum momento negam a importância preventiva e corretiva das instituições quando da ocorrência de casos de corrupção. Em segundo lugar, não se pode extrair da leitura dessas obras clássicas uma definição absoluta de que eles conferiram mais importância às pessoas ou às instituições, porque todas as análises são imbricadas e articuladas mutuamente. A partir desses argumentos, adota-se, aqui, neste trabalho, a visão alternativa à que Skinner expôs; em vez de um republicanismo personalista, o estudo desta dissertação será conduzido pela visão de um republicanismo institucionalista.

A personagem central da tradição republicana aqui estudada é Maquiavel. Este revolucionou o conceito de virtù, característica importante para o governante ou para o próprio povo em uma república, associando-o ao potencial de inovar em uma sociedade e à capacidade de dominar os caprichos da fortuna. Trata-se, portanto, de uma análise tipicamente personalista das repúblicas. Ao passo que seus primeiros trabalhos tinham esse viés predominante, Maquiavel foi migrando, em direção aos seus últimos trabalhos, para a ideia de que a ação de um indivíduo ou de um grupo é insuficiente para, por si só, promover transformações na sociedade e guiá-la de determinada maneira. (JURDJEVIC 2007)

Nessa evolução, Maquiavel deixa de concentrar sua atenção na cultura política, stricto sensu, para analisar as instituições políticas. Nos Discursos (1971), a grandeza de Roma é estudada a partir de sua dimensão institucional, focando-se em diversos aspectos: o arranjo de atribuição de poderes à plebe como forma de controlar o Senado, a institucionalização dos tumultos como forma de preservar a liberdade da república romana, a importância que a instituição de um ditador teve em momentos de crise, a útil relação do estado com suas instituições divinas, a relevância de o poder militar estar a cargo do povo, entre outros. Maquiavel ainda deixa claro que a queda da república romana poderia ter sido evitada se os legisladores criassem novas instituições para combater a corrupção, embora considerasse essa uma hipótese bastante difícil de ocorrer, em razão do contexto histórico.97

que o republicanismo trata-se de uma continuidade da arte retórica em detrimento das ideias escolásticas.

97 Lê-se no capítulo 18 do primeiro livro: ―Era necessário, portanto, se Roma quisesse manter-se livre em

sua corrupção, que ela, assim como havia feito novas leis no seu processo de vida, fizesse novas instituições‖ [tradução livre do original: ―Era necessario, pertanto, a volere che Roma nella

Essa visão evolutiva é perfeitamente coerente com a observação do próprio Skinner que o humanismo transitou sua atenção das virtudes do povo ou do bom governante, nos anos 1400, para, nos anos 1500, os arranjos institucionais que conduziam a vida política da cidade, que podem ser simbolizados pela mitificação da constituição de Veneza. Na obra Discursus florentinarum rerum post mortem iunioris Laurentii Medices, escrita entre 1520 e 1522, em que Maquiavel minuta um projeto para a reforma do governo florentino, estrutura uma república com divisões e instituições tipicamente venezianas. (SILVANO 1990)

Além de Maquiavel, Montesquieu, embora conferisse atenção à virtude, posicionando-a como o princípio das repúblicas, foi, por outro lado, o mentor da principal instituição republicana contemporânea: a tripartição dos poderes entre Legislativo, Executivo e Judiciário. Foi a sua construção institucional, e não a personalista, que alimentou as ideias da Revolução Americana e o constitucionalismo ocidental.98

Portanto, como se observa, o republicanismo é, por sua própria evolução, perfeitamente compatível com uma visão institucionalista, que aqui será aportada por meio das ideias do neoinstitucionalismo histórico.

Em primeiro lugar, cumpre responder à seguinte pergunta: o que são instituições? Instituições são normas, padrões de comportamento, convenções – ―oficiais ou oficiosas‖ (HALL e TAYLOR 2003, 196) –, protocolos, rotinas, processos, constantes de conduta, práticas organizadas ou, para resumir em uma única palavra, simplesmente regras.99

corruzione si mantenesse libera, che, così come aveva nel processo del vivere suo fatto nuove leggi, l‘avesse fatto nuovi ordini‖] (MAQUIAVEL 1971, 62). Mark Jurdjevic conclui, definitivamente, que ―Maquiavel trabalha, na maior parte, com a pressuposição de que o povo é perverso, egoísta e não confiável, e, assim, de que uma república sábia deveria estabelecer leis e instituições que obstruíssem esse comportamento para minimizar os efeitos ruins‖ [tradução livre do original: ―he operates for the most part on the assumption that people are wicked, self-interested and unreliable, and therefore that the wise republic should establish laws and institutions that obstruct such behaviour to minimise its bad effects‖] (2007, 1242).

98 Não se aprofundará este assunto aqui, porquanto ele já foi suficientemente debulhado na subseção 1.2.5

supra.

99 Trata-se de uma definição de instituição decantada a partir do neoinstitucionalismo histórico. Outras

definições são possíveis a partir de diferentes concepções institucionalistas. Existe, por exemplo, o institucionalismo da escolha racional, que enfoca o papel das instituições em relação aos custos de transação, à economia política e à maximização da utilidade. Também existe o institucionalismo sociológico, cuja definição de instituição é significativamente mais ampla do que a aqui esposada. Segundo essa corrente, as instituições não são regras consciente, racional e pragmaticamente elaboradas, mas são fruto de práticas culturais. De acordo com Peter Hall e Rosemary Taylor (2003, 208-9), ―(…) os teóricos dessa escola tendem a definir as instituições de maneira muito mais global do que os pesquisadores em Ciência Política, incluindo não só as regras, procedimentos ou normas formais, mas também os sistemas de símbolos, os esquemas cognitivos e os modelos morais que

Pressupõe-se que as instituições criem ordens de previsibilidade e componham a visão que se tem da política, bem como sua história e o seu caráter. Além disso, também se pressupõe que as regras sejam seguidas, na medida em que sua existência seja vista como legítima, correta e ―natural‖. A sua legitimidade, por sua vez, depende da visão que se tenha sobre elas: as instituições devem ser capazes de proporcionar processos cujos resultados não sejam predeterminados. Nesse sentido, as instituições simplificam a vida política, na medida em que a pré-organizam. (MARCH e OLSEN 2006) De maneira mais concreta, as instituições são relevantes para a política porque definem quem participa do jogo, condiciona as estratégias dos atores e influencia os próprios interesses e preferências desses atores. (STEINMO 2001)

As instituições são construções da mente humana e distinguem-se de organizações, embora na linguagem corrente o primeiro termo seja frequentemente utilizado em lugar do segundo. Um atributo particular das instituições é a sua dependência em relação à trajetória histórica percorrida (path dependency). Em razão disso, as instituições adaptam-se conforme seus precedentes e, também, têm sua evolução limitada pela sua própria história. (MORAN 2006)

Quando as instituições estão postas, os agentes adaptam-se a elas e, assim, sustentam sua continuidade. Por conseguinte, elas dependem de uma sustentação política, ruindo assim que o contexto se modifica e ela esvai-se. (THELEN 1999) Todavia, não se trata de um evento ordinário a mudança das instituições. As regras traduzem estabilidade e instituem um equilíbrio entre os atores que disputam ou interagem em determinada arena política. Novas instituições implicam a incerteza a respeito das estratégias a serem seguidas pelos atores, o que os faz relutar a essa mudança. (STEINMO 2001) Embora tendam à estabilidade, as instituições são sujeitas a mudanças ao longo do tempo. Essas mudanças, porém, não são necessariamente uma evolução para algo melhor.100 (MARCH e OLSEN 2006)

De acordo com R. A. W. Rhodes (2006), o institucionalismo tradicional – o ―velho‖ institucionalismo – tinha uma abordagem formal-legalista. Essa abordagem concentra sua análise nas regras e nos procedimentos legais e em seus impactos sobre o

fornecem ‗padrões de significação‘ que guiam a ação humana‖. Para uma exemplificação dessa corrente, v. DELEUZE (2004). No Oxford handbook of political institutions, obra da qual se pesquisaram alguns capítulos para esta dissertação, há, ainda, o desenho teórico de outras concepções, como o institucionalismo construtivista (constructivist institutionalism) e o institucionalismo de rede (network institutionalism).

100 Apesar da existência de momentos históricos que deponham contra isto, os regimes que se dizem

democráticos têm demonstrado relutância e dificuldade em promover reformas e redesenhos institucionais.

caminhar de um regime democrático, enxergando o comportamento como uma função de determinada regra. Em sua pesquisa, utiliza a investigação histórica, na medida em que acredita que as instituições políticas são construtos originados de evoluções longas e relativamente inconscientes.

Para Yuxin Wu (2009), o institucionalismo ―velho‖, ao utilizar uma metodologia restritivamente indutiva, não raramente desconsidera aspectos relevantes que envolvem os eventos políticos.

(…) O institucionalismo superestima a instituição formal do direito e o seu passado histórico, mas negligencia a influência de instituições informais no processo decisório e no exercício do poder. Finalmente, o institucionalismo concentra-se no Estado, e não na sociedade, e é orientado para uma descrição estática da política, e não para analisar problemas.101 (WU 2009, 106) O neoinstitucionalismo decorre de uma modificação dos métodos de pesquisa do institucionalismo tradicional mediante a integração de novos métodos. Esses novos métodos são a pesquisa histórica, a empírica, a comportamental, a processual, a sociológica, entre outros. Em função disso, não existe uma pesquisa institucional pura. Para o neoinstitucionalismo, as instituições são os objetos centrais da pesquisa política, porém também são analisados o comportamento e as preferências dos atores, ou seja, não afasta a relevância dos interesses e das condutas, embora não os aborde como determinantes: a história afeta as instituições e as instituições afetam a história. (WU 2009)

O neoinstitucionalismo não representa uma mudança total em relação ao ―velho‖ institucionalismo; o que houve foi uma agregação de novos elementos por meio de novas disciplinas. O fato é que qualquer abordagem enxerga alguma correlação entre ideais e instituições, seja em maior, seja em menor grau. Os ―velhos‖ institucionalismos, portanto, ainda são vivamente praticados. (RHODES 2006) O neoinstitucionalismo surgiu a partir de um descontentamento de perspectivas institucionais cujas análises limitavam-se a estruturas formais de governo. O novo institucionalismo procura desvendar como a política funciona na prática. (MARCH e OLSEN 2006)

Pode-se dizer que uma das mais conhecidas taxonomias do neoinstitucionalismo é a que foi realizada por Peter Hall e Rosemary Taylor (2003). Eles fazem a distinção entre três versões do neoinstitucionalismo e opõem o institucionalismo histórico ao

101 Tradução livre de: ―(…) institutionalism overemphasizes formal institution of law and its historical

background, but neglects influence of informal institution on decision-making and exercise of a power. Finally, it is the state that institutionalism is centered with, but not the society, and it is the static politics of descriptive orientation, but not problem analysis orientation.‖

institucionalismo da escolha racional e ao institucionalismo sociológico. Qualquer linha de institucionalismo concorda com o fato de que as instituições são criações humanas que condicionam o comportamento humano. (SANDERS 2006)102 É, todavia, Sven Steinmo quem melhor esclarece as particularidades de cada uma dessas correntes.

Steinmo (2008) utiliza como critério de distinção a visão que cada uma delas tem do ser humano. Na perspectiva da escolha racional, o ser humano é individualista e utiliza a razão para calcular o custo-benefício de todas as suas decisões e condutas com o objetivo de maximizar os seus ganhos individuais. A cooperação só faz sentido, para esse indivíduo, se for melhor que não cooperar. O institucionalismo sociológico vê o ser humano como ser social e, portanto, seguir as regras é fazer o que é correto, o que lhe traz um sentimento de pertencimento.

O institucionalismo histórico tem uma visão mais ampla e defende que o comportamento da pessoa, do contexto e da regra.

(…) Não há como saber a priori o que exatamente estudar para desvendar as consequências das políticas. Um institucionalista histórico não acredita que os seres humanos sejam meros seguidores de regras ou simples atores estratégicos que usam as regras para maximizar seus interesses. (…) O que o institucionalismo histórico quer saber é por que certa decisão foi tomada e/ou por que ocorreu determinado resultado. (STEINMO 2008, 127)103-104

O institucionalismo histórico parte da ideia de que as relações humanas são mais bem compreendidas quando estudadas no âmbito das regras que as conduzem e conforme o seu contexto histórico. O foco de atenção do institucionalismo histórico é como, por que e em que circunstâncias as instituições são construídas, mantidas e adaptadas ao longo do tempo. Assim, as ideias têm um papel importante para o institucionalismo histórico, na medida em que elas são os motores das mudanças institucionais e, ao mesmo tempo, são os bastiões que mantêm as pessoas unidas em torno das instituições. (SANDERS 2006)

102 Para o neoinstitucionalismo aqui levado em consideração, não existe, por exemplo, um mercado

naturalmente concebido, na medida em que a sua existência é precedida por um reconhecimento institucional, o que é um ato político que conforma parâmetros jurídicos para construir determinado conceito, ambiente ou arena. As chamadas instituições econômicas têm seu desenvolvimento fortemente dependente do ambiente política e jurídico em que se encontram. (MORAN 2006)

103 Tradução livre de: ―(…) there can be no a priori way of knowing what one should study when trying to

explain political outcomes. A historical institutionalist does not believe that humans are simple rule followers or that they are simply strategic actors who use rules to maximize their interests. (…) What the HI scholar wants to know is why a certain choice was made and/or why a certain outcome occurred.

104 Enquanto o institucionalismo histórico faz uso de um modelo indutivo, tentando extrair explicações

plausíveis para os fenômenos do mundo real, o institucionalismo da escolha racional tem um método dedutivo e procura descobrir se um modelo preconcebido tem aplicação prática. (STEINMO 2001)

O institucionalismo histórico é mais bem caracterizado como sendo uma abordagem do que uma teoria ou um método de estudo político ou jurídico. Antes de entrar em decadência logo após a segunda guerra mundial e de ressurgir na década de 1970, o máximo de perspectiva institucionalista que se tinha era o estudo e a formulação de constituições capazes de estruturarem boas sociedades. A queda da Constituição de Weimar, que havia sido obra da mais avançada arquitetura jurídico-política, para o surgimento de uma ditadura desmoralizou esse ramo de estudos. Com essa queda, chegaram ao primeiro plano os estudos behavioristas: o que importa é a microanálise dos comportamentos, aferidos mediante métodos rigidamente científicos, e não as instituições, que são meros detalhes. Também passaram a ter posição dominante as teorias holísticas, com macroperspectivas sobre problemas grandes e estruturais enfrentados pela maioria dos países do mundo moderno.

O institucionalismo histórico nasceu com pesquisadores que se preocupavam mais com resultados práticos do que com experiências excessivamente minúsculas a ponto de tangerem a insuficiência ou com visões demasiadamente amplas sem eficácia prática. Essa abordagem não tem preocupação em construir uma metodologia rígida e prévia, concentra-se no estudo de questões mundanas observáveis e pretendem relacionar instituições com seus impactos reais por meio de análise empírica; está mais preocupada em explicar do que em prever. (STEINMO 2008)

Tendo surgido em reação ao estruturo-funcionalismo, dele preservou a ideia de que o comportamento político coletivo é estruturado pelas regras de organização institucional, abandonando a crença em que o comportamento desses agentes é uma mera função das instituições. O Estado, sob esse ponto de vista, deixa de ser um polo neutro mediando conflitos entre particulares e passa a ser visto como uma variável essencial para a estruturação do conflito e para a sua resolução. (HALL e TAYLOR 2003)

Trata-se de um institucionalismo que leva a história a sério, porquanto percebe que os eventos políticos ocorrem em determinado contexto histórico, que os atores aprendem a partir da experiência e que o passado conforma as expectativas. Os acontecimentos políticos, portanto, não surgem do nada, mas estão relacionados a uma cadeia histórica de eventos. As ideias são os fatores que mais bem explicam a prática e a mudança das instituições, na medida em que representam soluções para problemas concretamente enfrentados; novas ideias, portadas por atores bem posicionados, são capazes de imprimir mudanças à prática institucional. (STEINMO 2008) ―(…) Os

adeptos do institucionalismo histórico tentaram explicar como as instituições produzem esses trajetos, vale dizer, como elas estruturam a resposta de uma dada nação a novos desafios‖ (HALL e TAYLOR 2003, 200).

Os institucionalistas históricos ocupam-se pragmaticamente da relação entre instituições e os acontecimentos do mundo real, sem se preocupar com uma teoria rígida previamente aportada. A visão que têm das instituições não é totalizante; eles sabem que as instituições são apenas mais uma peça na complexa realidade. (STEINMO 2001) As instituições são o resultado de processos de disputa política que se dão em amplos desdobramentos temporais e relacionam-se mutuamente. (THELEN 1999)

Roberto Mangabeira Unger propõe um novo papel para o direito, diferente do que ele tem sido desde o século XIX, com base na ideia de observação, contestação e imaginação institucional – é nesse sentido que esta dissertação justifica-se como um trabalho jurídico, embora dialogue fortemente com a filosofia política e com a história. O autor critica o fetichismo institucional, que se caracteriza pela percepção de instituições abstratas – mercado, Estado, democracia – como construtos dados e imutáveis a serem preservados e perante os quais somos impotentes.105 (UNGER 1996)106

A imaginação institucional é o coração do experimentalismo democrático, que sintetiza o poder de qualquer um transcender contextos, circunstâncias, convenções ou instituições por meio da sua negação em pensamento ou em ato, estimulado pela imaginação e pela vontade. ―Temos o poder de reimaginar e refazer. As instituições de uma sociedade são a sua fatalidade. A política transformadora é, como a arte, um antifatalismo, devolvendo-nos a liberdade a que renunciamos ou que esquecemos‖107. (UNGER e WEST 1998). O processo de reconstrução institucional exerce uma relação de mão dupla com nossos interesses e ideais. Estes funcionam como faróis que nos

105 Mangabeira Unger, em sua obra O direito e o futuro da democracia (2004, 17), para opô-lo à ideia de

experimentalismo democrático, assim define fetichismo institucional: ―a crença de que concepções institucionais abstratas, como a democracia política, a economia de mercado e uma sociedade civil livre, têm uma expressão institucional única, natural e necessária‖.

106 No mesmo sentido, contrários a esse fetichismo, manifestam-se discretamente March e Olsen (2006,

13): ―O caráter adaptativo das regras (e, portanto, das instituições) é, todavia, ameaçado por sua estabilidade e confiabilidade. Embora violar as regras dificilmente seja uma boa ideia, às vezes o é;