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A prevalência da ótica neoliberal

Em várias nações, por força dos processos de privatização de praticamente to- dos os serviços e atividades do setor de Comunicações, o debate sobre o tema tem sido travado a partir dos referenciais teóricos e conceituais da concepção predominante – a neoliberal. De acordo com esse modelo, o Estado deveria fi xar-se numa posição de não-interferência, cuidando apenas de desobstruir o caminho a ser trilhado pelo Setor Privado. Eventualmente, em algumas ques- tões técnicas – como é o caso da atribuição de freqüências –, lhe caberia tam- bém zelar para evitar confl itos que impeçam a operação das empresas. Os pesquisadores norte-americanos David Kelley e Roger Donway explicam que, seguindo essa ótica, o espectro eletromagnético deveria ser defi nido e protegido da mesma maneira que é, por exemplo, a propriedade privada da terra. Dessa forma, conforme defendem os autores, os direitos relacionados ao espectro seriam reconhecidos para uso e controle exclusivo de faixas eletro- magnéticas em áreas geográfi cas delimitadas – o que abriria a possibilidade de compra, venda ou subdivisão do espectro. Na opinião de Kelley e Donway, re- gulamentos e controles governamentais, ao invés de estimularem a integridade profi ssional, fazem uso do medo e, mesmo quando não atuam como a censura, empregam normas arbitrárias e procedimentos burocráticos, em conformida- de com o poder de coerção do Estado.

Em outra vertente, há ainda quem acredite que a regulamentação governa- mental não só fracassa na consecução de seus objetivos, como também produz resultados opostos aos esperados. Empresas e grupos de interesse corrompe- riam agências reguladoras (teoria da captura), usariam seus poderes para ex- cluir competidores e elevar os preços dos serviços, atrasariam propositalmente a introdução de inovações e não corrigiriam suas próprias falhas.

Temáticas centrais para uma adequada cobertura jorna- lística da infra-estrutura do setor das comunicações são totalmente negligenciadas pelos meios noticiosos, revela o estudo Mídia e Políti- cas Públicas de Comunicação. De acordo com o levantamento, questões como pro- cesso de concessões (1,6%) e a renovação ou revogação de concessões (0,6%), além da regulação mais ampla do setor (1,6%) são pontos que recebem uma atenção la- teral no tratamento editorial dispensado ao tema.

A investigação conduzida pela ANDI aponta também que 1,3% dos textos debate temas relacionados às fusões, aquisições e joint ventures – processos que têm caracterizado o setor das Co- municações nos últimos anos. Segundo a pesquisa, 1,4% das matérias estabelece algum tipo de associação com o fenôme- no mais amplo da globalização.

Vale ressaltar que entre os modelos totalmente estatais (a exemplo de pa- íses totalitários) e os totalmente liberais (apenas existentes em um cená- rio imaginário) encontramos inúmeras tentativas de regulamentação das comunicações, com maior ou menor presença do Estado a depender do sistema adotado. Como veremos na seqüência, mesmo nações altamente liberais, como é o caso dos Estados Unidos, adotam regimes regulatórios complexos – os quais, na prática, impõem uma série de limites constitu- cionais e democráticos à atuação das empresas de comunicação.

Como vimos, a ação reguladora por parte do Estado, ao incidir sobre a infra-estrutura e sobre as tecnologias que a ela se relacionam, direciona- se também ao mercado e ao estabelecimento de regras para uma saudável concorrência entre os atores desse setor – aspecto essencial, de acordo com seus adeptos, para o oferecimento de melhores serviços à sociedade. Ironicamente, no campo das Comunicações, o princípio da competição como provocadora de benefício à sociedade é desafiado pela própria ló- gica neoliberal. O pesquisador norte-americano Ben Bagdikian chama a atenção para uma tendência de concentração de propriedade neste setor, marcada pela formação de cadeias e oligopólios. Tal tendência remonta, pelo menos, às últimas décadas do século XX: de acordo com o autor, de 1983 a 1991 diminuiu de 50 para 23 o número de organizações que controlavam a mídia de massa nos Estados Unidos. Já em 2006, Robert McChesney, presidente da organização não-governamental Free Press, aponta para apenas cinco corporações exercendo esse controle.

O professor da UnB Luis Felipe Miguel, em paper produzido para o pre- sente estudo, ressalta a extensão desse processo:

Os conglomerados de empresas de informação e comunicação podem ser analisados a partir de três tendências inter-relacionadas, conforme defi- nem os pesquisadores norte-americanos Joseph Dominick, Barry Sher- man e Gary Copeland, no livro Broadcasting, Cable and Beyond:

MOVIMENTO DE CONCENTRAÇÃO

A tendência à concentração, que é própria de qualquer ramo de atividade na economia capitalista, encontra sua expressão maior na transversalidade, que gera um mercado de mídia restrito a cor- porações globais gigantescas que controlam emissoras de TV de sinal aberto e pagas, emissoras de rádios, editoras de jornais, re- vistas e livros, estúdios de cinema, gravadoras de discos, distribui- doras de home-video, casas de software, provedores de internet... A isto se soma a chamada “convergência tecnológica”, em que se fundem empresas de mídia, indústrias eletrônicas e companhias telefônicas, ou seja, geradores de conteúdo, fornecedores de equipa- mentos e distribuidores de informação. Em suma, cada vez menos firmas produzem as mensagens simbólicas consumidas por bilhões de pessoas em todo o mundo.

1. Integração Vertical – estimulada pela desregulamentação e competição em um crescente mercado mundial, ligando, em um mesmo conglomerado, des- de corporações internacionais até empresas locais.

2. Globalização do Mercado de Informação e Comunicação – com produtos simbólicos marcados por um caráter fortemente internacional.

3. Privatização – caracterizada pela predominância de interesses privados.