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Controle não é censura

Da mesma forma que ocorre em relação ao controle da propriedade e da pos- sibilidade de oligopólios – no sentido de garantir maior diversidade de vozes – há outro elemento que também carece de regulação: os conteúdos veiculados pelos meios. Aqui, é recorrente a confusão entre controle e censura, apesar de filólogos como Antonio Houaiss definirem a palavra “controle” como sinônimo de “regulação” – não por outro motivo, fala-se em “controle social”, “contro- le constitucional”, “controle democrático”. Até mesmo o vocábulo “regulação” – associado ao estabelecimento de regras, leis, regimes institucionais que, se constituídos no bojo de um sistema democrático, não poderiam ser vistos como autoritários – é freqüentemente associado à censura no Brasil de hoje. Regula- ção democrática ou regulação dentro dos princípios do Estado Democrático de Direito são alguns dos pleonasmos utilizados para se deixar claro que o objetivo de determinada política regulatória não é o estabelecimento de uma prática de censura dos meios de comunicação. Essa linha de argumentação também é de- fendida pelo professor de comunicação da USP e da Cásper Líbero, Laurindo Leal Filho, na entrevista da próxima página.

Há, certamente, um componente político-ideológico no uso desses conceitos. A censura da programação televisiva é uma atitude, própria dos regimes de ex- ceção, que visa a impedir a livre circulação de conteúdos que possam atentar contra os interesses do grupo dominante. Em outras palavras, os regimes au- toritários não se valem do expediente da censura para a proteção ou promoção dos direitos humanos de quem quer que seja: a censura é um instrumento de auto-proteção dos atores que a praticam.

Nesse sentido, a regulação de conteúdos que possam contrariar os direitos de crianças, adolescentes, mulheres, grupos religiosos, classes econômicas menos favorecidas, pessoas com deficiência, dentre outras minorias políticas, não pare- ce se encaixar no sentido atribuído à palavra “censura” descrito acima.

Decisões governamentais e judiciais tomadas recentemente no Brasil provoca- ram alarme em diferentes setores quanto à ameaça ao direito à liberdade de expressão e, por complemento, de imprensa. Fatos de alcances e origens diversas foram, com maior ou menor grau de consenso, condenados sob um mesmo argumento: o de que contribuiriam para a restrição das liberdades de expressão e imprensa. Entre eles estão: a tentativa de expulsão de um jornalista estrangei- ro que havia escrito matéria desagradável ao presidente da República; atitudes e normativas de distintos escalões do governo federal para com a imprensa; a proposta de criação de um Conselho Federal de Jornalismo; o projeto de estru- turação de uma Agência Reguladora do Audiovisual; as restrições judiciais a in- formações jornalísticas que desabonavam cidadãos; assassinatos de jornalistas; e a própria decisão de redefinição do modelo de Classificação Indicativa (veja mais sobre Regulação de Conteúdo no Capítulo 3).

Ao analisarmos cada um destes fatos, contudo, fica evidente que a utilização de um mesmo argumento – o da violação dos direitos à liberdade de expressão e imprensa – para condenar a todos eles só pode advir do desconhecimento, ou do uso desvirtuado, dos princípios que constituem tais direitos.

Laurindo Lalo Leal Filho é professor da Universidade de São Paulo e da Fundação Cásper Líbero. É tam- bém autor de vários livros, sendo o mais recente A TV sob controle – A resposta da sociedade ao po- der da televisão.

Na sua opinião, entre os mecanismos de con- trole social dos meios de comunicação, quais são mais efi cazes?

Antes é preciso fazer uma divisão entre meios im- pressos e eletrônicos. Os impressos, embora pres- tem serviço público, trafegam em canais privados, então têm independência. São regulados apenas pela Constituição e pelas leis. Já a radiodifusão ocupa o espaço público, através de concessões or- ganizadas pelo Estado. Aí temos uma necessidade maior de controle social, para o qual não existem mecanismos institucionalizados. Não contamos com nenhuma lei que dê conta disso. Então o que resta é o Ministério Público.

As ações do MP se concentram em que área?

São principalmente sobre o conteúdo. Não há uma questão mais ampla de controle social. Se as con- cessões fossem outorgadas a partir de um projeto de canal, de linha e programação, o Ministério das Comunicações teria como acompanhar a execução deste projeto. É assim que funciona nos países mais democráticos. É um contrato; se não for cumprido, pode ser rescindido. No Brasil, se faz uma confusão neste debate entre controle social e censura.

Sobre as experiências de outros países, o que tem se mostrado mais efi ciente?

Na mídia impressa, o que existe é a auto-regulação. Na eletrônica, são os conselhos e órgãos reguladores. Praticamente todos os países da Europa Ocidental têm um, que cumpre papel de intermediário entre a sociedade e as concessoras e trata de questões como

a concentração, os processos de concessões, a publici- dade e a produção independente.

O fato dos meios impressos trabalharem num espaço privado elimina a necessidade de serem monitorados socialmente?

De forma alguma. Precisaríamos de órgãos mais efe- tivos de acompanhamento. Mas os próprios veículos nunca estiveram dispostos a abrir este espaço. E aí o país fi ca refém porque, embora atinjam uma popula- ção relativamente pequena, eles produzem desdobra- mentos concretos nos outros meios, como o rádio. Mas, numa sociedade capitalista, o que falta – e aí o Estado deve agir – é uma concorrência real. No Bra- sil há três grandes jornais praticamente com a mesma linha editorial. As tentativas de esquerda não tiveram como se sustentar. Aí seria fundamental o apoio pu- blicitário público para a manutenção desses veículos.

Por que a mídia não cobre suas próprias ativi- dades?

Há uma arrogância muito grande nas famílias que controlam os meios; uma arrogância de classe. Eles se julgam porta-vozes da sociedade e totalmente imunes a qualquer tipo de crítica sobre o trabalho que fazem, a ponto de nem precisarem falar sobre isso. Os meios de comunicação só admitem o con- fronto quando estão dialogando com outro veículo, no “mesmo nível”, e não com o leitor ou com outros setores da sociedade.

Não há autocrítica?

Não. Se há, é internamente. Exceção seja feita ao ombudsman da Folha de S. Paulo. Mas, mesmo as- sim, a crítica ali é feita de forma limitada. Uma crí- tica mais consistente deveria ser feita por organis- mos externos. Mas onde vão repercutir o trabalho se os jornais não dão espaço? Por isso, a opção é ter veículos alternativos grandes, que dêem vazão

Laurindo Leal Filho

a uma pluralidade maior. A Internet acaba cum- prindo esse papel, mas não é suficiente porque continua restrita a poucas pessoas. Já a televisão discute tudo, mas é absolutamente insensível e im- permeável a qualquer tipo de análise, enquanto a população fica num lugar de telespectadora passi- va. Com a concentração, o problema é mais sério. Por pertencerem a grandes corporações, nem os jornais abrem espaço para a crítica da tevê. Isso é um perigo para a democracia.

Há caminhos para pressionar uma mudança?

O caminho é a pressão popular combinada com ini- ciativas políticas. O poder público pode abrir cami-

nhos para que a sociedade passe a ter uma visão mais crítica dos meios. Este é o papel indutor de um Estado democrático. Historicamente, chegamos a um qua- dro em que o capitalismo não resolve. Ao contrário, o mercado tende a se atrofi ar cada vez mais. Como a sociedade se informa pela tevê, se impede que essas pautas sejam colocadas. Então só há uma forma de conter o capital, que é a ação do Estado. Mas podemos ter certeza: qualquer iniciativa neste sentido vai ter, como contrapartida da mídia, o argumento da censu- ra e do cerceamento à liberdade de imprensa. Essa é a luta que se trava hoje na nossa sociedade.

A discussão acerca das inter-relações entre mídia e democracia deve levar em consideração dois importantes conceitos: liberdade de expressão e censura. No período analisado, é considerável a presença de tais conceitos na cobertura dedica- da às questões comunicacionais: 14,9% dos textos mencionam o termo censura e 10,7% a liberdade de expressão ou de imprensa. Em 33,5% dos casos que citam censura – ou em 46,46% dos que abor- dam liberdade de expressão – os dois conceitos aparecem de forma integrada.

Mesmo em outras pesquisas temáticas coorde- nadas pela ANDI o espaço que tais questões re- cebem não é desprezível. Em investigação sobre como a mídia cobre assuntos relacionados aos di- reitos humanos – realizada em parceria com a Se- cretaria Especial de Direitos Humanos e a Unesco –, fi ca patente que os direitos com maior destaque nos jornais brasileiros, no ano de 2004, foram a liberdade de expressão e a de imprensa.

Como teremos a oportunidade de apontar mais adiante, no âmbito da pesquisa realizada pela

UM OLHAR SOBRE A COBERTURA: QUESTÕES RELACIONADAS À