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A Polêmica Discussão sobre a Necessidade ou não de um Consenso Ideológico

CAPÍTULO 2 – A REDEMOCRATIZAÇÃO DE 1988 NO BRASIL E AS

2.2 A TENTATIVA DE INSTITUIR A DEMOCRACIA SOBRE A CULTURA

2.2.2 A Polêmica Discussão sobre a Necessidade ou não de um Consenso Ideológico

Existem duas correntes de pensamento em relação à democracia: uma chamada consensualista,65 a qual defende que para a democracia se consolidar seria necessário haver desejabilidade, ou seja, que todos os membros da sociedade e da comunidade política aceitem suas regras. E outra concepção designada como conflitualista, a qual prevê que a maioria da população deseja a democracia como regime e esteja de acordo com suas regras, mas não necessariamente a sua totalidade.

Ora, se a democracia representa em primeiro lugar liberdade, então a primeira concepção designada como consensualista apresenta-se contraditória, pois estaria desta forma

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A teoria da concepção consensualista é de autoria de J. Chalmers e se encontra presente em sua obra intitulada como: Revolutionary Change a qual é citada por José Álvaro Moisés no seu livro Os Brasileiros e

contrariando, tolhendo este primeiro princípio da democracia que é o da liberdade de escolha, do livre arbítrio, de querer ou não, de concordar ou não com alguma coisa.

É saudável, conviver com o dissenso,66 com o debate e troca de opiniões, inclusive no que tange ao querer ou não a democracia. Quando temos a oportunidade de presenciar autores e jornalistas atribuindo a uma visão consensualista o sucesso da democracia, eles mesmos estão propondo uma teoria anti-democrática, em relação aos seus próprios preceitos. Devemos chegar a uma visão consensualista quanto à resolução dos problemas sociais, econômicos, de solidariedade mas não em relação à desejabilidade da democracia.

A virtude da democracia está justamente em respeitar a diversidade, a universalidade e a pluralidade de determinações com que ela convive.

Giddens (1995, p.56) apresenta um modelo, o qual denomina de “democracia deliberativa,” que tem sido foco de comparações com a democracia liberal. No entanto, elas são diferentes, pois o modelo liberal baseia-se em determinadas regras e num conjunto de valores que as compõem, ao passo que o modelo deliberativo busca debate, interação, consenso na implementação de ações no âmbito político e social, e além disso incentiva um acordo entre sujeitos políticos e sujeitos sociais.67

As questões que se encontrarem em pauta deverão ser discutidas abertamente e espontaneamente, objetivando um julgamento consensual, mas sem a necessidade de ser unânime.

Não importam os meios que sejam usados para isso, o importante é que haja uma interatividade entre os sujeitos para que eles cheguem a um equilíbrio de opiniões pelo que

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Sobre a teoria conflitualista e sobre o dissenso ideológico ver BOBBIO, Norberto. O Futuro da

Democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 60-65. 67

Em GIDDENS, Anthony. Para além da esquerda e da direita: o futuro da política radical. São Paulo: Ed. UNESP, 1996, p.135

ouviram e disseram e, assim, ponderem e decidam pelo caminho mais pertinente. (HABERMAS, 2003, p.193-212)

O principal problema existente aqui é que a sociedade civil fica nas mãos do Estado, pois dele depende para proporcionar a abertura de um campo de discussão, de maior participação, de delegar parte de sua autoridade e domínio político para que os sujeitos sociais possam vir a fazer parte do cenário e da tomada de decisões.

Depende muito do Estado proporcionar esta abertura, dar autonomia, a fim de criar uma relação de comprometimento das pessoas com o seu país, para que a população sinta-se cidadã ativa e participante.

Para Bobbio (1986, p.61),

[...] o regime democrático está fundamentado não sobre o consenso, mas sobre o dissenso, e onde este dissenso for livre para se manifestar o consenso será real, e onde houver o consenso real pode se considerar o sistema realmente como democrático.

É através do dissenso que as ações são discutidas, permeadas e analisadas até se chegar a um equilíbrio, a negociação propriamente dita.68

Poderemos analisar esse ponto sob o seguinte aspecto: quanto mais a sociedade civil for convocada, quanto mais ela se sentir útil e perceber que existe uma preocupação e abertura realmente visível por parte do Estado na resolução dos problemas sociais, mais essa população será motivada a participar da luta pela resolução das questões inerentes às suas comunidades e inclusive a de uma maior inserção por parte desses sujeitos dentro dos processos políticos eleitorais, a fim de evitar a entrada de políticos de conduta duvidosa que possam vir a perturbar, piorar e colocar em risco conquistas galgadas ao longo do tempo.

No entanto, se houver uma inversão desta hipótese, ou seja, a existência de um Estado promotor de políticas austeras, que prejudiquem a população, e que mantenha um

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distanciamento proposital, dificultando o acesso da população aos trabalhos da administração pública, essa população provavelmente se tornará cada dia mais arredia, revoltada com seu país e seus dirigentes, afastando-se cada vez mais de se interessar por essas questões. Surge então um sentimento de descomprometimento com o país, produzindo um abismo entre sociedade civil e Estado.

No Brasil pode-se considerar que, durante a maior parte de sua história, fomos dominados pela segunda hipótese apresentada acima, pois experimentamos por quase todo o tempo regimes governamentais autoritários, que vetavam de diferentes formas a participação da população que ficava à margem dos acontecimentos, apenas assistindo à movimentação dentro do cenário político e, muitas vezes até, assistindo a verdadeiras barbáries como fraudes, corrupção e assaltos aos cofres públicos. Isso sem falar nas ações promovidas pelo Estado que prejudicam a população como a elevação dos impostos, dos juros e o aumento de exigências constantes para se conseguir uma aposentadoria.

2.2.3 A Ausência de uma Cultura Cívica fortalecida e de uma Base Liberal na Estrutura