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Elvira Lobato é repórter da Folha de S. Paulo na sucursal do Rio de Janeiro e nos últimos anos tem se especializado na cobertura das Políticas Públicas de Comunicação

A pesquisa realizada pela ANDI aponta a Folha de S. Paulo como o segundo jornal que mais cobre te- mas ligados às Políticas Públicas de Comunicação. Há algum tipo de incentivo por parte do jornal para que esse seja um tema pautado?

Posso falar da minha experiência pessoal. Passei a cobrir sistematicamente o setor de telecomunica- ções em 1994, quando o Brasil vivia um momento de preparação para as privatizações. Naquele momento, havia um grande interesse das organizações de mí- dia em entrar nessa área – era um setor de reserva e, nesse sentido, houve pressão para abrir os mercados. A própria Folha integrou num consórcio de empre- sas que pleiteavam concessões de telecomunicação, na chamada Banda B. Esse era, portanto, um tema que passou a interessar ao jornal, que foi pioneiro ao cobrir o assunto a partir da ótica do interesse político e dos negócios. Gradualmente, isso foi se estendendo à cobertura sobre as comunicações e a mídia de ma- neira geral.

E qual é hoje a orientação editorial da Folha em re- lação a essas temáticas?

Este é um assunto que interessa muito à Folha, que ela trata com destaque, principalmente, quando tra- ta-se de um trabalho produzido a partir da investi- gação da equipe de reportagem. Sempre houve sina- lização da direção para que déssemos relevância ao tema. Começamos com a divulgação do cadastro de concessionários de radiodifusão. Na época, era tabu falar nesse assunto. Nossa idéia era descortinar essa questão e com isso abrimos um novo horizonte de trabalho – começamos a ver, por exemplo, que as concessões estavam em nome de laranjas, que havia um predomínio de políticos, que as empresas não respeitavam os limites de concentração. Ficou claro que era algo sistematicamente desrespeitado. Com o passar do tempo, outros jornais se interessaram e começaram a acompanhar a bancada da mídia no Congresso. Passou a haver uma fi scalização maior e o assunto se consolidou.

Há algum programa de treinamento específi co do jornal voltado para os profi ssionais que co- brem esse tema?

Não, nenhum veículo hoje tem esse tipo de ini- ciativa. É um trabalho de investigação jornalística. Veja o exemplo das concessões do espectro eletro- magnético. Quando o Fernando Henrique Cardo- so foi eleito, disse que acabaria com o uso político das concessões. Mas, a exemplo dos governos an- teriores, também as usou como moeda de troca, só que dessa vez isso ocorreu no âmbito das tevês e rádios educativas. Nesse caso, as concessões são dadas a fundações e descobrir quem está por trás é um trabalho grande. Isso depende muito da ex- periência que você adquire, até conseguir montar este mosaico.

Como você não tinha uma formação específi ca oferecida pelo jornal, como buscou se qualifi car sobre esses temas?

Foi um aprendizado construído na prática. Nesse processo, conheci muita gente preparada, geral- mente pessoas do campo do direito. Para mostrar o que estava errado, era preciso conhecer mais profundamente a legislação do setor. Acabei por adquirir experiência em outras áreas também. Ti- nha como hábito pesquisar as juntas comerciais e estudar os contratos, por exemplo. Numa ocasião, descobrimos uma irregularidade na venda de uma concessão de tevê a cabo. A sede da empresa estava no Uruguai e a lei dizia que tinha que estar no Bra- sil. Isso mostra como essa é uma área que exige um acompanhamento de perto.

Na sua opinião, por que ainda há na imprensa brasileira uma cobertura tímida sobre as Políti- cas Públicas de Comunicação, como revela o es- tudo coordenado pela ANDI?

Primeiro, porque esse é um assunto complexo, que envolve o próprio negócio do jornal e, muitas ve- zes, os interesses diretos do seu patrão. Além dis- so, é preciso ter domínio do tema e credibilidade para cobrí-lo, já que há leitores capacitados nessa discussão. Outro aspecto é que o acesso as fontes de informação é difícil, pois trata-se de público que

não dá entrevistas com freqüência. Um setor em que não há muita transparência e as empresas geralmen- te não são de capital aberto. Quando o Sérgio Motta começou a privatizar as telecomunicações, a meta era fazer isso no primeiro ano e, no segundo, elabo- rar uma nova Lei Geral para o setor de comunicação de massa. Até hoje isso não saiu. Isso deixa claro que a política do setor é não haver uma política. Em to- das as iniciativas que buscou-se implementar, como foi a questão da TV digital, não havia interesse das empresas para que o processo fosse em frente. O interesse é postergar o debate e evitar a regulação. Essas são questões que acabam por inibir o trabalho jornalístico em relação às políticas públicas, fazendo com que grande parte da cobertura se restrinja ao debate sobre conteúdo.

As reportagens feitas pela Folha sobre as políticas de comunicação já conseguiram contribuir para alguma mudanças no setor de mídia ou na própria Administração Pública?

Acho que houve pequenas conquistas, mas uma grande vitória pode ser destacada. Hoje você entra na página do Ministério das Comunicações e o ca- dastro das concessões de radiodifusão está lá. A Fo- lha cobrou muito isso do governo federal e o Miro Teixeira [ministro das Comunicações à época] foi sensível à questão. Claro que o problema não se re- solveu por completo, porque o cadastro disponível está atrasado. Mas esse já foi um passo importante.

Na sua opinião, quais estratégias podem ser leva- das a cabo a fi m de estimular uma cobertura mais ampla do setor de comunicações?

Inicialmente, é preciso dizer que a imprensa brasi- leira não tem o hábito de cobrir a si própria. Uma das causas desse silêncio pode ser a não-exposição dos confl itos de interesse das empresas, já que esta-

mos falando de grandes conglomerados de mí- dia. Basta ver como o jornal O Globo cobriu a questão da TV digital. A TV Globo era uma das grandes interessadas nesse tema. Eu via como os colegas que trabalham em veículos que tinham interesses de mercado fi cavam constrangidos na cobertura do assunto. Eles tinham que pisar em ovos. Nesse sentido, o ideal seria cobrir mídia da mesma forma que cobrimos hoje o setor do pe- tróleo ou dos bancos, por exemplo. Mas há ainda uma distância grande para chegarmos a isso. Por outro lado, mecanismos de monitoramento da cobertura também poderiam auxiliar nes- se processo de estímulo a uma cobertura mais abrangente. O ombudsman acaba sendo um dife- rencial importante, porque é um espaço de crítica da mídia e cobrança de transparência por parte da empresa. Hoje, vejo que já temos uma cober- tura mais qualifi cada do que a que tínhamos há alguns anos atrás, mas o que impede uma mu- dança de fato é a postura das próprias empresas, que não se vêem como um setor a ser coberto.

As reportagens feitas pela Folha neste âmbito já causaram mudanças no setor de mídia ou na própria Administração Pública?

Acho que houve pequenas conquistas, mas uma grande vitória pode ser destacada. Hoje você en- tra na página do Ministério das Comunicações e o cadastro das concessões de radiodifusão está lá. A Folha cobrou isso muito do governo e o Miro Teixeira [Ministro das Comunicações durante do governo Lula] foi sensível à questão. Claro que o problema não se resolveu por completo, porque o cadastro disponível está atrasado. Mas foi um passo importante.

No documento Mídia e políticas públicas de comunicação (páginas 193-195)