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Uma percepção liberal dessa realidade indicaria que tal configuração da política – e de outras facetas da vida social emolduradas também pela mídia – pode ser altamente relativizada, ou seja, seus potenciais impactos negativos podem ser minimizados, a partir de um “uso” crítico dos meios de comunicação pelos cidadãos e cidadãs.

É importante notar, neste ponto, uma característica específica do Brasil e de outros países da América Latina: a combinação entre a grande penetração da mídia eletrônica de massa e a deficiência do sistema de educação. Nos países ditos desenvolvidos, o alcance dos meios eletrônicos é gigantesco, mas a escola- ridade é alta e o analfabetismo quase inexistente – cenário que, em tese, amplia a capacidade crítica da sociedade.

Embora o panorama educacional no Brasil tenha apresentado melhorias signi- ficativas na última década – houve queda substancial da taxa de analfabetismo e, ao mesmo tempo, aumento regular da escolaridade média e da freqüência escolar (taxa de escolarização) – há ainda muito a avançar. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam a existência, em 2004, de 15,7 milhões de analfabetos absolutos. Segundo a Síntese dos Indicadores So- ciais do IBGE, naquele ano 24,4% da população não possuía sequer a 4ª série completa. Adicionalmente, supõe-se que uma parcela bastante elevada de bra- sileiros – alguns dados chegam a estimar 60% – possa ser composta por analfa- betos funcionais.

Ainda que diversos indicadores relativos à educação, além dos citados acima, tenham melhorado e que a Constituição Federal assegure o voto do analfabeto – implicitamente reconhe-

cendo que ele dispõe da ca- pacidade crítica necessária para participar do processo eleitoral –, não se pode mi- nimizar o efeito potencial da mídia no Brasil. Face ao cenário marcado pelas deficiências educacionais, torna-se difícil que premis- sas presentes no argumento liberal (não regular, deixar a mídia como está) – tais como o “controle remo- to é a melhor regulação”, “busque fontes alternativas de informação”, “questione as mensagens dos meios” – possam, de fato, serem usadas no melhor interesse dos cidadãos e cidadãs.

Retroalimentação

Outro ponto relevante nesse contexto, como apontado anteriormente, é que os meios de comunicação são um instrumento de difusão de informações no seio da própria elite política. Os debates políticos são acompanhados pelo pú- blico, mas seu pleno significado muitas vezes só é compreendido por aqueles que fazem parte do jogo. Para os líderes políticos, o debate por meio da mídia representa também um comprometimento público (com propostas, posições e barganhas), o que lhe dá um sentido diferente em relação às discussões travadas a portas fechadas.

O Horário Eleitoral Gratuito para os partidos políticos é uma das soluções encontra- das para tentar minimizar as diferenças de poder existentes entre os candidatos no acesso à mídia. O assunto foi foco de um percentual não desprezível de textos ao longo do período analisado (6%), segundo a pesquisa desenvolvida pela ANDI e Fundação Ford. Os resulta- dos do estudo mostram, entretanto, que a imprensa pouco avançou rumo a uma cobertura menos burocrática do assunto. Maior atenção foi dada a aspectos como tempo de exibição e estratégias dos par- tidos, enquanto a regulação do horário, o financiamento dos programas ou a refor- mulação da legislação eleitoral ficaram praticamente ausentes. A importância do horário eleitoral para a democracia e a isenção fiscal concedida às emisso- ras – a qual faz o horário gratuito para os partidos, mas não para o contribuinte – sequer foram mencionadas.

SOBRE O HORÁRIO ELEITORAL, A DISCUSSÃO CENTRALMENTE TRAÇADA SE REFERE A:

Estratégias políticas dos partidos, valendo-se do tempo no horário eleitoral 28,2% Elementos de serviço (anúncio do início do horário eleitoral

pelo TSE, por exemplo)

21,1%

Decisões e contestações judiciais sobre o horário eleitoral 15,5% Tempo destinado aos partidos 12,7% Financiamento e custo do horário eleitoral 9,9% Regulamentação do horário eleitoral 9,9% Extinção do horário eleitoral 1,4% Reformulação do horário eleitoral 1,4% Importância do horário eleitoral para a democracia 0,0% Isenção fiscal das emissoras em função do horário eleitoral 0,0%

Em artigo publicado na Revista Brasileira de História, o cientista político Luis Felipe Miguel lembra que, atualmente, costuma-se imaginar a política como um jogo de bastidores, invisível ao grande público, e a cena política como um grande palco, utilizado, de forma explícita, para distrair os espectadores. Essa distinção, como lembra o autor, é relativa em função de pelo menos quatro motivos:

1. A passividade política da sociedade precisa ser produzida (em muitos ca- sos pela própria mídia, em outros por atores do meio político).

2. Às vezes, a sociedade não se mantém passiva, irrompendo no cenário e manifestando suas demandas em graus distintos.

3. A sociedade, em última análise, decide quem exercerá o poder em regimes democráticos.

4. O público não é indiferente ao que ocorre nos bastidores.

Em palestra que se tornou clássica nos meios políticos, o ex-presidente dos Esta- dos Unidos Woodrow Wilson reconheceu essa relativização. Ele lembra que, em um regime democrático, é bem mais difícil organizar a Administração Pública do que em uma monarquia, já que isso só pode ser feito mediante a instrução e a persuasão da opinião pública – canalizada, em tese, pelos meios de comunica- ção. E conclui: “Onde a opinião pública existe, ela deve governar. (...) Quem qui- ser promover uma mudança em conformidade com a Constituição deve primei- ramente educar os cidadãos para que eles queiram a mudança”. Daí a relevância de se compreender quem ou o quê contribui – e como – fundamentalmente para a formação da opinião pública.

Duas potencialidades dos meios de comunicação, historicamente analisadas pe- los cientistas sociais das mais diferentes áreas, são de especial relevância para o processo democrático, especialmente quando estamos focalizando o desenvol- vimento das políticas públicas: sua capacidade de agendamento e de controle social dos atores políticos, especialmente aqueles encarregados de comandar as diferentes esferas do poder público.

De Maxwell McCombs e Donald Shaw, em 1972, a John Kingdon, em 2003, diversos pensadores têm demonstrado que os meios de comunicação exercem enorme infl uência na construção da agenda pública. De acordo com o célebre aforismo de Bernard C. Cohen, a mídia “may not be successful much of the time in telling people what to think, but it is stunningly successful in telling its readers what to think about”4 . O pensamento resume a idéia básica acerca da

capacidade da imprensa de interferir, a partir daquilo que ela publica e/ou omi- te, nos temas que estarão no topo da lista dos decisores.

Com a rápida expansão das possíveis áreas de interferência do Estado – dilatação em muito relacionada com o reconhecimento de diferentes ordens de direitos

AGENDA PÚBLICA E FISCALIZAÇÃO

4 A mídia “pode não ser bem sucedida, a maior parte do tempo, em fazer com que as pessoas pensem de determinado modo, mas ela é extremamente bem sucedida em fazer com que o público pense sobre determinados assuntos”.

aos cidadãos e às gerações futuras – foi se tornando cada vez mais urgente a necessidade de definir prioridades entre as demandas que são cotidianamente colocadas na esfera pública. Mesmo os mais desconfiados analistas do alcance proposto pelas teorias do agendamento hão de concordar que, se uma escolha é necessária e se um ou mais critérios de eleição devem ser utilizados, a focali- zação mais intensa da mídia em determinados temas colaborará para a inclusão ou retirada de um assunto da pauta pública. Além disso, a freqüência com que a imprensa reporta determinados temas é mais um dos elementos que contam na formatação das políticas públicas.

Apesar disso, é importante ressaltar que essa não é a única condição a interferir nas decisões políticas. Conforme já vimos, questões que, por exemplo, afetam constantemente e de forma direta a vida dos eleitores acabam por serem pouco influenciadas pelo volume de informações trazido pelo noticiário: por mais que a mídia insista em não cobrir saúde, os eleitores vão continuar demonstrando aos seus representantes que este é um tema central em suas vidas.