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Características editoriais

Essa escassa cobertura, restrita a 1,8% dos 1.184 tex- tos analisados, a rigor forçaria uma única conclusão acerca do tratamento dispensado ao tema mídia e democracia: a pauta é totalmente ignorada, isto é, não constitui foco de interesse para a imprensa. Não obstante, investigar alguns dados internos a esse re- corte temático, com todas as ressalvas necessárias,

permite traçar a seguinte especulação: supondo que o espaço dedicado à questão crescesse, porém man- tendo o perfi l que hoje possui, quais seriam os prin- cipais elementos levados em conta pela imprensa na construção desse debate?

Tal exercício permite reconhecer que, embora dimi- nuta a cobertura das relações entre mídia e demo-

cracia apresenta um perfi l editorial bastante diferen- ciado do restante da amostra. Enquanto 75,6% do material analisado é composto por reportagens – os demais 24,4% são artigos, colunas, editoriais e en- trevistas –, os textos específi cos sobre mídia e demo- cracia trazem uma distribuição diferenciada: nada menos de 47,6% refere-se a conteúdo opinativo. Numa leitura mais aprofundada, é possível detectar que tal confi guração editorial contribui para uma maior qualifi cação na abordagem do tema. Enquan- to na amostra geral 76,1% dos textos não avançam além de uma simples contextualização do fato ou

questão em foco, no caso do material sobre mídia e democracia esse percentual reduz-se para 57,1%. Estes conteúdos também destoam das médias gerais quanto à principal perspectiva atribuída ao tema co- berto. Na análise global, 4,5% do material traz como destaque a ótica da sociedade civil organizada e, em 17,2%, um enquadramento temático-conceitual. Já no recorte mídia e democracia, os percentuais so- bem, respectivamente, para 28,6% e 38,1% – dado que permite apontar uma maior participação de ato- res sociais no debate.

Como contraposição aos regimes autoritários de diversos matizes, as primeiras experiências de democracia, ainda em Atenas, já se preocupavam com a liber- dade de expressão dos indivíduos, segundo apontado anteriormente. Entendia- se, já naquele período, que o livre pensar e, mais do que isso, a manifestação dessas idéias, não deveria ser cerceada. Essa compreensão encaixa-se no rol de condições fundamentais para a garantia de um regime que se diferenciava das monarquias, autocracias e oligarquias.

Na democracia ateniense, todos os cidadãos da pólis podiam debater e votar qualquer assunto de interesse geral: guerra e paz, impostos, cultos ou obras pú- blicas. A democracia grega promoveu o uso da palavra como fundamento da política. “O ser político, o viver numa pólis, signifi cava que tudo era decidido mediante palavras e persuasão, e não através de força ou violência”, afi rmou a te- órica política Hannah Arendt. A própria defi nição aristotélica do humano como “ser vivo dotado de palavra” expressa a importância primordial do discurso na Grécia Antiga.

No fi m da Idade Média, a transmissão de informação e de conteúdos simbólicos ampliou-se de modo estrondoso, revolucionando a organização da vida coti- diana. Essa transformação foi possível graças à invenção da imprensa de tipos móveis, em meados do século XV. A máquina de Johann Gutenberg marcou uma nova era – textos e livros puderam se espalhar e se multiplicar por toda a Europa. E não só livros: no século XVII, começaram a surgir os primeiros jor- nais regulares de notícias.

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E SEUS LIMITES³

3. As discussões sobre liberdade de expressão e de imprensa aqui travadas foram retiradas, em grande medida, dos livros Mídia e Direitos Humanos, produzido em 2006 pela ANDI, Secretaria Especial dos Direitos Humanos e Unesco; e Classifi cação indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê, publicado também em 2006 pela ANDI e pela Secretaria Nacional de Justiça / Ministério da Justiça, com apoio da Fundação Avina e da Save the Children Suécia.

Nesse contexto, um grande marco na afirmação da liberdade de expressão e imprensa se deu a partir do pensador inglês John Milton. Em discurso célebre, o político britânico sintetizou uma das defesas mais contundentes desse direito civil, que, depois, estaria presente, de forma semelhante, na Declaração dos Di- reitos do Homem e do Cidadão, instituída com a Revolução Francesa: “Dai-me a liberdade para saber, para falar e para discutir livremente, de acordo com a consciência, acima de todas as liberdades”.

Com o aparecimento das primeiras publicações periódicas, o debate sobre a li- berdade de imprensa se amplia. Em meados do século XVIII, o pensador esco- cês David Hume defendia que uma imprensa livre poderia despertar o espírito do povo e refrear as ambições da Corte. Para ele, a tentativa de restringir a liber- dade de imprensa impõe custos tão grandes e uma “violação tão descarada” da liberdade, que seria o último esforço de um governo despótico: “A liberdade da Bretanha terá desaparecido inteiramente quando tais tentativas forem coroadas com êxito”.

John Stuart Mill, importante pensador do século XIX, também ressaltou a re- levância da liberdade de imprensa para as sociedades, em manifestação que se tornaria famosa: “É de se esperar que tenha chegado o tempo em que não se faz necessária defesa alguma da ‘liberdade de imprensa’ como uma das garan- tias contra os governos tirânicos e corruptos”. Assim, a construção dos Estados liberais – ainda que não necessariamente democráticos – passou a estar inti- mamente conectada à capacidade de assegurar os direitos civis, dentre os quais destacava-se a liberdade de expressão e também de religião. O pensador, adi- cionalmente, propôs um avanço para a idéia de tolerância às posições políticas divergentes ao propor o combate à opressão pela maioria, que pode impor uma “tirania da opinião e do sentimento predominantes”.