• Nenhum resultado encontrado

Diante de tais particularidades, é inegável que o debate sobre o conteúdo, a des- peito dos esforços na direção oposta, acaba por sofrer do que poderíamos cha- mar de uma “síndrome da colcha de retalhos” – ou seja, torna-se muito difícil discutir o tema sem passar por questões das mais diversas ordens e que, em muitos casos, não aparentam ter relação evidente. Assim, não é de estranhar que as próprias refl exões apresentadas nas páginas a seguir acabem por acompanhar, de certa forma, essa mesma lógica.

Em primeiro lugar, procuramos abordar, muito brevemente, o contexto histórico mais geral sobre o debate em torno dos processos regulatórios de conteúdo. Em seguida, apresentamos – baseados em exemplos relacionados, principalmente, à realidade brasileira – algumas das possibilidades de regulação que podem ser levadas a cabo pelo Estado, pelo Setor Privado, pela sociedade civil organizada e pelos próprios indivíduos. Por fi m, na última seção deste capítulo, buscou-se resgatar o histórico dos modelos regulatórios de conteúdo no Brasil.

Um rápido passeio rumo ao passado é especialmente relevante para a discussão sobre a regulação de conteúdo. Por um lado permite acessar um aprendizado importante para a compreensão do contexto atual e também para o desenho das estratégias futuras nessa área. Por outro, traz à tona um alerta central quanto a um risco já citado anteriormente nesta publicação: não raro, a tentativa de regu- lar o conteúdo acaba por desaguar na obscura prática da censura.

A pesquisa realizada pela ANDI com apoio da Funda- ção Ford aponta que 1,5% dos textos discute central- mente a história da comunicação em seus diferentes ângulos. A investigação também retrata que 2,5% do material analisado tece refl exões acerca da ativi- dade jornalística. Em outras palavras, a cobertura que os meios noticiosos pro- movem sobre sua própria atividade ain- da é pouco expressiva. Como veremos, há uma concentração maior nas questões de entretenimento.

Mesmo que já tenhamos destacado em outros momentos as diferenças funda- mentais entre censura e regulação democrática das comunicações, não pode- mos deixar de relembrar que, desde tempos muito remotos, a produção de con- teúdo foi objeto dos mais diferentes tipos de controle, perpetrados por atores igualmente diversificados. Vale ainda recordar que, na maioria das vezes, esses controles – que se estenderam até um passado não tão distante – consistiam em censurar prévia ou posteriormente as mensagens que desagradavam, por razões variadas, aos seus controladores. Tudo isso, em uma clara demonstração da im- portância que sempre foi conferida aos meios de comunicação nas disputas de poder presentes em todas as sociedades.

Conforme já citado no Capítulo 2, a máxima de que conhecimento é poder sem- pre levou, ao longo da história, à existência de um controle estrito do fluxo de informações. No Egito antigo, por exemplo, os escribas eram mantidos muito próximos do imperador, relata o professor da Universidade de Princeton, Paul Starr. Segundo ele, “por medo do poder que outros poderiam adquirir contra elas”, as elites governantes freqüentemente buscaram “manter o conhecimento secreto, limitar a discussão pública, e controlar a religião, educação e a ciência de tal forma a evitar que aqueles envolvidos com essas atividades se apoderas- sem de informações e idéias perigosas”. Nesse contexto, o historiador brasileiro Nelson Werneck Sodré afirma:

Ao comentar como o processo de controle passou a ser intensificado a partir da invenção da imprensa, o professor da Universidade de Cambridge, Peter Burke, relata que muitas das informações discutidas até então eram “altamente sigilo- sas”. Ele completa:

O controle dos meios de difusão de idéias e de informações – que se verifi- ca ao longo do desenvolvimento da imprensa, como um reflexo do desen- volvimento capitalista em que aquele está inserido – é uma luta em que aparecem organizações e pessoas da mais diversa situação social, cultural e política, correspondendo a diferenças de interesses e aspirações. Ao lado des- sas diferenças, e correspondendo ainda à luta pelo referido controle, evolui a legislação reguladora da atividade da imprensa. Mas há, ainda, um traço ostensivo, que comprova a estreita ligação entre o desenvolvimento da im- prensa e o desenvolvimento da sociedade capitalista. (...) A ligação dialética é facilmente perceptível pela constatação da influência que a difusão im- pressa exerce sobre o comportamento das massas e dos indivíduos. O traço consiste na tendência à unidade e à uniformidade. Em que pese tudo o que depende de barreiras nacionais, de barreiras lingüísticas, de barreiras cultu- rais – como a imprensa tem sido governada, em suas operações, pelas regras gerais da ordem capitalista, particularmente em suas técnicas de produção e de circulação –, tudo conduz à uniformidade, pela universalização de valo- res éticos e culturais, como pela padronização do comportamento.

Por essas e outras razões, estava em operação um sistema de controle ou censura. Em Veneza, por exemplo, o acesso aos arquivos era estritamente controlado. O próprio doge não era autorizado a entrar sozinho nos arqui- vos. Só os membros do Senado tinham essa permissão e só membros do Co- legio podiam remover documentos. Para evitar a tentação de ler os papéis sob sua guarda, supunha-se que o zelador do arquivo fosse analfabeto.

Por certo, o sistema mais reconhecido de censura da mídia, àquela altura, foi implantado nos anos 1.500 pela Igreja Católica. O Índex, catálogo de obras proi- bidas, foi utilizado pela Inquisição para condenar muitos “hereges”. A Igreja, en- tretanto, não se constituía em caso isolado. Na Inglaterra, conforme já havíamos ressaltado, os livros somente podiam ser publicados mediante registro prévio e era crime dar publicidade às discussões do Parlamento. Da mesma forma, o governo português proibiu a publicação de mapas que descrevessem a costa da África, temeroso de que suas conquistas fi cassem expostas.

No documento Mídia e políticas públicas de comunicação (páginas 122-124)