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CAPÍTULO 4 – AS VARIÁVEIS E SEU POTENCIAL DECISÓRIO EM UMA

4.3 A POBREZA E A MANIPULAÇÃO DO VOTO POR MEIO DELA

De acordo com o que já foi exposto anteriormente, a pobreza é uma variável importantíssima porque determina as condições de vida de uma pessoa e a torna um mercado em potencial para os políticos oportunistas de plantão. Infelizmente o cenário brasileiro é entristecedor, pois a grande maioria do povo vive abaixo da linha da pobreza sem as mínimas condições de sobrevivência e sem usufruir de muitos dos seus direitos individuais.

A pobreza sempre existiu. Antigamente ela era vista como um acidente natural e representava uma classe de pessoas trabalhadoras e assalariadas, os proletários que passavam por uma exaustiva jornada de trabalho diário, gozavam de péssimas condições de vida e ausência de direitos. No entanto, foi a partir da Revolução Industrial,112 da modernidade e da implementação do sistema capitalista, que a pobreza amplia-se consideravelmente pelo mundo e passa de um problema visto como natural para um problema social.

Sobre a Revolução Industrial e a luta de classes Marx (2002, p.27) afirma:

Até agora, toda a forma de sociedade foi baseada, como já vimos, no antagonismo das classes opressoras e oprimidas. Mas, para oprimir uma classe, certas condições devem ser asseguradas sob as quais ela poderá, ao menos, continuar sua existência submissa. Os servos, no período da servidão, elevaram-se à qualidade de membros da comuna, assim como pequenos burgueses, sob o jugo do absolutismo feudal, transformando-se em burguesia. O trabalhador moderno, pelo contrário, em vez de crescer com o progresso da indústria, enterrou-se sempre mais fundo, abaixo das condições de existência de sua própria classe. Tornou-se pobre e a pobreza cresce mais rápido do que população e a riqueza.

À medida que a civilização se desenvolve e, com ela, a economia, sob a forma do capitalismo, a pobreza evolui, acompanhando o próprio processo de crescimento econômico. “O período, no qual nos encontramos, revela uma pobreza de novo tipo, uma pobreza estrutural globalizada, resultante de um sistema de ação deliberada.” (SANTOS, 2003 p.72).

Milton Santos ainda afirma que o Estado tem se retirado cada vez mais das tarefas de proteção social, passando essas funções sociais para as organizações não governamentais.

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Sobre a Revolução Industrial e o surgimento da classe proletária, consultamos. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista.10 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

Sendo assim, parte da culpa dessa pobreza globalizada é da ausência deliberada do Estado de sua função social.113

Para Sorj (2000, p.21),

No Brasil impera a permanecia de enormes lacunas, inclusive no que diz respeito aos serviços de infra-estrutura básica, violência, desproteção nos bairros mais pobres e desnível educacional. Sem dúvida o crescimento demográfico e a explosão dos grandes centros urbanos dos anos 60, 70 e 80 potencializaram os problemas, que foram agravados pelo descaso que a área social teve durante o regime militar.

Juntando estes fatos que se referem à industrialização e à modernidade e colocando-os lado a lado com o modelo de colonização que tivemos e do qual herdamos uma massa marginal bastante grande, é possível desconfiar quão grande seja a pobreza e o seu agravamento no país.

Essa pobreza (que representa uma grande parte da população) tem seu comportamento e poder decisório configurados como fator importantíssimo e preocupante no processo eleitoral, pois se revela suscetível a manobras e condicionamentos ilegítimos por parte da classe política.

Na análise deste aspecto, Barbosa (1988, p.41) sabiamente descreve a relação entre pobreza e política.

A atual pobreza extrema, descendente dos escravos, e que compõe a larga base de nossa pirâmide social, continua, pois, a refletir suas raízes e condicionamentos, sobrevivendo a partir de mecanismos que reproduzem o sistema, o que não exclui a opressão do oprimido pelo oprimido. Vivendo de esperança, de teimosia, de violência, de misticismo, de humor, a resposta do indivíduo pobre com relação à política jamais poderia ser uma reação revolucionária, e sim um “jeito” malandro que se compraz na festa, na fantasia, na mentira bem pregada, na busca do carisma, do pai protetor. Para melhor compreender a essência dessas atitudes, nada melhor que tomar como indicador o voto, não através das costumeiras análises estatísticas, mas na sua subjetividade capaz de desvendar comportamentos humanos ligados ao poder.

113

A citação de Maria Lúcia Victor Barbosa, retirada de seu livro “O Voto da Pobreza e a Pobreza do Voto”, vem confirmar o que acontece no sistema político atual, pois, de fato, o perfil do povo brasileiro, diante da situação de pobreza, não é o do revolucionário e nem tampouco caracteriza a passividade. Existe uma mistura de expectativas, esperanças, com descrença e certa apatia, também “reações de aceitação muito prontas diante de qualquer dose de carisma que reacenda, a partir de alguém que consiga captar valores, aspirações e fantasias da pobreza, a chama de esperança que nutre o entusiasmo da massa e conquista seus votos.” (BARBOSA, 1988, p.42)

Para pessoas que detêm todo um arsenal de poderes disponíveis - o poder político, o financeiro, o religioso, o da mídia, dentre outros - é facilitada a submissão dos mais pobres na atuação daquele que age pela promessa de benefícios através do poder compensatório,114 que é aquele que age pela promessa ou realidade de um benefício.

Diante deste quadro extremo de desigualdade, o momento da eleição, talvez seja o único, onde a população menos abastada é igual e tem o mesmo poder (senão até maior) que a mais abastada.

Em época de eleição, os mais pobres apresentam uma certa euforia, porque além de se igualarem momentaneamente com as classes elevadas, eles são mais requisitados, certamente mais procurados do que os membros da classe alta, porque deles, sim, depende o resultado de uma eleição.

O perigo é que sendo essas pessoas presas mais fáceis, o ator político que souber encarnar o papel de protetor e defensor dos oprimidos leva a melhor.

Novamente Barbosa (1988, p.56) faz colocações muito pertinentes em relação às explanações feitas sobre o voto da pobreza.

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Quando o indivíduo pobre vota, não o faz, pois, exclusivamente por dinheiro, ou demais favores; prevalece, antes de mais nada, a busca de identificação, de igualdade e desforra. Some-se a isso, a imagem do “igual” que é capaz de proteger e a democracia tropical está completa. Adicionem-se ingredientes de sonho, de gestual violento, de “feitiçaria” que é mágica e vingança ao mesmo tempo, e o personagem político será perfeito, imbatível, prescindindo de qualquer traço de ideologia ou de coerência. Esse mago de massas é raro. Poucos conseguem reunir tantas “qualidades.” Mas basta algumas para personificar o grande demagogo, o líder de massa, capaz de empolgar multidões.

O clientelismo e a mercantilização dos votos são pontos característicos das eleições no Brasil, desde os tempos do patrimonialismo, e expressam uma conduta ainda hoje bastante presente nos mais diversos momentos e situações de processos eleitorais no país.

A partir do momento em que os eleitores são procurados por um político que tenha um discurso que vai ao encontro de suas necessidades, que faça menção aos seus problemas cotidianos e que se coloque ao lado deles, aparece uma identificação mútua desta fatia do eleitorado com este candidato. O político que aparece com essas características desperta emoções, esperanças e alimenta sonhos de vida, e assim “o voto normalmente se transforma na moeda com a qual se compra o benefício pretendido.”115

Evitar esses acontecimentos é um desafio dos mais difíceis, no entanto não é impossível. E a possibilidade vem com a educação, com a politização e conscientização desse eleitorado, através do seu engajamento dentro de um sistema de ensino, da politização através da participação em associações, em ONGs ou em qualquer outra instituição que seja capaz de despertar o espírito público e a atenção para a importância e o papel decisivo que tem seu voto.

Aceitar a cesta básica, a dentadura, o remédio, certamente é permitido. No entanto, não é permitido votar em candidatos inaptos somente por gratidão, pelo assistencialismo e pelo discurso inflamado e retórico.

115

Não é permitido votar em quem o “coração mandar”, e sim de acordo com a consciência que cada eleitor deve ter daquilo que será melhor, não somente para o individuo, mas do que será melhor para toda a coletividade.