• Nenhum resultado encontrado

O poder da Educação na definição e oficialização de "uma cultura"

0. Introdução e justificação do trabalho

2.2. Para 1er a experiência de quem é habitada pelo mundo social que habita

2.3.5 O poder da Educação na definição e oficialização de "uma cultura"

Quando reflectimos sobre o investimento do Estado na Educação tomamos consciência do seu poder performativo das ideias, das relações e das práticas sociais dos sujeitos individuais e colectivos e que os grupos dominantes procuraram gerir em seu favor nos momentos de transição na morfologia social.

Neste contexto a Educação tem vindo a ser mandatada na distribuição de saberes e na formação de disposições que promovam a desvalorização da tradição e da moral (heterónoma) que dela decorria, o desempenho de novos papéis sociais legitimados por valores que promovem a "autorização" do Estado, como instancia responsável oela racionalização instrumental da vida social, que promove e acredita os saberes periciais e a ordem burocrática que desafiam os sujeitos a iniciativa autónoma, num momento em que as estruturas básicas de protecção e de integração social tendem a ser privatizadas, perdendo a sua universalidade como bem público.

A tomada de consciência desta relação de cumplicidade tácita entre Mercado, Sociedade e Educação, que faz coincidir os protagonistas das decisões na área da politica económica e na área das politicas educativas, nos remete para a reflexão sobre os conteúdos simbólicos que o sistema educativo consagra e transmite como saberes sociais.

Apple,M ( ) considera que é fundamental questionarmo-nos sobre o que a educação faz num contexto social mais ampo e quem beneficia do que a educação faz. Neste sentido o autor nos dá alguns indicativos do que podem ser as respostas a estas questões, que tornam evidenes a relação entre política estrutural, política do capital humano, política de capital cultural e políticas de substituição deste mesmo capital.

É no espaço da relação entre estas esferas de acção política que a educação tem participado não só na formação de um corpo de funcionários estratificado e parcialmente socializado, como também na produção de ideologias sociais e culturais que produzem "a crença de que as principais instituições da nossa sociedade são igualmente responsivas a todos independentemente da raça, classe e sexo, de modo a que o sistema social pareça natural e justo, enquanto os grupos se demarcam uns dos outros e a autoridade política se auto-legitima para obter o consentimento dos governados" (cf Apple; )

Mas a participação da Educação na relação entre Sociedade, aqui referida ao Estado e também ao Mercado, não se confina à manutenção do regime de acumulação e à sua legitimação . Segundo Apple, a Educação participa também na elevação dos níveis de conhecimento técnico administrativo que facilita a expansão dos mercados, a criação e estimulação artificais de novas necessidades de consumo, o controlo e divisão do trabalho, as inovações comunicativas e técnicas para manter uma acção de mercado ou para aumentar as margens de lucro e controlo cultural. A educação é assim e segundo o autor, um espaço de produção de conhecimento tecnicamente utilizável, económica e ideologicamente úteis, constituindo-se como lugar de reprodução da cultura e das formas ideológicas dos grupos dominantes. Esta circunstância nos deve advertir para o risco de separar as questões políticas mais amplas das questões educacionais, na medida em que a escola realmente organiza e transmite recursos simbólicos que consistem no capital cultural de grupos específicos e que visam recriar relações de domínio e de subordinação.

No entanto refere Apple, apesar das ideologias tecnicistas transformarem a questão sobre "o que ?" da educação em "como ? " , existe uma dinâmica cultural parcialmente autónoma nas escolas que não é pode ser reduzida aos resultados e pressões do processo de acumulação do capital e a escola pode ser um local de produção de práticas culturais

que enfatizam a orientação comportamental ser dominante, justificar redução do conhecimento a K atomistas; redução da esfera cultural ( do discurso democrático e dos acordos partilhados) a aplicação de procedimentos e regras técnicas

alternativas o/ou opostas que não satisfaçam as necessidades de acumulação, legitimação ou produção do Estado ou do capital.

Dado que a hegemonia requer consentimento da maioria dominante da sociedade, ela precisa ser continuamente conquistada numa formação social que é constituída pela totalidade complexa de práticas económicas, políticas e culturais e ideológicas. Existe assim a possibilidade de haver uma desconexão entre economia e ideologia. Nestas circunstâncias a cultura interna da escola pode ser vista como resultado de uma luta continua entre os grupos dominantes e entre estes e os grupos dominados, pelo domínio cultural; luta de que pode ou não perenizar as funções macro estruturais de acumulação do capital e legitimação social. Partindo do princípio que o currículo e as relações diárias nas escolas, são conjunto de práticas ideológicas, Apple considera que se a ideologia e a cultura têm uma autonomia mais real do que aquela que é exigida para a reprodução das relações de produção, então este currículo e estas práticas são muito significativas, tanto teoricamente, quanto como possibilidade de acção(cf Apple).

O autor considera que a ideologia funciona nos materiais culturais - em filmes, texto e romances- na tentativa de iluminar tensões, compromissos e contradições ideológicas. No entanto, não importa conhecer apenas estes materiais culturais, mas também os processos culturais vividos, porque a a subjectividade tem um efeito de auto- criação, de afirmação do ponto de vista ou da concessão da autorização ao conteúdo patente nestes materiais. Quem vai interagir com o conteúdo da educação, em que a ideologia, o conhecimento e as relações sociais estão interrelacionadas, são pessoas reais, com histórias reais e complexas! O que é fundamental é apreender é o efeito de posicionamento das pessoas em relações mais amplas de domínio e exploração, que a pela ideologia tem o poder de operar, incluindo e excluindo, sujeitando-as a uma ordem social pré-existente e qualificando-as como membros desta ordem para a acção e a mudança social.

Apple refere que a ideologia introduz nos conteúdos da educação, elementos produtores de sentido de bem e de mau, que passam a coexistir lado a lado com os pontos de vista e com as acções que mantém o domínio de grupos e classes poderosas.

Assim o conhecimento, as relações sociais e os compromissos ideológicos constituem áreas básicas da vida escolar. Neste sentido qualquer investigação e prática que se pretendam emancipatórias, não podem ignorar a ligação do currículo oculto, com as questões de distribuição, qualidade e controlo do trabalho, no questionamento que deles faz os que transmitem o conhecimento, que vai apoiar uns mais do que outros grupos sociais.

O autor considera que foi a autonomia relativamente às necessidades de produção que permitiu que a escola fizesse trabalho ideológico a favor da hegemonia das classes dominantes, participando na selecção ocupacional e na reprodução de relações entre classes no seu interior. Ao ignorar a relação entre o que acontecia no interior so sistema educativo e as estruturas de domínio e de exploração que vigoravam no seu exterior, a educação participou na produção do consentimento para a hegemonia da classe, género e raça. Este é na sua perspectiva um dos risco de restringir-se a análise das práticas escolares com problemas de aproveitamento individual, escolha profissional e mobilidade, através da perspectiva psicológica e/ou individualista, sem nela integrar a consideração pelos processos de acumulação, de legitimação e de produção de capital cultural. Tal prática pode contribuir para manter a hegemonia ideológica, que tem o poder de "produzir sujeitos" (cf Apple)

Esta perspectiva de Apple propõe desafios, a resolver tanto pela sociologia fenomenológica e pelo interaccionismo simbólico quanto pelos estudos culturalistas, que tendem a não questionar o pressuposto (ideológico) de que a Educação é um empreendimento estável e dominado pelo consenso.

Quanto aos primeiros são desafiados a abandonar a atitude de rejeição pela consideração pela dinâmica de interrelações complexas entre classe, economia e cultura e pelo elemento histórico, quando procuram apreender as estruturas através das quais o sujeitos percebem o mundo, situando-os nos contextos que influenciam a formação e a acção destas estruturas perceptivas. Quanto àos segundos são desafiados a considerar e interrelacionar a cultura como produto ou conjunto de artefactos produzidos para uso, passando a entender a cultura mais como experiência vivida, tal como é produzida

numa interacção contínua,do que como bem. A cultura requer ser reconhecida como um dos terrenos em que se vivem os antagonismos de classe, género e de raça, bem como os compromissos e lutas geradas estruturalmente.

Torna-se assim pertinente questionar o que se ensina realmente, o que se aprende realmente e o que é rejeitado da experiência vivida dos actores sociais, afectando a construção das suas identidades. Empreendimento que requer a utilização das teorias sociais na análise de práticas concretas em instituições concretas e dos processos concretos de estartificação da cultura e das pessoas, operada pela educação (cf Apple).

Outline

Documentos relacionados