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CAPÍTULO 2 – A REDEMOCRATIZAÇÃO DE 1988 NO BRASIL E AS

2.2 A TENTATIVA DE INSTITUIR A DEMOCRACIA SOBRE A CULTURA

2.2.3 A Ausência de uma Cultura Cívica fortalecida e de uma Base Liberal na

A sociedade brasileira, comparada à de outros países, tem uma baixa identificação com os símbolos do Estado, não conseguindo assim construir uma cultura cívica forte. Este fato pode ser atribuído ao baixo nível de escolaridade da população e ao distanciamento que por muito tempo esteve permeando as relações entre Estado e Sociedade.

Esse quadro apresenta-se desta forma justamente pelo longo período que a população foi colocada à margem quanto ao trato das questões públicas e, talvez, possa se dizer que inclusive isto se torna fato gerador da redução do sentimento patriótico e de um afastamento e diminuição quanto às relações de afeto da população pelo país.

A partir dessa pouca identificação com o Estado desenvolve-se uma cultura de falta de respeito e burla generalizada às leis.69

Talvez pudéssemos ter uma democracia diferente se o modelo democrático antes de ser instituído tivesse feito parte do cotidiano das pessoas, se o sistema tivesse sido internalizado pelos cidadãos por um longo e sólido processo de socialização política, pois teoricamente o capitalismo e a democracia se desenvolvem junto com o modelo liberal, o que difere do que foi o nosso passado político.

Para Duarte (2006),

O liberalismo é uma corrente política que abrange diversas ideologias históricas e presentes, que proclama como devendo ser o único objetivo do governo a preservação da liberdade individual. Tipicamente, o liberalismo favorece também o direito à discordância dos credos ortodoxos e das autoridades estabelecidas em termos políticos ou religiosos. Neste aspecto é o oposto do conservadorismo. A palavra "liberal" deriva do Latino "liber" ("livre") e os liberais, de todas as correntes, tendem a ver-se a si mesmos como os amigos da liberdade, particularmente liberdade relativamente às amarras da tradição. As origens do liberalismo na era do Iluminismo colocam esta filosofia em contraste com o feudalismo e o mercantilismo. Posteriormente, à medida que filosofias mais radicais se articulavam no decurso da Revolução Francesa e através do século XIX, o liberalismo definiu-se também em contraste com o socialismo e o comunismo, se bem que alguns aderentes do liberalismo (os liberais sociais) simpatizem com alguns dos objetivos e métodos da democracia social.70

O sentido de liberalismo pensado neste trabalho não é o liberalismo defendido por algumas correntes como, por exemplo, a de Adam Smith e de John Stuart Mill.

Smith defendia o intervencionismo mínimo do estado na economia e a livre concorrência dos privados, proporcionando um mercado livre. A corrente liberal para ele estava inteiramente ligada à economia propriamente dita. Já o liberalismo de John Stuart Mill se insere dentro da corrente do liberalismo social, porque se preocupa com o fato de o estado fornecer oportunidades e bem-estar aos indivíduos componentes de sua nação.

69

Ver em SORJ, Bernardo. A nova sociedade brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

70

Ver artigos sobre o liberalismo no portal Liberal-Social que fala sobre a origem do liberalismo no mundo, as diferentes correntes e a concepção sob a visão de vários filósofos liberais. A citação acima foi retirada do artigo escrito por DUARTE, Miguel. O que é Liberalismo? Disponível em:< http://www.liberal- social.org/liberalismo>. Acesso em: 16 fev. 2006.

O liberalismo pensado neste trabalho, quando se fala em política e democratização, é aquele que prevê um estado liberal capaz de fornecer mobilidade a sua nação, no sentido de uma ampliação do seu potencial participativo na esfera pública, de poder opinar, de ouvir e ser ouvido, de debater, influenciar e até modificar o que não está adequado se preciso for. Quando se fala aqui na importância de ter uma base liberal, quer dizer ter uma tradição, um costume, uma cultura que permita abertura por parte do estado em deixar com que as pessoas levem os problemas políticos, econômicos e sociais ao debate.

Com o modelo liberal fazendo parte da vida da nação, a população já se acostumaria a conviver com essas práticas de governo. Haveria, desta forma, uma passagem gradativa, que daria tempo suficiente para politizar e adaptar a população a um novo modelo de governo.

Segundo Baquero (1998, p.34), aqui no Brasil o capitalismo surge sem a formação de uma base social, econômica e ideológica de cunho liberal, pois ela é um meio utilizado na resolução dos problemas políticos. E, dessa forma, é natural que no Brasil exista uma maior dificuldade de democratização, pois não existe uma base sólida, um terreno que fosse propício, que tivesse sido preparado para instaurar a democracia.

A democracia, como afirma Bobbio (1986, p.61), não pode ser vista somente como um conjunto de regras e procedimentos, mas depende também de uma postura que seja adequada por parte da população e dos políticos, em exercício diário, agregada aos costumes, a valores, ou seja, antes de tudo uma opção social.

Existe uma aparente relação de causalidade entre a democracia e a cultura política, demonstrando a necessidade de existir uma cultura cívica, uma maior identificação e aproximação da população com os símbolos da pátria. Há a necessidade de que essas crenças e valores subjetivos sejam incorporados pela população como forma de conhecimento e de ampliação do sentimento patriótico, estimulando a atenção, o zelo da população pelas questões de interesse público. Quando falamos em cultura cívica não estamos nos referindo a

uma aproximação para promover a manipulação humana ou uma espécie de lavagem cerebral, algo parecido com o que foi feito intencionalmente no período da ditadura em que disciplinas como OSPB (Organização Social e Política do Brasil) e EMC (Educação Moral e Cívica) marcaram o currículo escolar das crianças e jovens naquele período histórico.

Essas disciplinas faziam parte do currículo escolar e cursá-las era obrigatório. Embora tenham sido instituídas no período militar e fossem vistas por muitos de maneira negativa, tinham também o seu lado positivo. Elas estudavam o significado dos hinos, tratavam da história política do país, da composição dos cargos no governo, da função e atividades inerentes a cada cargo público; ainda forneciam formação cívica, educavam para a cidadania e levava estudantes a fabricarem suas próprias reflexões e convicções.

O uso de tais disciplinas no currículo escolar despertou muitas críticas por parte da classe de educadores, sociólogos e filósofos, por ser vista como um meio usado na promoção da manipulação humana em favor da ditadura.

No entanto, o estudo obrigatório de tais disciplinas, despertava a cidadania, o senso crítico e uma maior observação em relação ao cenário nacional. Hoje, como vivemos num regime democrático que difere do que foi o nosso passado, poder-se-ia perfeitamente executá- las de maneira mais leve, sem os ditames da ditadura.

Talvez, fosse possível planejar a criação de uma disciplina alternativa, sem a exaltação nem tampouco a bajulação da autoridade, com a finalidade de promover a educação ética e moral das pessoas em idade escolar, a fim de evitar a alienação e o desenvolvimento de uma maior capacidade crítica, interesse e patriotismo, para que os alunos, no caso, tenham liberdade de pensar e agir e possam refletir por eles mesmos sem se deixar influenciar apenas pelas informações que compram prontas de um amigo, familiar ou através da mídia.

Em recente Congresso de Direito Político, na cidade de Curitiba, alguns estudiosos defendiam estas disciplinas, dizendo que no período da ditadura, embora de forma

inconsciente, os militares estavam preparando, formando verdadeiros cidadãos e despertando o espírito da cidadania e que mesmo não sendo este seu intuito real, eles estavam favorecendo a formação de cidadãos e a própria democracia.

Dizia Gonçalves (2004),71

A educação moral e cívica foi importante, pois educava justamente no contrapé do período da ditadura, educava sim, cívica e moralmente em direção ao sentido democrático. Se não dermos educação política aos jovens e noção de deveres com a sociedade, este jovem se limitará à pequena política e não à grande política onde se debatem e resolvem de fato questões que são inerentes à mesma. (informação verbal).

A ditadura deixou muita marca negativa na lembrança dos brasileiros e, como as expectativas políticas são o produto das experiências históricas, as expectativas pós-ditadura eram de que se democratizasse o país. Os problemas que estavam por vir relacionavam-se às dificuldades que se encontrariam na ruptura com antigas formas e costumes agregados a personalidades de muitos brasileiros e da classe política.

Hoje, traçando um olhar sobre o passado, pode-se dizer que entramos em um processo evolutivo deste 1988 com a nova Constituição, instituída com o intuito de garantir novos direitos.

Foi a partir deste ponto que o Brasil começou a trilhar um caminho em busca da interação entre sujeitos sociais e políticos e de uma reaproximação do público com seu país. Aliás, o aumento de movimentos sociais, na década 70, vem para sinalizar a desejabilidade de um modelo governamental diferente.

As demonstrações públicas em forma de movimento social começam a surgir com o intuito de defesa e de uma mudança de atitude e comportamento referentes a questões

71

A palestrante citada é a Professora Doutora Maria Dativa de Salles Gonçalves, da Universidade Federal do Paraná em sua apresentação sobre “Educação Política no Brasil: os caminhos para democracia real,” em 21 de Abril de 2004, Congresso Brasileiro de Direito Político no Canal da Música em Curitiba – Pr.

distintas, como o racismo, a violência contra mulheres e crianças, a homossexualidade, a liberdade política, dentre outras.

Parece que emerge de repente uma necessidade por parte da população de se afirmar como cidadã, como uma parte que compõe e se insere no todo político.