• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 – AS RELAÇÕES ENTRE ATORES SOCIAIS E POLÍTICOS

3.3 ALGUMAS FORMAS DE COMPORTAMENTO HUMANO NA POLÍTICA

3.3.2 Alienação e Apatia Política

No campo político, objeto de nossas explanações, é possível verificar sem muita dificuldade a alienação que permeia o cenário político.

É comum ouvir pessoas dizendo que não gostam de ouvir, discutir e muito menos de participar ativamente de política, pois é mais importante cuidar de interesses particulares do que se envolver com assuntos políticos. Por isso Dallari (1984, p.34) diz que:

Algumas pessoas acham que política é assunto para políticos. Essa atitude revela inconsciência, demonstra grande alienação, pois quem tem os olhos abertos e enxerga a realidade percebe que não existe a possibilidade de fazer completa separação entre os assuntos particulares e os de interesse público.

Há, para alguns, dificuldade em relacionar assuntos de interesses particulares com os da esfera política. Esse alheamento é efeito da falta de conhecimento e consciência de que as ações político-governamentais afetam a todas as pessoas, e colocar-se à margem dessas ações significa a concordância com elas.

A população talvez pense que muitas vezes não tem a capacidade de influir em nada, que sua participação deve ser apenas aquela formal no dia da eleição, e por isso política não é para eles. É justamente aí que cresce a apatia e a alienação.

Existem as pessoas que buscam não participar e se alienam porque se julgam impotentes para exercer alguma espécie de influência. “Não tendo poder econômico, político ou militar, não gozando de prestígio social, essas pessoas não acreditam que possam fazer alguma coisa para melhorar as condições de convivência.” (DALLLARI, 1984, p.37)

Os escândalos políticos que têm acontecido podem apresentar duas vertentes, uma positiva e outra negativa. A positiva é que a população pode tornar-se mais interessada, mais informada por tudo que está acontecendo. É inevitável dizer que hoje tem-se discutido política diariamente, graças ao número de escândalos das mais diferentes ordens com envolvimento de políticos que tem sido divulgados diariamente pela imprensa. O aspecto negativo é o temor de que, num segundo momento, as pessoas se revoltem, se enclausurem em seus mundos privados e se alienem mais do que antes, de acordo com o que José Álvaro Moisés (1995, p. 214) escreve:

[...] são as percepções negativas do funcionamento do sistema político que tendem, em geral, a produzir atitudes de alheamento ou mesmo de agressividade em relação à vida pública; mas, coerentemente com outras descobertas das pesquisas reportadas neste livro, segundo as quais a educação desempenha, no Brasil, a função de um requisito básico de entrada no sistema de direitos de cidadania, o que explica que os mais pobres e os desprivilegiados sejam menos críticos em relação às instituições e os governos, não é a sua inconsistência em relacionar-se com o mundo da política, mas o fato de que, desprovidos de instrumentos cognitivos adequados para manipular uma realidade que, por definição, se estrutura por normas e procedimentos traduzidos em termos conceituais, eles tendem a mesclar “cinismo” político com atitudes de “deferência”. Se o “cinismo” político pode ser uma atitude salutar de desconfiança em relação às estruturas políticas que, freqüentemente, são de acesso muito difícil para esses estratos sociais, a avaliação positiva da performance dos governos e a atitude acrítica em face de instituições que sabidamente funcionam mal indica que, desprovidos de recurso de conhecimento que lhes permitam conectar sua experiência imediata com a complexidade do funcionamento da vida pública, esses grupos de cidadãos tendem a reproduzir hábitos “deferenciais” diante dos que são ou parecem ser hierarquicamente superiores. Isto representa, evidentemente, uma enorme barreira para acelerar as mudanças em curso na cultura política dos brasileiros.

A alienação é fato preocupante, pois cria uma fragilidade para a ação dos políticos de má fé. Alienar-se é desarticular-se, esvaziar-se de informações e, portanto, deixar de ter condições de se defender daqueles que manipulam a realidade em proveito próprio, favorecendo a permanência de maus políticos no poder, que vêem pessoas desinformadas, distantes do cenário, como um nicho de mercado em potencial. Enquanto essas pessoas se enclausuram nos seus mundos privados, a vida pública continua acontecendo, modificando-se, recriando-se, e é aí que se encontra o problema.

As pessoas que optaram pela clausura são obrigadas a sair dos seus mundos privados em dia de eleição e entrar por um instante no mundo público. É justamente este pequeno instante que faz a diferença. Este instante muitas vezes é capaz de mudar o curso da história, é decisivo, pois poderá colocar a nossa cidade, estado e país nas mãos nem sempre da pessoa mais adequada, mas daquela que teve carisma, poder de persuasão e que dispôs de ferramentas da publicidade, do marketing e de tudo que o dinheiro pôde comprar e oferecer à formação da sua imagem perante seus eleitores.

Estes acontecimentos nos deixam ver de maneira clara o desaparecimento da noção de preocupação com o bem-estar da coletividade. Cada um quer concretizar seus interesses particulares, sem pensar nos interesses gerais, e o que acontece é um choque de interesses particulares e coletivos.

O mundo de hoje tornou-se extremamente individualista, no qual as pessoas perderam- se em meio ao capitalismo. Os necessitados porque rendem-se diante das dificuldades de sua própria sobrevivência; muitos abastados porque perderam a noção de solidariedade e estão submersos em uma sociedade de consumo e totalmente inebriados pelo capitalismo selvagem. Rouanet (1993, p.10) corrobora isto, colocando que:

A individualidade submerge cada vez mais no anonimato do conformismo e da sociedade de consumo: não se trata tanto de pensar os pensamentos que todos pensam, mas de comprar os videocassetes que todos compram, nos aviões charter que todos voam para Miami. O hiperindividualismo exasperado é uma mistura de Lei de Gerson92 e de consumismo de Zona Franca.

Os grupos que estão no poder colaboram com o status quo e trabalham com o objetivo de promover sempre um maior distanciamento do povo das ações políticas, a fim de

92

Segue a “Lei de Gerson” a pessoa que "gosta de levar vantagem em tudo", no sentido de aproveitar-se das situações em benefício próprio, sem importar-se com a ética. A expressão originou-se em uma propaganda de cigarros, na década de 70, na qual o jogador Gerson, da Seleção Brasileira de Futebol era o protagonista. Ele sempre foi um jogador polêmico, pois em sua carreira constam atos de violência em campo. A propaganda dizia que esta marca de cigarro era vantajosa por ser melhor e mais barata que as outras, e Gerson dizia no final: “Você também gosta de levar vantagem em tudo, certo?”

privilegiar seus interesses particulares e realmente alienar o povo de tudo que acontece, pois quanto mais politizada for a população, mais difícil será de enganá-la e, em conseqüência, manter esse modelo de poder.

O povo brasileiro, nas condições em que vive hoje, perdeu inclusive sua autonomia política, econômica, social e até mesmo intelectual. Tudo hoje está amarrado à política e à economia em nível mundial. Somos globalizados e estamos atrelados ao mundo, dependendo das condições estruturais de outros países, sem poder de decisão sobre as situações locais.

Somos conduzidos pelos acontecimentos políticos, econômicos e sociais, temos nossa vida dependente dessas questões, não só no nível interno mas também de decisões e acontecimentos mundiais. No entanto, por maiores que sejam as dificuldades e as condições de vida da nação, não é possível se apegar a isso como justificativa para a alienação.

Participação é um dos itens básicos para se estabelecer uma nação democrática, e sempre deverá interessar ao povo, ou para tomar decisões se de maneira consciente se pautando em regras já estabelecidas ou a fim de estabelecer novas regras.