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O QUE NOS REFERENCIA TEORICAMENTE?

4.3 As gerações da Teoria da Atividade

4.3.1 A primeira geração: o conceito de mediação e Vigotsk

A primeira geração da TA caracteriza-se pelo desenvolvimento do conceito de mediação186, por Vigotski (Engeström, ibidem). A formulação deste conceito decorreu da busca de Vigotski em desenvolver uma psicologia187 fundamentada nos princípios do materialismo dialético. Ele procurava transcender dois entendimentos divergentes, com origem nas psicologias ditas ‘não marxistas’188 (LEONT’EV, 1981, p.41) sobre as relações entre a mente, o comportamento do ser humano e o mundo exterior (ou material).

Engeström (1987) explica-nos tais divergências de um modo simplificado, porém elucidativo. Por volta da década de 20, o campo da psicologia era dominado pelas tendências behaviorista e a da psico-análise. Embora os pontos de vista diferissem, ambas as análises sobre as relações entre a mente, o comportamento humano e o mundo material convergiam para um mesmo esquema, como representado na Figura 1.

Para a tendência behaviorista, acreditava-se que o comportamento humano era controlado objetivamente pelo mundo externo, ou seja, de fora para dentro. Nessa escola, nessa época,

185 Tradução de “… needs to develop conceptual tools to understand dialogue, multiple perspectives, and networks of interacting activity

186 A mediação aqui refere-se a mediação de processos psicológicos.

187 Ao abordar o programa de pesquisa de Vygotsky, Rego (2002, p.38) nos explica que a teoria histórico-

cultural do psiquismo, elaborada por Vygotsky, tem como objetivo central “caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como essas características se formaram ao longo da história humana e de como se desenvolvem durante a vida de um indivíduo” (VYGOSTSKY, 1984, p.21, apud REGO, 2002, p.38).

188 Psicologias ditas “não marxistas” (LEONT’EV, 1981, p.41) têm bases nas filosofias que não admitem a

dialética materialista.

Figura 1: esquema formulado a partir de descrição de Leont’ev (1981, p.42) Influência sobre o

sistema sensorial do sujeito

Resposta (objetiva ou subjetiva) à

102 este esquema, foi cristalizado pela fórmula189:

$ →→→→

% & →→→→ '

Neste caso, o sujeito (indivíduo) reage de forma objetiva a um dado estímulo externo. No caso da psico-análise, é a subjetividade – mente/cérebro/consciência – que determina o comportamento do sujeito, ou seja, este é controlado de dentro para fora; uma vez que “efeitos da influência externa dependem de como o sujeito as interpreta” (LEONT’EV,

1981, p.42). Desta forma prevalece em ambas as perspectivas uma oposição “entre motivação e mundo externo.” (LEONT’EV, ibidem, p.43).

Vigotski criticou o que Uznadze (1966, p. 158 apud LEONT’EV, 1981, p.42) chamou de postulado da resposta imediata190: ambas as vertentes da psicologia pareciam admitir que para cada estímulo externo haveria uma resposta imediata, determinada ou por instintos biológicos e/ou regras sociais (WHITE, 1949 apud LEONT’EV, 1981, p. 43) ou pela razão, delineando assim um caráter estático191 desta relação (S → R). Ambas excluíam um processo (dinâmico) que proponentes da psicologia marxista julgavam fundamental, e pelo qual o sujeito ativo vivencia a conexão com o mundo material externo – a atividade humana. Na atividade humana, esse processo dinâmico se faz possível pelo poder de agir (criativamente) do sujeito ao experienciar feedbacks de sua ação sobre o mundo externo, refletir e fazer escolhas e, dessa forma, regular o seu comportamento, resultando, possivelmente, em uma transformação da atividade. Na leitura de Cole e Scribner

189 $

190 Tradução de “immediacy postulate”.

191 ‘comportamento fossilizado’ segundo Vygotsky (WERTSCH, 1981, p.28) $

(

Figura 2: Ato complexo mediado (Vigotski, 1998,

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(VIGOTSKI, 2000, p.18), Vigotski tenta transmitir que “o indivíduo modifica ativamente a situação estimuladora como parte do processo de resposta a ela”, referindo-se à totalidade da estrutura desta atividade como mediação. Este é também o modo com que Leont’ev (1981, p.46) se refere à mediação, descrevendo-a como “a atividade do sujeito e suas condições correspondentes, metas e meios”.

Na representação triangular de Vigotski (Figura 2), a mediação é caracterizada por um elemento intermediário de conexão192 X – o “elo intermediário” ou signo (Vigostki, 1998, p.53) – entre estímulo (S) e resposta (R). Para esse autor, tal elo não representa um simples acréscimo na nesta conexão; representa um estímulo de segunda ordem e cria uma nova relação que é dessa vez mediada, configurando-se através desse elo mediador a possibilidade de transformação da atividade. Chamando-o de ‘estímulo auxiliar’, Vigotski explica:

"na medida em que esse estímulo auxiliar possui a função específica de ação reversa193, ele confere a operação psicológica formas qualitativamente novas e superiores, permitindo aos seres humanos, com o auxílio de estímulos extrínsecos, controlar o seu próprio comportamento.” (VIGOTSKI, 2000, p.54; itálico no original)

Na leitura de Engeström (1999b, p.29), a idéia é a de que seres humanos podem controlar seu comportamento – não de dentro para fora (determinado somente por instintos biológicos ou somente pela razão), mas – de fora para dentro, fazendo uso e criando artefatos culturais.

Posteriormente, a representação triangular de Vygotsky (Figura 2) passa a ser representada também na forma triangular, mas, como ficou conhecida através da Teoria da Atividade (Figura 3), já com artefato mediador como elo de conexão entre sujeito e objeto material.

192 ‘middle link’.

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Tal passagem pode parcialmente ser compreendida a partir da distinção que Vigotski faz entre instrumentos194 (ou ferramentas195) e signos, que alguns autores chamam de instrumentos psicológicos. Instrumentos mediam atividades com fluxo externo (Figura 3), isto é, servem como condutores “da influência humana sobre o objeto da atividade” (Vigotski, 2000, p. 72). Já signos constituem meios “da atividade interna dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é orientado internamente.” (Vigotski, ibidem, p. 73). As atividades mediadas por signos (Figura 2) são as que influenciam a mente (atenção, memória, pensamento). No entendimento de Vigotski, a comunicação entre indivíduos é mediada pela linguagem, considerada uma ferramenta psicológica, pois tal atividade altera o comportamento humano. Dessa forma, instrumentos e signos compartilham da mesma função mediadora; contudo, o autor (ibidem) chama a nossa atenção com respeito às atividades que instrumentos e signos mediam:

“Gostaria somente de assinalar que nenhum deles pode, sob qualquer circunstância, ser considerado isomórfico com respeito às funções que realizam, tampouco podem ser vistos como exaurindo completamente o conceito de atividade mediada.” (p. 72).

No olhar da Teoria da Atividade, instrumentos e signos são chamados de artefatos (WARTOFSKY, 1979 apud ENGESTRÖM, 1999b) e, a partir do entendimento de mediação, deixam de ser somente produtos (materiais ou não), mas passam a ser entendidos também como meios culturais pelos quais indivíduos agem na estrutura social,

194 O autor faz restrição ao uso da palavra “instrumento” ao referirmos à palavra “signo:”: “(…) alguns

psicólogos usaram a palavra “instrumento” ao referir-se a função indireta de um objeto como meio para realizar a atividade… Por outro lado, tem havido muitas tentativas de se dar a tais expressões um significado literal, igualando o signo com o instrumento. Fazendo desaparecer a distinção fundamental entre eles…” (Vigotski, 1998, p. 70).

195 O uso das palavras ‘instrumentos’ e/ou ‘ferramentas’ depende das traduções das obras de Vigotski e

Leontiev para a língua portuguesa (instrumento) e para a língua inglesa (tools).

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material e psicológica. Assim, seres humanos, suas atividades e os artefatos – que os seres humanos criam – desenvolvem-se mutuamente, na transformação de si mesmo (homens), através da transformação de suas atividades que, por sua vez, transforma-se através do desenvolvimento de novos artefatos. Esta é a compreensão histórica do movimento da humanidade por meio do desenvolvimento das atividades humanas, como nos diz Ashbar (2005):

“No decorrer da história do ser humano, os homens construíram infindáveis objetos para satisfazer suas necessidades. Ao fazê-lo, produziram não só objetos, mas também novas necessidades e, com isso, novas atividades. (…) analisar, portanto, as necessidades humanas requer compreendê-las em sua construção histórica.” (p. 109)

Engeström (2001, p.134) ressalta que a inserção de artefatos na ação humana é revolucionária no sentido de que o indivíduo não poderia ser mais entendido sem seus meios culturais, e a sociedade sem o poder de agir do indivíduo. Nesse sentido, Goulart (2005) observa que “por seu caráter instrumental e comunicativo (…), esse mediador traz em si a indissolubilidade entre o individual e social” (p.113), dando-nos a clareza da natureza coletiva de toda atividade humana e destaque à relação dialética existente entre o indivíduo e a sua coletividade.

Os estudos de Leontiev sobre a natureza coletiva da atividade e a sua estruturação deram origem ao que Engeström (1999a) chamou de segunda geração de pesquisa da TA.