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A possibilidade de experienciar o mundo como habitat comum a todos

0. Introdução e justificação do trabalho

1.4. Pontos de chegada sobre a possibilidade de conhecer a vida como (con)texto

2.1.1 A possibilidade de experienciar o mundo como habitat comum a todos

Importa aqui compreender quais as condições que garantem a auto-descoberta dos indivíduos como parte e participantes na ordem social instaurada pela Modernidade, enquanto dinâmica de consenso ou de conflito, "animada" por sujeitos individuais e colectivos mais ou menos comprometidos na relação com o Estado, do qual se espera que substitua ou, pelo menos, subordine a ordem social estabelecida pela linhagem ou pela origem social de indivíduos ligados assimetricamente por laços de pertença e de comunhão que constituem as comunidades.

O projecto consistia em restabelecer a igualdade de condição social pela instituição de trocas sociais, instrumentalmente racionalizadas, que assegurariam a formação da sociedade moderna.

Parece que um dos aspectos importantes a considerar é a tendência actual de naturalizarmos esta vinculação formal dos indivíduos ao Estado, pressupondo que bastará conferir a identidade de cidadão ou cidadã aos indivíduo nascidos em qualquer contexto ou grupo social e cultural para que estes possam exercer igualitariamente os direitos e obrigações civis, sociais e culturais instituídos. Tendemos a presumir que o Estado-Nação pode ser reconhecido e investido espontânea e independentemente das condições materiais e sociais de existência individual ou colectiva, como entidade transcendente e responsável pelo cumprimento do mínimo ético estabelecido em dado momento histórico ou em dada organização social.

Como se todos, uniformemente, tivessem, em algum momento, experienciado e reflectido sobre o sentido e os pressupostos das políticas de reconhecimento e também de redistribuição social que lhes cabe assegurar, para restituir a igualdade que não é dada pela posição social em que se ingressa no mundo social em modernização. Torna- se importante reconhecer que as oportunidades de apropriação deste sentido comum de identidade nacional, vivida no quotidiano do local na relação com agentes e organizações promovidas ou reguladas pelo Estado, não são as mesmas para todos os

sujeitos e grupos sociais.

Estas circunstâncias produzem diferenças de significação, de proximidade e mesmo de lealdade entre os indivíduos e o Estado. Os direitos de cidadania podem não chegar a passar de figuras de retórica de um universo político que é experienciado como alheio e não como contraparte de obrigações sociais vividas efectivamente como luta pela sobrevivência quotidiana.

Embora imersos numa cultura comum, alguns grupos podem manter uma relação de estranheza com a narrativa da cidadania construída como participação no progresso no controle da natureza e na melhoria das condições de vida material e social, que corresponderia à consagração de uma razão universal, que se espera que oriente a vida prática de todos os cidadãos e cidadãs. Torna-se, assim, necessário reconhecer que a racionalidade instrumental da modernidade foi reificada pela burocratização do mundo da vida de alguns sectores sociais que tiveram condições para incorporar este "espírito de corpo social", ou seja, os princípios de visão e de divisão do mundo social que habitam e pelo qual foram sendo habitados.

Parece importante compreender em que medida esta experiência de imersão e cometimento com o mundo definiria a auto-identificação desta mulher como cidadã a partir de uma posição e em condições históricas e materiais de existência, caracterizáveis pela contingência e expropriação do seu poder de decidir sobre o próprio destino.

O que nos interessa saber é em que momento e circunstâncias pode ter ela acedido às redes sociais e simbólicas que são instituídas por esta filosofia, que se difunde como ideologia, ou seja, como "expressão auto-discursiva de um interesse de classe" (Morrow; 1994), neste caso, do Governo do Estado, imaginado na sua interdependência com o Mercado e a Comunidade. Importa saber como é que as instituições de massa interferiram nos contextos de educação informal enquanto prática quotidiana epraxis social dos sujeitos e dos grupos.

Gostaríamos de esclarecer em que medida a simples exposição a esta cultura de cidadania, que também podemos qualificar como ideologia social, contribui para a

produção de consentimento ao poder de ingerência, que diferentes agentes sociais, investidos de poder simbólico pelo Estado ou pela Comunidade, exercem na esfera da vida pública e privada de grupos subalternos.

Por outro lado, seria interessante saber também se esta cultura poderá ser apropriada como fonte de poder simbólico na resistência e na luta contra a arbitrariedade cultural que legitima a dominação em diferentes campos sociais.

Em que medida podemos admitir que este alheamento (produzido estruturalmente) dos sujeitos relativamente ao sentido da sua existência institucional-societária como cidadãs ou cidadãos, poderá ser justificado pela sua expropriação de poder sobre um futuro vivido como tempo que não lhe pertence objectivamente?

Terão alguns grupos a possibilidade de participar activamente na racionalização dos meios da sua acção em termos de finalidades, que só funcionalmente podem ser apropriadas como suas?

No entanto, parece-nos também fundamental situarmo-nos agora na grande escala de representação e de leitura da realidade social, onde os actores sociais concretos agem e interagem nos contextos físicos e sociais que actualizam os papéis sociais, que são legitimados pelo universo simbólico produzido pela relação com o Estado enquanto entidade transcendente.

Parece-nos razoável admitir que, em alguns momentos ou campos sociais, a "lógica" dominante das relações pode ser a expressão de afectos e subjectividades, ou seja, a racionalidade estético-expressiva ou ainda a lógica orientada para o compromisso com o bem comum, ou seja, a racionalidade moral-prática, como base de pensamento e de acção social.

Actualmente, a hegemonia da racionalidade instrumental é considerada como um dos excessos da modernidade, resultante da força das relações estruturadas pelo Mercado sobre as que são estruturadas pelo Estado e da relação entre ambas sobre as relações definidas como expressão de pertença e comunhão a comunidades locais, reais ou imaginárias.

baseado na ideologia de modernização económica, produzida na interdependência entre o estado Liberal e o Mercado, sobre o pilar da emancipação que radica e ainda actualiza os fundamentos da narrativa da Modernidade, como Projecto sócio-cultural a construir pelo equilíbrio dos três tipos de racionalidade: cognitiva-instrumental, estético-expressiva e moral-prática.

Importa então saber se a própria condição de precariedade e de dependência de condições quotidianas de sobrevivência e inclusão social vivida pelos grupos mais vulneráveis à exclusão das redes ou espaços locais, tecidos por relações comunitárias, não implicarão um outro desequilíbrio. Neste caso, podemos considerar que a dominância da racionalidade estético-expressiva ou moral-prática, tem que compensar a impossibilidade de participar na racionalização instrumental da sua própria força de trabalho ou da sua acção social na esfera pública e privada.

Parece-nos importante apreender efeitos deste outro desequilíbrio na manutenção de assimetrias sociais alimentadas nas relações locais de base comunitária.

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