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REGULAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA DE MÍDIA NO BRASIL E NO MUNDO

No documento Mídia e políticas públicas de comunicação (páginas 101-105)

O histórico da regulação de infra-estrutura no Brasil sempre foi marcado pela lentidão e pela concessão de privilégios ao Setor Privado. Nesse ce- nário, acabam ficando em segundo plano as reivindicações da sociedade civil por um sistema mais democrático, aos moldes do que já ocorre em outros países.

Ainda atual, o tema da regulação da infra-estrutura de mídia no Brasil passou a ganhar maior importância com o debate sobre a implementação de um sistema de Televisão Digital. Para o doutor em Direito pela Universidade de São Paulo Alexandre Faraco, as discussões sobre essa questão não podem perder de vista perspectivas relacionadas ao pluralismo e ao desenvolvimento nacional. Nesse sentido, Faraco defende que a construção do modelo regulatório considere os seguintes aspectos:

• Limites à propriedade de emissoras, considerando não apenas a mera propriedade formal sobre as empresas do setor, mas o controle de fato sobre elas.

• Limites à participação total de cada agente na audiência, em cada setor. • Obrigatoriedade a todos os agentes privados da área de distribuir progra- mação não fi nanciada por meio de verbas vindas da publicidade, produzi- da por organizações públicas ou comunitárias e fi nanciadas com recursos de um fundo para o qual contribuiriam as próprias empresas.

• Limites à propriedade cruzada entre companhias de radiodifusão e ou- tros meios de comunicação.

• Controles internos exercidos por meio de conselhos de composição pluralista. Entretanto, esses são pontos radicalmente opostos à realidade observada historicamente no Brasil – cujos marcos reguladores, no âmbito da radio- difusão, são determinados pelo atraso em sua promulgação. Com isso, o Estado acaba tendo que lidar com grupos de interesse previamente cons- tituídos, sofrendo pressões e passando a absorver os direitos adquiridos por tais atores, cuja operação já acontecia mesmo diante da ausência da legislação necessária.

Por certo, as refl exões acerca do que foi e do que pode vir a ser a regulação do setor no Brasil não devem prescindir da compreensão do que vem ocorrendo, nesse âmbito, no contexto internacional. Antes de aprofundarmos, portanto, o debate sobre o cenário nacional, vale destacar algumas das experiências em cur- so em outras nações.

ALEMANHA

Dois sistemas foram estabelecidos na Alemanha para garantir o pluralismo e a diversidade na radiodifusão: um sistema “interno” de parâmetros a serem seguidos pelo setor público e uma estrutura regulatória “externa”, estabelecendo que os canais privados também se atenham a esses mesmo parâmetros.

As atividades dos dois setores se complementam na medida em que as defi ci- ências de mercado, inerentes à atividade do Setor Privado, podem ser supridas pelo Setor Público. Tal posicionamento leva à diversidade de canais que se tem na Alemanha, situação diferente à encontrada em muitos países da Europa. A regulação dos meios de comunicação alemães prevê limites de propriedade para as empresas de radiodifusão – não mais baseando-se no número de canais ou de emissoras que detêm uma determinada empresa, mas sim na potencial audiência controlada por cada um dos operadores de radiodifusão. Assim, se uma empresa veicula programas que abarcam mais de 30% da audiência anual, entende-se que essa empresa apodera-se de considerável poder de opinião. Tal companhia não poderá adquirir novas licenças para veiculação de outras produ- ções, tampouco participação em outras empresas do setor.

ARGENTINA

Na Argentina, a responsabilidade de promover o serviço de radiodifusão, con- ceder licenças para a transmissão, supervisionar conteúdos e levar a cabo a clas- sifi cação dos conteúdos dos programas é do Comitê Federal de Radiodifusão (Comfer), constituído como autarquia federal desde 1981.

A direção do Comfer é composta por um presidente e seis outros funcionários designados pelo Poder Executivo nacional para cumprir um mandato de três anos prorrogáveis. Os funcionários devem representar as Forças Armadas, a Se- cretaria de Informação Pública e a Secretaria de Comunicação. O comitê conta ainda com um representante das emissoras de rádio e outro das de televisão. O Comfer orienta suas ações pela Lei Nacional da Radiodifusão – publicada em 15 de setembro de 1980 – que estabelece em seu artigo 5º que os serviços de radiodifusão devem colaborar para “a elevação da moral da população, bem como com o respeito à liberdade, à solidariedade social, à dignidade das pes- soas, aos direitos humanos, pelas instituições da República, com o respaldo à democracia e com a preservação da moral cristã”.

A Lei defi ne também que pessoas físicas e jurídicas estabelecidas na Argentina podem se candidatar a concessões de emissoras de rádio e tevê. Até 2005, no entanto, esse direito não era estendido à cooperativas e associações sem fi ns lucrativos. Naquele ano, a reformulação da legislação abriu espaço para esses atores, possibilitando, ao menos teoricamente, que se limitasse o processo de consolidação de monopólios comerciais na área de radiodifusão.

Os requisitos para se obter a concessão dos serviços de radiodifusão são: • Ser argentino nato ou naturalizado com mais de 10 anos de residência no país.

• Ser maior de idade.

• Ter qualidade moral, idoneidade cultural e capacidade patrimonial comprovada.

• Não ter vinculação jurídica, societária ou de qualquer espécie com em- presas jornalísticas ou de radiodifusão estrangeiras.

As concessões têm um prazo de 15 anos, sendo que, no caso das estações de radiodifusão instaladas em área de fronteira ou de fomento, o prazo pode ir até 20 anos. Esses intervalos podem ser prorrogados uma única vez, por dez anos, devendo o interessado efetuar o pedido com pelo menos 30 meses de antecipação do vencimento da licença. O Comitê Federal de Radiodifusão deve apresentar sua decisão até quatro meses depois da formulação do pedi- do. Dezoito meses antes do vencimento do prazo originário da licença, ou de sua prorrogação, o Poder Executivo realizará uma concorrência pública para outorga de uma nova licença, em relação à qual terão preferência os atuais concessionários.

Enquanto o Poder Executivo deve administrar as freqüências e controlar os serviços de radiodifusão, outorgando concessões para a prestação do serviço e estabelecendo restrições ao uso e oferta do mesmo, o Comfer habilita o serviço após avaliar o projeto, inspecionar as instalações e aprovar a nome- ação dos diretores da concessionária. As agências de publicidade contatadas pela concessionária devem estar registradas no Comfer, que por sua vez é encarregado de administrar os fundos provenientes dos impostos pagos pe- las emissoras.

Não existem limites de propriedade na Argentina. No entanto, há uma disposi- ção da legislação que restringe a concentração regional por um mesmo proprie- tário de emissoras de rádio e de tevê.

BÉLGICA

Nesse país, na área da comunidade lingüística francesa (valã), a autorização para a exploração privada de serviço de rádios locais é dada pelo Conselho de Rádios Locais, por dois anos, com a possibilidade de renovação, podendo ainda ser re- vogada a qualquer momento caso sejam desrespeitadas as regras estabelecidas. Além disso, as rádios locais não podem ter intuito lucrativo, nem serem explo- radas por empresa comercial. As rádios nacionais são todas públicas.

O detentor do direito de uso da concessão deve preencher requisitos como: • Visar preponderantemente ao progresso social, cultural, cívico e à educação. • Dedicar-se de forma especial à informação e ao lazer local.

• Favorecer o acesso de antena aos cidadãos e às suas organizações culturais, religiosas e políticas.

• Ser independente de qualquer grupo profi ssional e político.

• Realizar ao menos uma vez ao ano uma assembléia aberta ao público para propiciar o encontro entre os responsáveis pela rádio e seus ouvintes.

No caso da radiodifusão televisiva, a exploração pelo Setor Privado foi aberta em 1987 para as comunidades valã e fl amenga – que formam o país. A lei fl a- menga, especifi camente, exige que 51% do capital da empresa exploradora do serviço seja fl amengo.

Nas duas partes do país, há conselhos que fi scalizam a atividade e velam pela ética na programação: o Conséil Supérieur de l’Audiovisuel e a Comission d’Éthique na região valã, e os Conséil des Médias e de la Publicité, na região fl amenga.

Semelhante à Grã Bretanha, o sistema blga é fi nanciado pelo pagamento anual de uma taxa pelos proprietários de aparelhos de televisão, mas também conta com receita proveniente de publicidade.

CANADÁ

O sistema canadense é misto, sendo as emissoras públicas, reunidas em redes nacionais, todas ligadas à Canadian Broadcasting Corporation e o Setor Privado formado por uma rede nacional e uma série de emissoras independentes de âm- bito regional. As emissoras privadas são fi nanciadas inteiramente por publicida- de, já as públicas podem receber recursos de várias fontes. Existe, também, uma grande quantidade de estações comunitárias de radiodifusão. Ressalte-se ainda que a tevê a cabo nesse país tem uma grande abrangência: 80% dos domicílios dispõem do serviço.

Assegurar que as disposições legais estejam presentes na prática das emissoras é uma das tarefas da Canadian Radio-Television and Telecommunication Comis- sion (CRTC) que reúne ainda as seguintes responsabilidades:

• Outorgar as licenças para o exercício de radiodifusão comercial e de te- levisão a cabo.

• Regular e fi scalizar os sistemas de radiodifusão e telecomunicações.

• Controlar o conteúdo da programação das emissoras de radiodifusão no que se refere às cotas de programas de origem canadense, imagens ofensivas e obs- cenas, respeito a minorias, pluralidade de pontos de vista e publicidade. • Aplicar as sanções devidas.

• Estabelecer medidas para proteger crianças e adolescentes da programação ina- dequada, propor alternativas positivas e promover a educação sobre a mídia.

CHILE

No Chile, o Conselho Nacional de Televisão é responsável por zelar pelo bom funcionamento dos serviços de televisão, exercendo a vigilância e a fi scalização sobre os conteúdos e imagens. Esses conteúdos, por lei, devem respeitar os va- lores morais e culturais do país, a dignidade das pessoas, a proteção da família, o pluralismo, a democracia, a paz, a proteção do meio ambiente e a formação espiritual e intelectual da infância e da juventude.

O Conselho, defi nido como um serviço público autônomo, é descentralizado e composto de personalidade jurídica e patrimônio próprios. Possui 11 inte- grantes: um conselheiro indicado pelo Presidente da República e dez designados pelo Presidente da República e aprovados pelo Senado, devendo, em seu conjun- to, apresentar uma composição pluralista.

É o Conselho que deve outorgar, modifi car e cassar as concessões de tevê aberta, bem como se pronunciar sobre a transferência, cessão, arrendamento ou ou- torga do direito de uso destes canais. Desde 1992, as concessões têm um prazo de 25 anos e só podem ser conferidas a empresas jurídicas. É possível renovar a concessão, no entanto o processo de licitação é sempre reaberto aos interessa- dos. Em caso de empate, terá preferência o antigo concessionário. Os requisitos da licitação devem ser objetivos e a escolha se dá de acordo com a proposta téc- nica que garanta a melhor qualidade de transmissão e conteúdos.

No documento Mídia e políticas públicas de comunicação (páginas 101-105)