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1. O neorrepublicanismo institucionalista

1.2. A história das ideias republicanas

1.2.2. O humanismo cívico florentino

Os humanistas desenvolveram um processo de reinterpretação da história que trouxe os valores republicanos para o primeiro plano, elogiou a vita activa em detrimento da vita contemplativa e situou a cidade em um tempo laico, não escatológico, em que o homem aristotélico19 pudesse ser plenamente vivenciado. Bruto e Cássio, por exemplo, eram tidos como traidores por Dante, sendo equiparados a Judas, porquanto assassinaram o imperador romano César, que representava Deus sobre os homens. A releitura humanista, contudo, identificou-os como tiranicidas, ou seja, cidadãos que procuraram libertar a república de um dominador subversivo. (POCOCK 1975, vii-80)

O resgate do republicanismo antigo, empreendido pelos humanistas, teve sua grande inspiração na Roma que perdurou entre a queda da monarquia, em 509 a.C., e o estabelecimento do principado pela legião de César, em 27 a.C. Seguidamente a esse período, Cícero e Lívio desenvolveram seus trabalhos inquirindo os motivos da queda da república romana; concluíram que isso se deveu ao fato de a disputa entre facções ter suprimido o arranjo institucional que acomodava o povo, o senado e os magistrados. Para Cícero, a garantia de que ninguém serviria a um senhor, mas ao bem comum, era providenciada pelo equilíbrio – freios e contrapesos – entre esses órgãos. Isso causaria

19 O homem, segundo Aristóteles, é essencialmente moral e político (politikón zôon). A vida política,

superior à vida vulgar e à vida contemplativa, tem por finalidade a prática da virtude por meio de uma ética, a ponto de conduzir o homem a um estado permanente de felicidade (eudaimonia). (ARISTÓTELES 2002, 17-39) ―Para os humanistas cívicos e para os advogados do vivere civile, ela oferecia a teoria que seus compromissos consideravam necessária: uma teoria que retratasse a vida social humana como uma universalidade participativa em vez de uma universalidade contemplativa. Homens particulares com seus valores próprios comungavam em cidadania para perseguir e gozar o valor universal de agir em prol do bem comum e a posse de todos os bens menores.‖ [Tradução livre do original: ―To the civic humanists and advocates of the vivere civile, it offered the theory which their commitments rendered necessary: one which depicted human social life as a universality of participation rather than a universal for contemplation. Particular men and the particular values they pursued met in citizenship to pursue and enjoy the universal value of acting for the common good and the pursuit of all lesser goods.‖] (POCOCK 1975, 75)

um profundo impacto não apenas no humanismo cívico, mas no republicanismo como um todo. (SELLERS 2001)

É interessante notar que, ainda no período da república, Políbio registrou que o arranjo político romano consistia em uma combinação feliz de elementos monárquicos, aristocráticos e democráticos. Os cônsules eram responsáveis pela execução das leis e pelo controle do exército, o senado propunha as leis e controlava os gastos do orçamento e os conselhos do povo aprovavam as leis e escolhiam os magistrados. Cícero, portanto, não inovou ao identificar no governo misto a razão para o sucesso da republica romana. Na sua leitura, esse tipo de constituição concedia um tratamento igualitário entre os cidadãos e, assim, gerava um governo mais estável do que as formas ―puras‖ de governo, porque interrompia os ciclos polibianos e eliminava a causa da degeneração dos regimes. (BOBBIO 2001, 65-76)

Outra grande contribuição de Cícero na virada antiagostiniana do humanismo, também amalgamada com elementos da ética aristotélica, foi o de que a busca da virtude única (virtus) pelo homem, garantida por uma boa educação baseada nos clássicos e na retórica, pode levá-lo à excelência na vida pública e ao vir virtutis. Em outras palavras, o homem tornar-se-ia realmente viril, capaz de criar seu próprio destino e moldar o mundo social.

Nesse sentido, Francesco Petrarca teve um papel relevante no ocaso medieval, porque, recepcionando Cícero, defendia a possibilidade de o homem alcançar a virtus, de atingir a máxima excelência no mundo concreto, na terra. Salientou que ao cidadão era fundamental perseguir todas as virtudes singulares que compunham a virtus, inclusive, acima de todas, a fé cristã.20 Petrarca e seus sucessores empoderaram o homem, atribuindo-lhe cada vez mais livre arbítrio e poder sobre o próprio destino, e trouxeram a imagem clássica da deusa Fortuna para limitar e desgovernar a ação humana, que ia, progressivamente, afastando-se da noção de providência divina e aproximando-se da ideia de acaso. ―Essa ênfase na capacidade criativa do homem veio a tornar-se uma das doutrinas mais influentes e ao mesmo tempo mais características do humanismo renascentista‖ (SKINNER 1996, 119).

Não por acaso, o humanismo cívico, na medida em que traz consigo essas ideias, é frequentemente chamado humanismo petrarquiano. (BIGNOTTO 2001, 57-70) À

20 A ideia de várias virtudes que se juntam para compor uma única virtus é nitidamente aristotélica. Em

Ética a Nicômaco (2002), a eudaimonia se alcança precisamente pelo exercício da virtus, que era formada por um conjuto de virtudes (sabedoria prática, justiça, temperança, coragem, entre outras).

medida que se resgatava com mais profundidade a história romana, mais ela se distanciava da realidade coeva, dando azo a um ―estilo clássico não anacrônico‖ (SKINNER 1996, 107), bem representado por Petrarca. Ao elogiar a eloquência, atribuindo aristotelicamente à forma a mesma importância que à matéria, orientou a ponte da retórica para a filosofia, da história para a moral, permitindo que o homem avançasse sua consciência sobre a história na busca de uma identidade para o presente.

O renascimento da filosofia aristotélica trouxe consigo o problema de reconciliar a visão helênica de que o homem era feito para viver em uma cidade com a visão cristã de que o homem era feito para viver em comunhão com Deus; mas, apenas quando a república, conforme Roma ou Florença, reclamou para si (por alguma razão) uma história autônoma, começaram a se ampliar novos hiatos entre os dois esquemas de valores.21 (POCOCK 1975,

84)

Salutati foi o primeiro humanista a participar ativamente da cena política, tendo sido parte do governo florentino em diversos momentos. As influências religiosas em suas ideias ainda são nítidas. Deus é o autor último das leis; a fortuna, referente aos atos voluntários, e o acaso, referente a causas naturais, são, ambos, manifestações divinas. Apesar das graves contradições dedutíveis, Salutati afirma que é vontade de Deus que as cidades e o direito sejam instituídos. A liberdade de uma cidade, para ele, consistia em estar livre da dominação externa e em garantir-se o julgamento baseado em leis geradas a partir da concordância dos cidadãos.22 (BIGNOTTO 2001, 70-105; 117-22)

Florença vivia sob um regime de relativa liberdade até a instauração de um principado de fato por Cosimo de‘ Medici, em 1434. Leonardo Bruni, considerado por alguns como o humanista mais relevante e discípulo de Salutati, publicou sua primeira obra humanista significativa sobre a realidade política e republicana florentina em 1403, a Laudatio florentinae urbis. Trata-se de uma análise elogiosa da constituição florentina, em que o autor identifica no funcionamento do governo da cidade uma série de princípios e instituições republicanas de matiz aristotélico.23

21 Tradução livre do original: ―The revival of Aristotelian philosophy carried with it the problem of

reconciling the Hellenic view that man was formed to live in a city with the Christian view that man was formed to live in communion with God; but it was only when the republic, in its particularity as Rome or Florence, claimed (for whatever reason) an autonomous history of its own that it began opening new gaps between the two schemes of values.

22 O autor não resolve muitas incoerências. Defende a república, mas argumenta que César não foi um

tirano, concluindo que seu assassinato foi um crime, porque o povo qui-lo como um imperador, na medida em que não havia alternativa republicana à época. Para Salutati, era coerente defender o império de César, porque, nele, mantinha-se o respeito às leis, que considerava a base de todos os regimes legítimos.

23 Cerca de um século mais tarde, Maquiavel observaria, no 49º capítulo do primeiro livro dos Discorsi

sopra la prima Deca di Tito Livio (1971), que Florença nunca havia sido uma república, mas uma oligarquia: ―Como se vê, isso ocorreu com a cidade de Florença, que, por ter seu início se sujeitado ao Império Romano e por ter sempre existido sob o governo de outrem, permaneceu submissa por

Em Florença, o Executivo (Signoria) sofria limitações em seu poder por meio de dois conselhos de cidadãos, o do Povo e o dos Comuns, que totalizavam mais de quinhentas pessoas. Todos os cidadãos tinham oportunidade de participar do governo e o mandato nos cargos do Executivo tinha curta duração – no máximo, seis meses. Embora, na prática, o acesso a cargos decisórios restringia-se a seletos grupos, essa tendência aristocrática era equilibrada tanto pela alta rotatividade dos cargos quanto pelo papel de conselhos populares, de composição mais ampla, que eram convocados para aprovação de reformas constitucionais. (RUBINSTEIN 1990) Bruni enxergava a constituição florentina menos como popular e mais como mista, no sentido aristotélico (POCOCK 1975, 89).24

Laudatio Florentinae urbis é uma peça retórica, que impactou o pensamento político no seu tempo. Aborda Florença como se fosse uma república, ressaltando o seu aspecto de governo popular, o que é lido com algum exagero em face da realidade da época. Sua grande inovação foi não realizar menção a Deus ou à Igreja para legitimar a organização política e a liberdade da cidade; sua legitimação é a sua própria história. (BIGNOTTO 2001, 124-30)

Para Bruni e boa parte dos humanistas, o desenvolvimento da virtude do cidadão exigia que houvesse constante participação nos negócios do governo, na escolha de governantes e magistrados e na produção de leis (POCOCK 1975, 87). Os humanistas

um longo período e sem pensar em si mesma (na sua liberdade): quando, posteriormente, surgiu-lhe a oportunidade de respirar, ela começou a fazer suas instituições, que, misturadas às antigas, que eram ruins, não poderiam vir a ser boas: e assim foi ela administrando-se pelos duzentos anos de que se tem registro, sem nunca ter um Estado que pudesse ser chamado verdadeiramente de república. E essas dificuldades que nela existiam sempre existiram naquelas cidades que se iniciaram de forma similar. E, embora muitas vezes se tenha dado, por meio de sufrágios públicos e livres, ampla autoridade para que alguns cidadãos pudessem reformá-la, eles nunca a organizaram a favor do bem comum, mas sempre aos seus próprios propósitos: que não selou a ordem, mas propiciou mais desordem na cidade. [Tradução livre do original: ―Come si vede che è intervenuto alla città di Firenze; la quale, per avere avuto il principio suo sottoposto allo Imperio romano, ed essendo vivuta sempre sotto il governo d‘altrui, stette un tempo abietta, e sanza pensare a sé medesima: dipoi, venuta la ocasione di respirare, cominciò a fare suoi ordini; i quali sendo mescolati con gli antichi, che erano cattivi, non poterono essere buoni: e così è ita maneggiandosi, per dugento anni che si ha di vera memoria, sanza avere mai avuto stato, per il quale la possa veramente essere chiamata republica. E queste difficultà, che sono state in lei, sono state sempre in tutte quelle città che hanno avuto i principii simili a lei. E, benché molte volte, per suffragi pubblici e liberi, si sia data ampla autorità a pochi cittadini di potere riformarla; non pertanto non mai l‘hanno ordinata a comune utilità, ma sempre a proposito della parte loro: il che ha fatto, non ordine, ma maggiore disordine in quella città.‖]

24 Encontra-se no Livro III da Política (1999) a ideia de que um cidadão se define como tal a partir da

possibilidade de participar do governo. A constituição mista aristotélica é composta de elementos democráticos e aristocráticos, pois esse equilíbrio permite que sobrevivam por mais tempo, conforme o Livro VI da mesma obra. O elemento monárquico no âmbito da constituição mista surgiu apenas nos trabalhos de Políbio. Leonardo Bruni, falecido em 1444, não teve acesso às Histórias de Políbio, que apenas ficaram disponíveis em outra língua, além do grego, no início do século XVI (POCOCK 1975, 77).

definiam liberdade – ―a verdadeira liberdade‖, para Bruni – como independência (estar livre da interferência externa) e autogoverno (participação efetiva na condução política da cidade). Para uma vida política sadia, por sua vez, é necessário que os cidadãos tenham espírito público – os humanistas desse período não atribuíam tanta importância ao desenho institucional – e que sejam valorizados pela sua capacidade de empenho em prol do bem comum e não por sua descendência ou por sua riqueza. (SKINNER 1996, 98-105)

Assim como Bruni, Giovanni Cavalcanti enxergava uma inclinação aristocrática na república de Florença pouco antes de os Medici ascenderem ao poder. Julgava assistir ao declínio da participação política, na medida em que via o poder de facto restrito a poucas pessoas, embora, aparentemente, mais pessoas participassem do governo. Nas decisões da oligarquia escondida atrás da república de fachada, as concepções sobre o bem levadas em consideração não eram as de muitos, mas de poucas pessoas, o que atribuía um caráter tirânico à república. (POCOCK 1975, 91-6)

Quando, em 1434, Cosimo de‘ Medici assumiu o poder e instaurou um principado de sua família que duraria sessenta anos, o regime que sobreveio não foi uma tirania propriamente dita; as experiências republicanas não foram completamente suprimidas, embora tivessem sido menos importantes. O sistema eleitoral foi mantido, entretanto realizado em conselhos cada vez mais raros e compostos por pessoas cada vez mais leais ao regime. A mobilidade e a possibilidade de participação no governo também permaneceram, apesar de mais restritas às preferências dos dirigentes, que, por sua vez, tinham um papel muito mais centralizador em todo esse processo. O Conselho do Povo e o Conselho dos Comuns foram substituídos por um único conselho, que era composto apenas por líderes do regime. (RUBINSTEIN 1990)

Embora as mudanças não tenham sido tão bruscas, sobretudo porque o regime anterior havia sido mais uma aristocracia do que uma república, ganhou força o movimento humanista, que formava uma consciência coletiva de que Florença só seria livre sob um regime republicano.25 A inspiração era a cidade de Veneza e sua constituição mista, que tinha adquirido feições aristotélicas no discurso político florentino. Julgava-se ser Veneza, la Serenissima, um modelo perfeito de república, apto a ser imitado. Havia, nessa ideia, contudo, um problema que iria refletir-se, mais

25 Esse movimento foi bastante aguçado a partir de 1458, quando Cosimo de‘ Medici adotou posturas

lidas como tirânicas. Participaram desses ataques humanistas ao governo, entre outros, Francesco Patrizi e Alamanno Rinuccini. (SKINNER 1996, 173)

tarde, nos trabalhos de Maquiavel e Montesquieu: a divisão de funções no governo da cidade entre um Doge (primeiro magistrado), um Senado e um Consiglio Maggiore, que supostamente lhe garantia o equilíbrio para perdurar ao longo dos séculos, era esmaecida pelo fato de que a cidadania era bastante limitada, permitindo que poucas e tradicionais famílias participassem do governo.

Independentemente da discussão se Veneza era uma aristocracia ou uma república, o mito ganhou força e, quando a dinastia dos Medici foi deposta, em 1494, instituiu-se uma constituição composta por um Gonfaloniere, uma Signoria e um Consiglio Maggiore.26-27 Neste, havia, diferentemente de Veneza, ampla participação, um caráter democrático frequentemente associado à natureza participativa do povo florentino. (POCOCK 1975, 100-4)

A grande massa de grupos sociais, antes excluída da participação política pela oligarquia fortemente hierárquica dos Medici e agora sedenta por cidadania, colaborou para que o Consiglio Maggiore ampliasse significativamente os requisitos para quem quisesse participar, instituindo um governo largo, em oposição ao governo stretto do regime anterior. A aptidão para ser membro do Consiglio Maggiore passou a ser restrita somente pela lei e não mais por escrutínios enviesados da oligarquia mediceana.

A disputa entre os partidários do governo largo, a maior parte do popolani, e os defensores do governo stretto, compostos pela antiga elite que temia perder força política, marcou o processo de instauração do novo regime. Derrotados na ―constituinte‖, a antiga elite não deixou de advogar indiretamente contra o papel do Consiglio Maggiore e sua composição, conseguindo, por exemplo, que o cargo de Gonfaloniere passasse a ser vitalício posteriormente. Piero Soderini, eleito para o cargo, manteve-se nele por cerca de dez anos, acumulando opositores progressivamente, até que, em 1512, os Medici retornaram à cidade e ao poder.

No entanto, a posição privilegiada dos Medici em Florença não deixou de ser contestada, na medida em que se passaram duas décadas antes que o principato fosse institucionalmente reconhecido. Não surpreende o fato de que, nesse período, o debate político e ideológico sobre a melhor forma de

26 Na analogia de uma constituição mista, o Gonfaloniere correspondia ao elemento monárquico, a

Signoria tinha o papel aristocrático e o Consiglio Maggiore, às vezes também denominado Consiglio Grande, representava o elemento democrático.

27 Pocock salienta que a linha aristotélica não foi a única a ser exercitada na defesa da república

florentina, ao lembrar a importância do pensamento e da ação do neoplatônico Girolamo Savonarola para o surgimento da nova constituição e a instauração da república. Savonarola combinava o aristotelismo próprio do humanismo cívico com o platonismo associado ao cristianismo, expresso em uma linguagem apocalíptica. No pensamento de Savonarola, Florença evoluía em uma escatologia em que, por meio da forma republicana de governo, que não era a melhor, mas a mais factível, ela alcançaria a perfeição e tornar-se-ia a cidade de Deus. (POCOCK 1975, 105-13)

governo para Florença tenha alcançado seu máximo. Nesse contexto, o Consiglio Maggiore foi amplamente discutido, apesar do esforço dos Medici para eliminar os vestígios de sua existência, e, no debate, surgiram afinidades e diferenças entre os republicanos florentinos, que não chegavam a um acordo sobre o significado político que deveria ser atribuído a essa instituição. Foi um período de pensamentos intensos sobre política, a era de Maquiavel, Guicciardini e Giannotti, para mencionar apenas alguns dentre muitos.28 (SILVANO 1990, 54)

Muito de comum havia entre estes e os primeiros humanistas, que haviam escrito no início do século XV. Compartilhavam, obviamente, os valores centrais de independência e autogoverno – liberdade política –, expressos no orgulho cívico e no patriotismo do povo, desenvolvendo seus argumentos de forma a buscar meios de efetivar esses ideais e de evitar os riscos de serem perdidos. Concordavam que a melhor forma de evitar a corrupção e estimular a virtude na população é envolvê-los, ao máximo, na gestão da coisa pública. Ambas as gerações condenavam o excesso de riqueza privada e os costumes suntuosos, na medida em que deturpadores da virtude cívica. Outro pensamento comum é o de que se tem como requisito para a boa saúde de uma república que os próprios cidadãos lutem no exército, em vez de atribuir essa tarefa a tropas mercenárias.29

28 Tradução livre do original: ―Medicean lordship in Florence did not, however, go unquestioned since it

took about two decades before de principato could be institutionally recognised. It is hardly a surprise then that during this period the political and ideological debate on the best form of government for Florence reached its peak. In this context the Consiglio Maggiore was broadly discussed, despite the effort of the Medici to cancel its memory. In this debate, affinities and dissimilarities emerge among Florentine republicans, who could not agree on the political significance to be attached to this particular institution. This was a period of intensive thinking about politics, the age of Machiavelli, Guicciardini and Giannotti to mention only a few among the many.‖‖

29 A análise do republicanismo aqui empreendida não se imiscuirá em questões de defesa armada da

república. Importa aqui dizer que um forte elemento democrático em uma boa república aristotélica é a defesa da cidade pelo povo. O recurso a mercenários é visto, já por Aristóteles, como um sinal de fraqueza e de divisões internas, frequentemente associado a uma oligarquia ou a uma tirania, assunto que é abordado no Livro V da Política (1999): ―Uma oligarquia está sujeita a revoluções tanto na guerra quanto na paz; na guerra, porque, não podendo confiar no povo, os oligarcas são forçados a