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3. A importação normativa: processos e riscos nos setores regulados da aviação civil e

3.3. Telecomunicações

3.3.1. Histórico do setor e criação da agência reguladora

Pode-se apropriar da tipologia proposta por Fernando Herren Aguillar (2009), já anunciada para descrever o início da relação entre o Estado e o setor de aviação civil no Brasil, com o objetivo de esquematizar as fases da evolução regulatória dos serviços de telecomunicações no Brasil. Apontam-se, assim, três fases: fase da regulação desconcentrada, fase da regulação concentrada e fase do Estado Regulador.300

A partir da Constituição de 1934, já se previa que a União teria alguma competência relacionada aos serviços de telecomunicações.301 A primeira linha telegráfica do Brasil foi instalada em 1852, tendo sido o telégrafo logo operado diretamente pelo Estado, por meio da Diretoria Geral dos Telégrafos Elétricos.302 A telefonia iniciou seu percurso no País em 1877, não demorando a alcançar as principais cidades e capitas das províncias. Inúmeras concessões eram dadas no período, em caráter local e interurbano. Não havia, no Brasil, uma grande empresa monopolista de telefonia, como a que logo se formou nos EUA.303

A densidade telefônica era de 1 telefone para cada 100 habitantes e a exploração do serviço estava distribuído por pouco mais de 100 empresas, em sua maioria de âmbito local ou regional, algumas mantidas pelos governos municipais. A Companhia Telephonica Brasileira – CTB detinha 78% dos aparelhos instalados no eixo Rio-São Paulo, enquanto a ITT e a Bond and Share detinham 12% dos aparelhos instalados, operando no Rio Grande do Sul e na Bahia. (ARANHA 2005, 69)

Antes da Constituição de 1967, no entanto, a competência da União restringia-se a serviços interurbanos e os serviços locais e intraestaduais recaíam na competência dos municípios e dos estados. O avanço da União sobre o setor de telecomunicações

300 Embora a tipologia evolutiva também esteja descrita na obra Direito econômico: do direito nacional

ao direito supranacional, citada aqui, Márcio Iorio Aranha e Gustavo Kaercher Loureiro (2009) trabalharam com essa proposta, tendo-a extraído da obra Controle social de serviços públicos, do mesmo autor.

301 A categoria própria de serviços telecomunicações apenas foi coagulada na Constituição de 1967. Até

lá, os serviços eram tratados evolutivamente: telégrafo, radiocomunicação, radiodifusão e telefonia.

302 O telégrafo, desde cedo, foi encarado pelo Estado como instrumento essencial para a integração

nacional. A invasão do Mato Grosso pelo Paraguai, em 1865, levou seis semanas até ser noticiada à capital; a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, levou um mês para ser comunicada à capital de Mato Grosso. Diante dessas dificuldades e da necessidade republicana de se conformar concretamente um povo nacional, uma das primeiras medidas foi estender as redes telegráficas ao oeste brasileiro. Isso foi feito sob a liderança do Mal. Cândido Rondon ao longo de cerca de duas décadas no início do século XX, percorrendo os estados de Mato Grosso, Rondônia e Amazonas. (DIACON 2006)

303 Para uma concisa apresentação da história do Sistema Bell (nascimento, evolução e queda), v.

iniciou-se de maneira mais sistematizada com o Governo Vargas, que expediu regulamento para a telefonia de longa distância. A falta de sistematicidade no controle e nas concessões, juntamente à ausência de parâmetros para gerir os contratos, levou ao congelamento de tarifas, à paralisia na expansão dos serviços de telefonia e à multiplicação de sistemas isolados uns dos outros.

O descontentamento gerado com os serviços, cada vez mais débeis, a partir disso levou a União a tentar ocupar cada vez mais espaços na regulação dos serviços e das empresas concessionárias a partir do Governo Juscelino Kubitschek. A criação do Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) e a expedição do Decreto nº 790, de 27 de março de 1962304, e do Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT – Lei nº 4.117, de 27 de março de 1962), até hoje vigente, foram sintomáticas.

O término da fase da regulação desconcentrada – e o início da fase da regulação concentrada – foi marcado pela Constituição de 1967, publicada no início do Governo Militar. Estabeleceu-se como competência da União a exploração de todos os serviços de telecomunicações, podendo fazê-lo indiretamente, mediante outorga. A concretização dessa nova disposição constitucional deu-se com a criação das Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás), pela Lei nº 5.792, de 11 de julho de 1972. A empresa constituiu-se em holding de empresas estaduais que prestavam os serviços de telecomunicações em caráter local. (LAENDER 2009)

Quando da publicação da Constituição de 1967, a Embratel vinha ampliando suas operações e, poucos anos depois, havia criado uma rede de comunicação de longa distância no País, interligando todos os estados. Ainda foi assumindo os serviços de longa distância internacional, à medida que os contratos de concessão das empresas privadas iam-se expirando. Em face dos bons resultados alcançados com a Embratel nos serviços de longa distância o Governo Federal passou a preocupar-se com os serviços locais de telefonia. A Telebrás assumiu esse olímpico empreendimento e sextuplicou o número de linhas fixas no período de vinte anos, promovendo um ambiente propício ao desenvolvimento tecnológico nacional e à indústria brasileira. (ARANHA e LOUREIRO 2009)

Todavia, a partir do final da década de 1970, o sistema público de telecomunicações começou a sofrer dificuldades de operação. A criação da Secretaria de Controle de Empresas Estatais (SEST) retirou da empresa muito da sua autonomia

304 Esse Decreto, publicado no Governo Parlamentar brasileiro, ampliava as competências da União para

administrativa e financeira. O afã de controlar a inflação por meio de ajuste fiscal e a imposição de limites de investimentos à empresa, mesmo possuindo recursos para isso, impediu a continuidade da expansão do Sistema Telebrás. A demanda por telefonia foi longamente represada, paralisou-se a evolução tecnológica nos serviços, as tarifas foram congeladas.

A miríade de problemas que assolavam a Telebrás – e outras empresas estatais – destruiu-lhe a reputação técnica e política, desenhando-se como única alternativa a progressiva privatização da prestação dos serviços. A reação da Assembleia Nacional Constituinte a esse movimento encrustou no art. 21 do texto promulgado a exigência de que a concessão de serviços públicos de telecomunicações fosse feita somente a empresas sob controle acionário estatal. Isso, todavia, não barrou absolutamente a intenção do Governo de ampliar a participação de empresas privadas no setor, de forma que os serviços privados de telecomunicações começaram a se multiplicar na regulamentação. (ARANHA 2005)

O inevitável, todavia, aproximava-se. No início da década de 1990, a Telebrás foi autorizada a reduzir o número de suas subsidiárias e planejou-se uma licitação para a outorga do Serviço Móvel Celular (SMC), que, depois de atrasos, iniciou em 1992. A saída do Presidente Collor descarrilhou, parcial e temporariamente, o trem das privatizações.

Se no ambiente interno as pressões privatizantes arrefeceram, no cenário internacional elas caminhavam para seu ápice. A cartilha do Estado mínimo passou a integrar o programa de organismos internacionais de apoio e fomento como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional – FMI. Um dos exemplos mais significativos foi Memorando de entendimentos relativo à reestruturação do setor de telecomunicações assinado nos estertores do Governo Collor, em 25 de dezembro de 1992, pelo Ministro dos Transportes e Comunicações e pelo representante do Banco Mundial para a América Latina e Caribe. O memorando incluía subcapítulo específico destinado a resumir o compromisso do governo brasileiro na privatização do Sistema Telebrás. Entre as chamadas boas práticas difundidas sobretudo pelo Banco Mundial, estavam: a venda à iniciativa privada do controle sobre as empresas do setor; a liberalização do setor e sua abertura à competição; a instituição de uma agência reguladora independente para orientar o setor e preservar a competição. (LAENDER 2009, 190-1)

Saía de cena a fase da regulação concentrada e introduzia-se a fase do Estado regulador. As pressões internacionais para privatização e abertura do mercado à globalização desembocaram na Rodada do Uruguai do GATT, que gerou o GATS.305 Uma das medidas negociadas era a eliminação de barreiras não tarifárias à importação

de serviços e à prestação transnacional de serviços. A monopolização ex lege de determinado serviço era considerado uma barreira não tarifária.

―Flexibilizou-se‖ o monopólio estatal das telecomunicações por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 8, de 15 de agosto de 1995, que alterou o art. 21 da Constituição para possibilitar que a União explorasse direta ou indiretamente, por meio de concessão, permissão ou autorização, serviços de telecomunicações ―(…) nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais‖. A primeira medida adotada, porém, não foi a privatização do Sistema Telebrás, mas a licitação de novos blocos para o SMC.

A Lei Mínima (Lei nº 9.295, de 19 de julho de 1996) instituiu um regime jurídico de exploração específico para o SMC, o Serviço Limitado, o Serviço de Transporte de Sinais de Telecomunicações por Satélite e o Serviço de Valor Adicionado (SVA)306. As empresas subsidiárias do Sistema Telebrás foram autorizadas – e assim procederam – a separar empresarialmente suas operações móveis e fixas, mantendo o SMC em pessoa jurídica distinta da que prestava o Serviço Telefônico Fixo Comutado (STF). Ainda se estatuía que ―o Poder Executivo, quando oportuno e conveniente ao interesse público, determinará a alienação das participações societárias da TELEBRÁS, ou de suas controladas, nas empresas constituídas na forma do artigo anterior [prestadoras do Serviço Móvel Celular]‖ (art. 6º). A Lei ainda atribuía as funções de órgão regulador ao Ministério das Comunicações (MC) enquanto não era criada a Comissão Nacional de Comunicações (CNC).307

Nas telecomunicações, o Estado regulador instaurou-se definitivamente, de fato e de direito, com a Lei Geral de Telecomunicações (LGT – Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997). A Lei reestruturou completamente a institucionalidade do setor e dos serviços de telecomunicações. O grau alcançado na mudança de paradigma foi a não adesão à dicotomia binária serviço público/serviço privado. A LGT inovou ao criar uma distinção matricial: interesse coletivo/interesse restrito. Isso possibilitou a criação de

306 Diferentemente dos outros serviços citados, o Serviço de Valor Adicionado (SVA) não se constitui

serviço de telecomunicação. No Regulamento dos Serviços Limitados de Telecomunicações (Decreto nº 177, de 17 de julho de 1991), ele era definido como ―serviço que acrescenta a uma rede preexistente de um serviço de telecomunicações, meios e/ou recursos que criam novas utilidades específicas, ou novas atividades produtivas, relacionadas com o acesso, armazenamento, movimentação e recuperação da informação‖. Ele foi trazido ao campo normativo brasileiro como um conceito-guarda-chuva para englobar principalmente os chamados Serviços de Informações, que eram de âmbito de prestação limitado, embora tivessem acesso à rede pública de telecomunicações.

307 A Comissão Nacional de Comunicações (CNC) nunca foi criada. Como órgão regulador, criou-se a

uma grande complexidade de regimes de prestação de serviços, na medida em que, por exemplo, os serviços de interesse coletivo podem ser prestados em regime privado.

À Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) foi atribuída a competência de organizar os serviços de telecomunicações, criando suas modalidades, detalhando os seus regimes, sua política de outorga, as responsabilidades do prestador e os direitos dos usuários. A ela se atribuiu, também, de acordo com o art. 19 da LGT, entre outras competências, a fiscalização da prestação dos serviços, a implementação da política nacional de telecomunicações, a administração do espectro de radiofrequências e do uso de órbitas satelitais, a expedição de normas técnicas e certificação dos equipamentos de telecomunicações utilizados no País e a resolução de disputas entre prestadoras de serviços de telecomunicações. A Agência ainda passou a figurar como Poder Concedente – para fins da concessão dos serviços prestados em regime público – e como instância do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC).

A Administração prestacional dava lugar à Administração reguladora e, nessa transição, antes de terem seu controle acionário vendido à iniciativa privada, as subsidiárias da Telebrás foram obrigadas a firmar contratos de concessão com a Anatel (art. 207). A privatização do Sistema Telebrás propriamente dita ocorreu em 1998, por meio do agrupamento das empresas estaduais em três lotes para prestação de serviço telefônico fixo local.308 Além disso, a Embratel também foi privatizada para prestação de serviços de longa distância e de transporte.

O objetivo da Administração foi ter três empresas distintas prestando serviço telefônico fixo local no País. Em um segundo momento, foi licitada autorização para cada uma das Regiões do Plano Geral de Outorgas (PGO – aprovado pelo Decreto nº 2.534, de 2 de abril de 1998) com o objetivo de inserir uma competidora prestando serviço em regime privado, chamada empresa-espelho.309 Uma nova tentativa de

308 O Plano Geral de Outorgas (PGO), aprovado pelo Decreto nº 2.534, de 2 de abril de 1998, estabeleceu

que comporiam a Região I os estados de MG, RJ, ES, BA, SE, AL, PE, PB, RN, CE, PI, MA, PA, AP, AM e RR, a Região II o estados do RS, SC, PR, MS, MT, GO, TO, RO, AC e DF e a Região III o estado de São Paulo. De acordo com a pesquisa empreendida por Márcio Iorio Aranha, o objetivo era equilibrar as Regiões I, II e III, de forma que a primeira respondia por 37% do PIB nacional e a segunda, embora restrita a 25%, ―(…) seria compensada por sua posição estratégica fronteiriça com os países do Mercosul e sua alta taxa de crescimento do setor de telecomunicações‖ (ARANHA 2005, 103). São Paulo representava 36% do PIB.

309 De acordo com Benedicto Porto Neto, a inserção homeopática de novas prestadoras representava uma

medida de assimetria regulatória plenamente justificável: ―Então, o modelo se estrutura numa tentativa de equilíbrio entre universalização e competição. Para viabilizar estas duas metas concomitantes o sistema jurídico introduz um conceito denominado de assimetria regulatória. O prestador que sucede às empresas do sistema TELEBRÁS possui, por si só, uma série de vantagens. Dispõe, por exemplo, de uma rede instalada, uma carteira monumental de clientes, um fluxo de