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O redimensionamento dos fenómenos sociais e da sua representação

0. Introdução e justificação do trabalho

7.7.5 O redimensionamento dos fenómenos sociais e da sua representação

Um dos recursos práticos de que nos apropriámos como meio de construção de possibilidades de conhecimento, foi a metáfora dos mapas, explorada no trabalho de Sousa Santos (1988; 1999) que nos permitiu compreender a diferença do conhecimento que é construído pelo contacto e observação directa dos fenómenos e dos actores sociais e/ou pela objectivação dos mecanismos e processos que estruturam as relações nos diversos campos sociais.

Ao analisar as virtualidades teóricas e analíticas da cartografia simbólica, Sousa Santos apresentou-nos a possibilidade de não termos que prescindir do nosso lugar de sujeito empírico, em nome da nossa construção como epistémico, para aceder a uma representação complexa e diferenciada da sociedade, como forma de organização da vida social complexa.

O que o autor nos dá a saber é que na prática social, os fenómenos que reconhecemos como característicos de diferentes escalas de análise, não existem isolados, mas antes convergem e interagem de diferentes maneiras na mesma acção social e que a sociedade é constituída pela operação simultânea e em diferentes

No desenvolvimento da cartografia simbólica do direito o autor pôs em evidência que, na pratica social, as diferentes escalas jurídicas não existem isoladas e apesar da prática social ser atravessada por formas de direito local e informais, não oficiais e mais ou menos costumeiros, as formas jurídicas que são visíveis à escala

escalas, de diferentes formas de prática social, em nome do aprofundamento do nosso conhecimento sobre a realidade social vivida e construída pelos sujeitos.

No entanto, e talvez para salvaguardar o risco de um relativismo espontâneo, o autor argumenta que o facto da prática social ser atravessada por formas de direito locais informais, não oficiais e mais ou menos costumeiros, não evita que o comportamento dos diferentes tipos de agentes que actuam nestes espaços, seja regulado por regras e relações contratuais estabelecidas a partir de práticas ou de agentes dominantes.

Pensamos que é importante revisitar aqui o modo como esta forma de imaginar a realidade social é construída, através de um processo controlado que distorce o que é experimentado e objectivado a partir de posições diferentes, mas que não é neutro, na medida em que implica decisões que não são meramente técnicas, atendendo, por isso, aos interesses e à ideologia de quem os solicita e/ou produz .

O autor descreveu-nos os três mecanismos de distorção controlada da realidade a objectivar - a escala, a projecção e a simbolização - chamando a nossa atenção para o facto de que, apesar da dimensão e do rigor técnico serem muito importantes e evidentes no trabalho de produção dos mapas, este processo de representação de elementos em relação, num dado terreno (neste caso social e simbólico), não é neutro.

Na verdade, a visualização, a leitura e a orientação que nos é dada por qualquer mapa, baseia-se numa série de decisões que são ideologicamente informadas. São estas decisões que irão definir a distância e a posição relativa dos elementos situados num terreno, a relação entre eles e destes com os "acidentes" deste mesmo campo. Estas posições e relações serão definidas por um trabalho de selecção dos detalhes ou características que o cartógrafo reconhece como mais significativos e relevantes do campo representado e que produzem a visibilidade de diferentes redes de factos e de diferentes padrões de relação.

nacional, situam-se no quadro de uma rede mais ampla de factos económicos políticos e sociais, enquanto as formas jurídicas geradas à escala local só são visíveis quando há conflito que põem em causa a continuidade das relações sociais. Refere que, estes mesmos conflitos relevantes na escala local, de direito que na escala nacional

Por outro lado, é importante reter que a mudança de escala é qualitativa e não apenas quantitativa, pelo que o fenómeno só pode ser representado numa escala. Neste sentido, devemo-nos manter alerta para os erros que podem resultar do não reconhecimento da escala em que o fenómeno é contraído e analisado e que seria um outro fenómeno se analisado em outra escala de projecção.

Quanto ao que é dado a "conhecer" pelos mapas cognitivos da realidade social, Santos (1988; 1999) refere que a representação do mesmo conjunto de factos ou de relações objectivas que configuram uma dada realidade social, se for operada em grande escala, resultará uma imagem mental cheia de detalhes, rica de descrições pormenorizadas e viva de comportamentos e atitudes em que os sujeitos implicados têm visibilidade. No entanto, estes mesmos elementos, projectados numa pequena escala, constituirão apenas sinais discretos de acidentes mínimos do terreno em que se situam. Em compensação, são estes sinais que nos poderão fornecer as referências gerais e abstractas que determinam com rigor a relatividade das posições, ou seja, os ângulos entre as pessoas, entre pessoas e coisas e a complementaridade de escalas. Trata-se de uma representação que é especialmente sensível às distorções entre parte e todo, passado e presente, funcional e disfuncional. A representação em grande escala, por sua vez, é mais adequada à identidade de posições, necessariamente mais particularistas.

No entanto, há ainda outros dois mecanismos de distorção da realidade (miniaturização) que tornam os mapas cognitivos manipuláveis e ricos na informação armazenada - "mecanismo de projecção" e "mecanismo da simbolização".

É através do "mecanismo de projecção" que se delimitam os contornos dos fenómenos e que se organiza o interior dos mesmos em subespaços, cujos ângulos, formas e direcções definem o que deve ser entendido como centro e periferia da realidade representada. Dado que o centro dos mapas mentais tende a reflectir relações de familiaridade e vizinhança, tendemos a considerar como universal o que mais não é constituem pormenores minúsculos, que não merecem ser assinalados, no quadro das relações económicas (cf Santos; 1988)

do que uma concepção própria da realidade social, definida a partir de uma posição no campo social visado. Isto explica a razão por que a subjectividade das acções sociais pode ser tomada como ponto central na análise de um dado fenómeno social, da mesma forma que o podem ser as características objectivas e gerais das acções sociais.

Por outro lado, a representação cognitiva da realidade, constrói-se também por decisões relativas à simbolização, aos sinais com que se sinalizam os fenómenos e outros elementos seleccionados como característicos de um dado território ou realidade especial. Santos refere que a representação da realidade varia conforme o contexto de produção e os usos específicos a que o mapa se destina, podendo ser mais figurativa ou abstracta, mais emotiva e experiencial ou mais referencial e cognitiva.

Assim, a acção social e os acontecimentos, tanto podem ser dados a conhecer através de descrições formais e abstractas, o que garante um significado inequívoco, explicitamente "indicado" pelo uso de sinais mais ou menos uniformes, que imprimem uma determinada racionalidade ao fluxo contínuo da acção social, como pode também acontecer que a descontinuidade da acção social e dos acontecimentos na interacção social, sejam integrados nos contextos complexos em que ocorrem adquirindo assim a forma de devir histórico. Neste último caso, a representação da realidade será construída como descrição sensível de pessoas humanas onde os não ditos, as palavras de fundo e a ambiguidade de sentidos, irão salientar alguns aspectos observados, recorrendo a conceitos, temas figurativos e sinais icónicos, emotivos e expressivos (cf. Sousa Santos; 1988, 1999).

O discernimento das escalas em que os fenómenos sociais são projectados e da linguagem que os simboliza tornou-se, assim, um instrumento de trabalho, na construção de possibilidade de conhecimento que nos desafia a superar os limites de visibilidade e de interpretação gerados pela nossa implicação, sem ter que recusar a validade de outros conhecimentos adquiridos através da experiência imediata dos fenómenos e de relações que só podem ser reconhecidos através dos mapas cognitivos que privilegiem a projecção em grande escala e o modo de simbolização que Sousa Santos (1999) caracteriza como "estilo bíblico", por oposição ao "estilo homérico".

Esta possibilidade de discernimento das escalas e formas de simbolização que constituem as representações sobre a realidade social, parece fundamental para reconhecer que a opção entre paradigmas teóricos é mais do que uma simples opção pela linguagem quantitativa ou qualitativa como meios de representar fenómenos macro ou micro sociais. Os mapas não contêm apenas esquemas de pensamento, contêm e reproduzem significados que tornam "verdadeiros" ou válidos modelos específicos de relação entre factos e pessoas e que não são meros sinais a utilizar para produzir evidências ou demonstrar relações constantes entre fenómenos.

Optar por paradigmas, metateorias e teorias sociais é, assim, confrontarmo-nos com mapas que nos fornecem referentes de leituras dos fenómenos sociais, que pressupõem a selecção dos detalhes que criam a relevância de redes de factos e significados e dos padrões sociais que nos dão a estimativa da distância e a relação entre posições sociais. Pressupõe também a opção pela centralidade ou pelo carácter periférico da subjectividade ou condições estruturais que justificam a oposição de interesses e a diferença de condições com que cada grupo participa na luta pelos recursos materiais e simbólicos que definem a sua posição nos diversos campos sociais.

1.2. Da redefinição de ângulos de visão à construção de quadros de (re)

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