• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 – CULTURA POLÍTICA E PROCESSOS ELEITORAIS: O

1.3 A ESTRUTURA BRASILEIRA FORMADA DENTRO DO PERÍODO

1.3.2 A Formação da Sociedade Brasileira

Alguns autores, como Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e o próprio Caio Prado Junior, dão como inexistente a formação de uma sociedade organizada no Brasil e defendem a ocorrência aqui de uma distribuição populacional em cima de um território virgem.

A população foi composta por três raças (índios, negros e portugueses), entre as quais não existiam relações chamadas de “sociais”, ou seja, não havia uma convivência amigável, respeitosa, com um tratamento igualitário, em um espaço social comum. A ligação existente era de caráter material, econômico, e de trabalho, em que os escravos (índio e depois o negro) serviram apenas para angariar benefícios para o seu senhor e para Portugal.

No entanto, o autor Gilberto Freyre, em seu livro Casa-Grande & Senzala, afirma ter existido, sim o início de uma formação social e de relações sociais naquela época, já que os portugueses desembarcavam aqui no Brasil sozinhos (esposa e filhos ficavam na Europa) e passavam a interagir sexualmente com as raças que aqui encontraram.

O autor atribui primeiramente às índias que aqui residiam e futuramente às negras, um papel fundamental para a formação social brasileira, pois foi com essas mulheres negras e indígenas que se iniciou de fato a miscigenação dessas raças com o português que chegava. Esses relacionamentos sexuais vêm a formar o que seria o próprio povo brasileiro e o desenvolvimento da nossa sociedade: Freyre (2002, p.367) afirma que “todo brasileiro, mesmo o alvo de cabelo louro traz na alma, quando não na alma e no corpo, a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena e ou do negro.”

15

Sobre a abertura de mercados, a economia atualmente globalizada e o lado obscuro do desenvolvimento econômico no mundo, consultar a obra de Celso Furtado, “O Mito do Desenvolvimento Econômico”.

Freyre, neste sentido, ainda completa que o período de escravidão no Brasil foi mais leve, menos violento que em todas as outras colônias da América, justamente por essa aproximação entre as índias, as negras com os portugueses, que serviram para promover um vínculo maior com seus senhores.16

Com respeito à exploração sexual das índias e negras pelos portugueses, diz Freyre (2002, p.17):

Pelo intercurso com mulheres índias ou negras multiplicou-se o colonizador em vigorosa e dúctil população mestiça, ainda mais adaptável do que ele puro ao clima tropical. A falta de gente, que o afligia mais do que qualquer outro colonizador, forçou-o à imediata miscigenação.

Prado Junior (1994, p.273-276) também corrobora este aspecto ao falar da aproximação das escravas com os senhores através do trabalho doméstico, que para ele foi responsável por uma relação escravista mais amena e próxima que em outras colônias da América, em particular as francesas e as inglesas, e que essas relações seriam predecessoras do patrimonialismo e do patriarcalismo.17 Tanto um como outro fazem parte do emergir da nossa sociedade e merecem algumas colocações a respeito do seu lugar na história e da influência que exerceram sobre os comportamentos de atores políticos que figuraram na política do país.

Com respeito ao patrimonialismo, o autor Simon Schwartzman (2003, p.203-207), que segue uma linha marxista, traça um paralelo entre a sociedade brasileira e o feudalismo europeu. E embora num primeiro momento pareça ser uma comparação descabida pelo fato

16

Sobre esse ponto Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala mostra que, apesar da importância dessa interação, o que houve no Brasil foi uma degradação das raças atrasadas pelo domínio das adiantadas, os índios foram submetidos ao cativeiro e a prostituição, assim como, a relação entre brancos e mulheres de cor foi de vencedores e vencidos.

17

Sobre o patriarcalismo, o autor diz que “é a célula orgânica da sociedade colonial,” onde o chefe do clã era visto como um protetor, quase como um pai. Era algo específico da nossa organização, era do regime econômico que o mesmo brotava, da exploração e das riquezas coloniais que são acumuladas pelos senhores e suas famílias. O Senhor rural é quem tinha influência, poder político e um domínio vasto. Ibid., PRADO JUNIOR, p.287 – 288.

de não ter havido feudalismo no Brasil, as considerações dele são, no mínimo, curiosas e interessantes. Para o autor,

O Brasil havia sido em sua origem, uma sociedade rural, “semifeudal”, que ainda não havia conseguido criar uma burguesia nacional capaz de desenvolver a economia do país, criando um capitalismo moderno que trouxesse consigo uma classe operária também moderna, que eventualmente implantasse no país o socialismo. Na luta entre o latifúndio tradicional e a burguesia moderna, no contexto da Guerra Fria, o latifúndio seria um aliado do imperialismo, mantendo o país dominado e subdesenvolvido, incapaz de ser superado por uma burguesia nacional que não se assumia, um proletariado incipiente e um campesinato subjugado. Tudo deveria acontecer e se explicar pela luta de classes. O Estado, não seria mais do que o executor e defensor dos interesses das classes dominantes. O problema no Brasil, era que as classes nunca se organizavam nem agiam como deveriam...

Realmente é estranho ouvirmos falar de feudalismo no Brasil, somente pelo fato de termos tido uma sociedade essencialmente agrária durante um longo período de tempo. O feudalismo é um modo de produção típico da Idade Média e que predominou na Europa, onde as relações eram também de servidão, mas o diferencial está no fato de que o suserano cedia pedaço das suas terras, chamados de feudos, aos seus vassalos que eram os responsáveis pela produção material dos suseranos e que, além disso, pagavam impostos por estarem habitando suas terras. Faziam isso em troca de um lugar para morar e de proteção contra outros invasores.

Aqui no Brasil o sistema econômico de produção era baseado nas grandes propriedades, nos latifúndios, no escravismo puro e simples, no mando político de Portugal e dos senhores, o que mais tarde emoldurou o que chamamos de coronelismo.

O autor Raymundo Faoro, em sua obra “Os Donos do Poder,” conclui que o Estado português possuía uma matriz patrimonial que molda o Brasil a seu modo. Ele discorda de Schwartzman que coloca o país numa posição através da qual se possa compará-lo com o feudalismo.

Estado patrimonial, portanto, e não feudal, o de Portugal medievo. Estado patrimonial já com direção pré-traçada, afeiçoado pelo direito romano, bebido na tradição e nas fontes eclesiásticas, renovados com os juristas filhos da Escola de

Bolonha. A velha lição de Machiavel, que reconhece dois tipos de principado, o feudal e o patrimonial, visto, o último nas suas relações com o quadro administrativo, não perdeu o relevo e significação. Na monarquia patrimonial, o rei se eleva sobre todos os súditos, senhor da riqueza territorial, dono do comércio – o rei tem um dominus, um titular da riqueza eminente e perpétua, capaz de gerir a economia como se fosse empresa sua. O sistema patrimonial, ao contrario dos direitos, privilégios e obrigações fixamente determinados do feudalismo prende os servidores numa rede patriarcal, na qual eles representam a extensão da casa do soberano. (FAORO,1979, p.25)

Faoro deixa clara a sua posição contrária em relação ao feudalismo no Brasil e demonstra a incompatibilidade do regime com o sistema político vivido como colônia de Portugal, ao afirmar que o patrimonialismo, realmente, marca o início da formação da sociedade brasileira e dos costumes em relação à esfera política.

É inegável a formação patrimonialista, como também o é a importância da participação dos negros e índios na formação cultural do povo brasileiro. Está aí a nascente da nossa sociedade e da população brasileira - uma população que conviveu com a violência, o preconceito e acostumada sempre ao mando e aos caprichos dos mais poderosos.