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3. A importação normativa: processos e riscos nos setores regulados da aviação civil e

3.2. Aviação civil

3.2.4. Estudo de casos

3.2.4.1. Infraestrutura aeroportuária

Uma das facilidades essenciais para que haja aviação civil é a existência de infraestrutura aeroportuária apta e compatível para pousos e decolagens. Existe, assim, uma série de requisitos de segurança operacional (safety) e de segurança contra atos de interferência ilícita (security). As exigências de safety e security dos aeródromos constam do Anexo 14 à Convenção de Chicago. Abordam-se, entre outros temas, as condições geográficas em que deve ser situado um aeródromo, as ações e os equipamentos de combate a incêndio e de outras emergências, as características das pistas, as operações de remoção de obstáculos, a padronização dos sinais visuais, os sistemas elétricos e as cores das luzes a serem utilizadas.287

A ANAC define requisitos para os aeródromos por meio do RBAC nº 154, aprovado pela Resolução nº 93, de 11 de maio de 2009. Até a publicação dessa Resolução, entretanto, a norma que regia os projetos de aeródromos e que fundamentava a atividade de fiscalização era o próprio Anexo 14 – em inglês. O RBAC nº 154 representa mais propriamente uma tradução de diversos elementos do Anexo 14, embora não trate de todos os temas que são abordados nesse documento.288

287 Para uma leitura do Anexo 14, v. http://pt.scribd.com/Annex-14-ICAO/d/5509407 (último acesso em

19 de março de 2011).

288 As contribuições à audiência pública que originou o RBAC nº 154, bem como a resposta a elas, não

estão disponíveis para consulta pelo sítio eletrônico da ANAC e as solicitações dirigidas à Agência não foram respondidas, portanto não se pode ver, com mais detalhes, se houve propostas que

Em maio de 2009, equipe encarregada do Programa Universal de Supervisão da Segurança Operacional (USOAP), da OACI, auditou diversos aspectos da aviação civil brasileira. Verificou-se o cumprimento do Anexo 6 (operações de aeronaves), do Anexo 8 (certificação de aeronavegabilidade), do Anexo 11 (serviços de tráfego aéreo), do Anexo 13 (investigação de acidentes aeronáuticos) e do Anexo 14 (aeródromos). Era grande a expectativa diante dessa auditoria, porquanto havia mais de nove anos da última vez que ela tinha ocorrido:

A Organização Internacional de Aviação Civil (Oaci, na sigla em inglês) se prepara para uma nova auditoria do sistema de aviação civil do País. (…) Sem entrar em detalhes por ainda estar vinculado à Anac, Allemander avalia que o Brasil corre o risco de ser rebaixado na classificação internacional para a categoria 2, o que automaticamente congelaria novas freqüências para o Exterior. ―E se formos para a categoria 3, não podemos sobrevoar esses territórios e os países passam a desaconselhar nossas empresas aos passageiros‖, alertou. ―Mas o problema não é a companhia aérea e nem seus serviços prestados (no caso da Tam)‖, disse. Por dedução lógica, os problemas poderiam ser relacionados à segurança do espaço aéreo, infra- estrutura aeroportuária e à regulamentação do setor. (NIEMEYER 2008)

Em 2008, uma série de aeroportos já havia sido interditada pela ANAC, muitos deles no interior da Amazônia.289 A alegação da Agência foi comum a praticamente todos: falta de segurança operacional, causada pelo descumprimento às regras setoriais (o Anexo 14). Entre os motivos concretos, estavam a existência de lixão próximo à pista, a falta de lâmpadas no balizamento da pista, a ausência de veículo, equipamentos e pessoal do Corpo de Bombeiros dedicados ao aeródromo, a deterioração das cercas que circundam a pista e a inexistência de equipamentos de raios X.

Por meio da Resolução da ANAC nº 84, de 11 de maio de 2009, foi aprovado o Programa de Segurança Operacional Específico da Agência Nacional de Aviação Civil (PSOE-ANAC), que passou a integrar o Programa Brasileiro para a Segurança Operacional da Aviação Civil (PSO-BR), convênio entre a ANAC e o Comando da Aeronáutica. O PSO-BR foi motivado por uma iniciativa da OACI que emendou os Anexos 6, 11 e 14 e buscou harmonizar internacionalmente os requisitos de gerenciamento de segurança operacional. O PSOE-ANAC instituiu uma série de regras para a segurança operacional da aviação civil, com o propósito de alcançar Níveis Aceitáveis de Segurança Operacional (NASO). ―O estabelecimento de NASO busca o alinhamento com as normas da OACI e a adoção de uma abordagem de regulação

destoavam do teor original do Anexo 14 e quais os fundamentos utilizados para a incorporação ou recusa.

289 Entre os aeroportos interditados, estavam os de Itaituba, Altamira, Parintins, Coari, Eirunepé, Borba,

Manicoré, Humaitá, Lábrea, Fonte Boa, Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Paulo de Olivença. V., por exemplo, Portal ORM (2008) e Diário do Amazonas (2008).

baseada na definição de requisitos atrelados ao desempenho do gerenciamento da Segurança Operacional‖ (art. 4º, parágrafo único)

Em 2009, igualmente, mais de cem aeroportos foram interditados, também por razões relacionadas à segurança operacional. De acordo com Solange Vieira, então diretora-presidente da Agência, ―a Anac endureceu, sim. A gente tem, na verdade, feito cumprir as exigências. Uma auditoria internacional no ano passado nos cobrou isso. Procuramos sentar com o governo do estado, que, junto com o governo municipal, tem a responsabilidade de buscar as soluções. Tão logo elas são alcançadas, liberamos o aeroporto para tráfego‖ (Anac fechou mais de cem aeroportos em 2009 por não cumprirem condições de segurança 2010).

A forte atuação da Agência na Amazônia para fazer valer as regras da OACI provocou um estardalhaço social e político. A Região Amazônica é altamente dependente do transporte aéreo para que a população exerça seu direito de ir e vir. Em algumas áreas, o único modal de transporte capaz de interligá-las ao resto do Brasil com certa segurança e eficiência é o aéreo.290 Em outubro de 2009, os governadores dos estados da Amazônia Legal reuniram-se e divulgaram a Carta de Macapá, na qual se lia, entre as decisões tomadas, ―indicar a revisão imediata pela ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil dos critérios de homologação dos aeródromos da Amazônia e que a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), em conjunto com os governos estaduais, promovam melhorias e ampliação da infraestrutura aeroportuária em operação‖. (O Globo 2009) Senadores e deputados de estados do Nordeste também fizeram manifestações, sublinhando o fato de que os aeroportos interditados eram de extrema importância para a Região, que obtém boa parte de sua renda da atividade turística.

No País, portanto, é e sempre foi aplicado, direta ou indiretamente, o Anexo 14 da Convenção de Chicago para fixação dos requisitos operacionais dos aeroportos. Todavia, a aplicação razoavelmente irrefletida dessa norma tem levado a interdições de aeroportos. Os requisitos de segurança operacional do Anexo 14 são reconhecidamente elaborados para aeródromos de grande porte, notadamente de perfil internacional. A exigência dos mesmos requisitos operacionais para aeroportos pequenos, com baixa

290 Cite-se como exemplo simbólico o município de São Gabriel da Cachoeira (AM), localizado no

extremo noroeste do País, que apenas pode ser acessado por via fluvial ou aérea. Há, porém, sérias restrições ao acesso por meio da navegação fluvial: além das quedas d‘água desprovidas de eclusas no trajeto a Manaus, é impossível chegar ao município por meio das embarcações convencionais regulares em épocas de vazante do Rio Negro (setembro a março).

densidade de tráfego, parece desproporcional. A própria ANAC tem manifestado essa compreensão, embora as regras permaneçam as mesmas até hoje:

Solange Vieira, diretora-presidente da Anac, explicou que a agência tem se esforçado para minimizar e reduzir as exigências dos aeroportos de pequeno porte para que não haja interrupção de voos. A avaliação de nível de risco e de movimento dos aeroportos pequenos (especialmente no Norte e no Nordeste), segundo ela, é feita de modo que, mesmo com poucos recursos financeiros, eles possam se adequar às normas, que quase sempre têm grau de exigência para aeroportos de movimento muito grande. (Anac fechou mais de cem aeroportos em 2009 por não cumprirem condições de segurança 2010)

O meio fundamental pelo qual a União, que é a autoridade federativa competente para explorar os serviços de aviação civil, cria condições para que aeroportos menores e com poucos recursos cumpram as regras estabelecidas é o Programa Federal de Auxílio a Aeroportos (PROFAA), cujos recursos originam-se do adicional de 50% sobre as tarifas aeroportuárias.291 Todavia, a magra aplicação dos seus recursos não tem sido proporcional à arrecadação, em função de constantes reservas de contingência.292 Isso tem impedido que pequenos aeródromos cumpram as pesadas exigência operacionais.

Em audiência pública realizada em 2009, a ANAC debateu os Critérios Regulatórios para a Implantação, Operação e Manutenção dos Serviços de Prevenção, Salvamento e Combate a Incêndio em Aeródromos Públicos Civis (SESCINC). A proposta de norma objetivava readequar as exigências de resposta a emergência (contraincêndio) para aeródromos menores. No Relatório de análise das contribuições referentes à audiência pública, ficou clara a existência de contribuições que clamavam pelo respeito ao Anexo 14 da Convenção de Chicago, fundamentando-se no fato de a SARP ter força normativa e dever ser seguido pelo País, principalmente quando tem caráter de garantia ao consumidor de requisitos mínimos de segurança.

A resposta da ANAC afirmou a competência soberana do Brasil para reger seu próprio espaço aéreo e os serviços que dele façam uso e salientou que o marco regulatório deve promover equitativamente a prosperidade e a integração nacional, na medida em que não ponha em risco a segurança de cidadãos. Afirmou que as normas da OACI são aplicáveis quando praticável, existindo o procedimento do art. 38 que permite que o Estado dissinta desses documentos. Concluiu frisando textualmente que

291 A aplicação dos recursos do PROFAA é feita de maneira repartida, conforme o art. 1º da Lei nº 8.399,

de 7 de janeiro de 1992: 80% são diretamente pelo Governo Federal, no sistema aeroviário de interesse federal, e 20% são destinados à aplicação nos Estados, em aeroportos e aeródromos de interesse regional ou estadual, bem como na consecução de seus planos aeroviários.

292 De acordo com Daniel Alves da Cunha (2009, 4), entre 1994 e 2007, arrecadaram-se R$ 949,5 milhões

destinados ao PROFAA e foram utilizados somente R$ 385,2 milhões (cerca de 40% do arrecadado).

a adoção de diferenças em normatização técnica nacional em relação aos padrões estabelecidos pela OACI fica a critério do Estado brasileiro, desde que devidamente motivadas e embasadas em estudos técnicos para cada matéria especificamente (…), chegando-se à conclusão de que a prática da aplicação proporcional de requisitos de segurança operacional é adequada viabilizando economicamente a operação do transporte aéreo brasileiro sem deixar de lado aspectos relacionados à segurança operacional (Agência Nacional de Aviação Civil 2009, 34).

A audiência pública resultou na Resolução nº155, de 6 de outubro de 2009. Ela trabalha com a divisão de aeródromos em quatro categorias, às quais se imprimem diferentes exigências de resposta a emergência: Classe I (menos de 100.000 passageiros anus), Classe II (entre 100.000 e 399.999 passageiros anuais), Classe III (entre 400.000 e 999.999 passageiros anuais) e Classe IV (1.000.000 de passageiros anuais ou mais). Aos aeródromos de Classe I, por exemplo, estabeleceu-se a possibilidade de atribuir a operação do SESCINC à Guarda Municipal.

O caso das normas de aeroportos é bastante ilustrativo dos efeitos perversos que pode ter a importação inadvertida ou pouco refletida de normas internacionais. Ele evidencia também que a ANAC possui instrumentos institucionais para passar a lidar com as SARPs de forma razoavelmente republicana, porquanto a primeira transformação material das regras da OACI ocorreu à luz desse novo arranjo institucional. Ainda há etapas na formulação das SARPs que não estão propriamente de acordo com uma democracia contestatória ou participativa, entretanto a Agência possui as ferramentas para atuar como uma instância burocrática democrático-deliberativa em face da normatização internacional e preservar a liberdade republicana no setor de aviação civil brasileiro.

3.2.4.2. Sistema satelital de controle de tráfego aéreo

A OACI dirige uma mudança global no controle de tráfego aéreo. Essa mudança implica o abandono dos atuais sistemas baseados em radares terrestres e a utilização de sistemas que fazem uso de satélites para essa tarefa, os Sistemas de Comunicações, Navegação e Vigilância – Gestão do Tráfego Aéreo (CNS/ATM – Communications, Navigation, Surveillance Systems – Air Traffic Management). Por operarem tecnologicamente de forma distinta, terem custos diferentes e se tornarem viáveis mediante o uso de modelos diversos, essa mudança traz impactos para todos os países que fazem uso de radares.

Os novos sistemas visam a mitigar problemas surgidos decorrente do aumento dos voos ocorrido mundialmente nas últimas duas décadas. No Brasil, por exemplo, o tráfego anual de passageiros no aeroporto de Congonhas passou de cerca de 4 milhões em 1994 para mais de 12 milhões em 1999; no aeroporto de Guarulhos, em 2001, eram 11 milhões de passageiros e, em 2009, 21 milhões (Agência Nacional de Aviação Civil 2009). Pelo fato de a infraestrutura aeroportuária não ter se expandido no mesmo ritmo que o número de voos, os atrasos em pousos e decolagens tornaram-se mais constantes. Em função disso, os custos por voo das companhias aéreas têm-se elevado, principalmente em razão do maior consumo de combustível.

Os CNS/ATM fazem uso dos Sistemas Globais de Navegação por Satélite (GNSS – Global Navigation Satellite Systems)293, que, integrados a outros sistemas, de satélite geoestacionário e terrestre, permite uma troca de informações acurada a respeito da aeronave e do voo.294 Nas aproximações de pouso, em um raio de cerca de 37 km, a comunicação com a aeronave é complementada por um pseudossatélite, posicionado em terra, que garante ainda mais precisão na informação de posicionamento. O objetivo da combinação de vários sistemas distintos é garantir precisão nas informações de aeronavegabilidade, atendendo a requisitos da OACI.295

O plano de adoção dos CNS/ATM começou a ser desenhado a partir de 1981 e previa um cronograma de trinta anos (até 2010) até a realização total de seu ciclo de implantação. Em 1988, o plano foi concluído. A OACI promoveu, em maio de 1998, no Rio de Janeiro, a Conferência Mundial para Implantação dos Sistemas CNS/ATM. Mais de cem países enviaram representantes. Em face da atitude dos EUA de disponibilizar gratuitamente o GPS para OACI e para os CNS/ATM, a Europa, a Rússia e os países em desenvolvimento recearam estar conferindo aos EUA posição dominante nessa área econômica. As conclusões da Conferência, portanto, foram no sentido de realização de mais estudos. (MONSERRAT FILHO 1998) No entanto, o Presidente da Republica

293 O GNSS abarca o Global Positioning System (GPS), americano, o Global‘naya Navigatsionnaya

Sputnikovaya Sistema (Glonass), russo, e o Galileo, europeu.

294 O Sistema de Acréscimo de Desempenho Baseado em Satélite (SBAS – Space-Based Augmentation

System) é o mecanismo que garante a correção da posição da aeronave, alimentando-a com os dados da estação terrestre, por meio do satélite geoestacionário. (CHUJO e WALTER 2006)

295 Segundo a explicação de Amália Chujo e Fernando Walter, ―um sistema DGNSS que atende normas e

recomendações de segurança no transporte aéreo deve cumprir os parâmetros de desempenho RNP (Required Navigation Performance – Requisito de Desempenho de Navegação) padronizados pela ICAO: acurácia (maior exatidão), integridade (confiabilidade), disponibilidade (acurácia somada à integridade em qualquer instante) e continuidade (disponibilidade sobre um intervalo de tempo determinado)‖ (CHUJO e WALTER 2006, 4).

assumiu, na Convenção o compromisso de implantar os novos sistemas no Brasil. (SIQUEIRA 2005)

A Portaria nº 778/GC5, de 5 de outubro de 2001, emitida pelo Comandante da Aeronáutica, fundamentou-se na referida Convenção para aprovar uma política nacional para os CNS/ATM e definir uma estratégia para a sua implementação no País. Entre os objetivos da Política, consta o de ―implementação dos sistemas CNS/ATM no Brasil, consoante com os compromissos já assumidos com a comunidade internacional de aviação civil‖ (III, 4 – grifos ausentes no original) e, entre suas estratégias, ―apoiar os esforços da OACI na implementação dos sistemas CNS/ATM, utilizando, no que couber, as ‗Normas e Métodos Recomendados‘ daquela Organização‖ (IV, 2).296

Victor Carvalho Pinto elogia os CNS/ATM:

O sistema permitirá que todo o globo terrestre seja monitorado. Além disso, ampliará a digitalização e a automação de processos, tornando a aviação mais precisa e segura. O resultado será um aumento na capacidade do espaço aéreo, cujo uso não mais estará limitado às atuais aerovias. Em conseqüência, haverá maior flexibilidade na escolha das rotas, o que permitirá a escolha de trajetórias mais diretas entre origem e destino, o que contribuirá para reduzir atrasos, economizar combustíveis e diminuir a poluição. (V. C. PINTO 2008, 55)297

A adoção de CNS/ATM, portanto, daria uma sobrevida às infraestruturas aeroportuárias brasileiras superlotadas, sem que a elas imponham-se obras de ampliação. Contudo, para que esse sistema seja implantado de forma a substituir o atual sistema de radares terrestres utilizados no controle de tráfego aéreo, seria necessária a disponibilidade de um satélite geoestacionário.

Atualmente, os radares possuem utilidade civil e militar. O próprio controle de tráfego aéreo é realizado por uma estrutura militarizada, composta de servidores de carreira militar.298 A utilidade nomeadamente civil – porque relacionada à aviação civil – consiste no controle de tráfego aéreo, ao passo que a utilidade militar apoia-se no fato

296 A Política foi detalhada operacionalmente pela Portaria DECEA nº 109/DGCEA, de 20 de outubro de

2006, que aprovou a edição do Programa de Transição do SISCEAB utilizando o conceito de Sistemas CNS/ATM.

297 José Monserrat Filho (1998) tem a mesma percepção acerca dos CNS/ATM e, em 1999, apontava as

deficiências do sistema de radares terrestres que poderiam ser corrigidas com a proposta: ―Ele não é, nem pode ser global, como se impõe hoje. Não tem ponto de apoio nos oceanos, que ocupam a maior parte da superfície do planeta. Tampouco tem pontos de apoio nas regiões inóspitas e remotas grandes florestas, cadeias de montanhas, áreas pouco habitadas, etc. Ademais, não tem apoio nos países pobres, sem recursos para construir toda a infra-estrutura necessária. O radar instalado na ilha de Fernando de Noronha, por exemplo, capta os sinais de um avião só até o meridiano 10. A partir dali, a posição do aparelho é seguida pelo controle, em terra, com base em dados fornecidos pelo próprio piloto, via rádio.‖

298 Apesar dos movimentos no sentido da desmilitarização da aviação civil, a Medida Provisória nº 527,

de 18 de março de 2011, reforçou a carreira militar de Controladores de Tráfego Aéreo, criando mais cem cargos efetivos.

de eles permitirem o controle do espaço aéreo de quaisquer aeronaves, monitorando eventuais invasões no País. A finalidade militar só tem efeito se o sistema de controle encontra-se completamente operado nacionalmente. Em função disso, há uma forte resistência à utilização de uma infraestrutura estrangeira para o controle do tráfego aéreo, na medida em que a atividade é fortemente ligada à segurança nacional e a estratégias de defesa. Logo, tem-se feito um movimento no governo brasileiro para que sejam adquiridos e lançados satélites geoestacionários brasileiros com o propósito, entre outros, de aplicação em controle de tráfego aéreo.299

Tele.Síntese – Há um acordo internacional que vence em 2010, que diz respeito a tráfego aéreo. O Brasil precisaria ter um satélite geoestacionário, caso contrário, terá que alugar a capacidade de algum satélite estrangeiro. Esse acordo internacional tem prazo para vencer? Pietroluongo – É o sistema CNS/ATM, novo sistema de controle de tráfego aéreo a ser adotado internacionalmente por meio de acordos internacionais estabelecidos no âmbito da ICAO (International Civil Aviation Organisation), organismo internacional que controla o tráfego aéreo. O Brasil tem um compromisso, a partir de 2010, de fazer parte desse sistema CNS/ATM e, para isso, precisa de um satélite geoestacionário. Mas se o país não tiver satélite, terá que alugá-lo, para fazer parte desse sistema. (NEPOMUCENO 2006)

O custo de lançamento de um satélite geoestacionário é comumente estimado entre US$ 300 e US$ 350 milhões. Saliente-se que o sistema de radares terrestres não seria abandonado, porquanto ainda seria de utilidade militar. Lançar um satélite geoestacionário brasileiro, portanto, traz nítidos encargos gravosos ao patrimônio nacional. O que está havendo, portanto, é a imposição de uma obrigação – lê-se assim – pela OACI, sem que seja obedecido o rito previsto no art. 49, I, da Constituição Federal. Não houve qualquer documento normativo no plano internacional que tenha sido internalizado por meio de um procedimento contestatório ou participativo a ponto de se fixar republicanamente o compromisso para com a adoção dos CNS/ATM. Tampouco será o compromisso transposto por meio de RBAC, na medida em que não se trata de anexo técnico à Convenção de Chicago. Ainda, a decisão pela destinação de um satélite geoestacionário nacional a esse sistema, que já se fundamenta em uma política ilegítima do ponto de vista democrático-deliberativo, tende a ser puramente militar e governamental, apoiada em temerários argumentos de que se trata de uma obrigação que deva ser cumprida pelo País, sem ser submetida a qualquer procedimento republicano de verificação de sua legitimidade ou necessidade interna.

299 Prevê-se que o controle do tráfego aéreo seja feito por meio da banda C (4-8 GHz) e por meio da