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O computador: artefato mediador ou objeto? O caso do “encantamento”

QUANDO A ATIVIDADE DA FORMAÇÃO CONTINUADA ENCONTRA A ATIVIDADE PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA

B. O computador: artefato mediador ou objeto? O caso do “encantamento”

Iniciamos nossas atividades em 2005, retomando as oficinas que Cida e Maína tinham ofertado no final do ano anterior para os seus alunos. Lúcia e Verônica encantaram-se com o software Poly, utilizado nas oficinas de Cida e Maína.

Particularmente, eu percebia este software com potencial reduzido para uma atividade investigativa. Este é um software fechado no sentido de que não podemos alterar os objetos que nos apresenta. Disse até mesmo, no Capítulo 3, que este software estabelecia uma relação (quase) platônica com o usuário, pois não possibilita a entrada de novos dados para alterar os objetos geométricos.

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Além do encantamento com o software, chamou atenção de Lúcia, mais especificamente, a questão sobre prismas e antiprismas (Anexo 1C) colocada por Cida a seus alunos:

“Como podemos calcular o volume do antiprisma? Será que o volume é igual ao do prisma?”. (Folha de trabalho de Cida, Anexo 1C).

Nos relatos de Cida, ela nos conta que tal questão ficara sem resposta, pois ela mesma não sabia como responder. Lúcia procurou ajuda em sites de dúvidas, fez uma pesquisa na internet na procura por uma resposta.

Ao organizar a sua oficina, Lúcia decidiu pelo MathSolid (um software semelhante ao Poly). Apesar de seu encantamento pelo Poly, não havia uma versão deste programa que ‘rodasse’ no Linux - sistema operacional dos computadores de sua escola. A folha de trabalho que organizou não continha informações técnicas, mas solicitava que o aluno explorasse o software no início da atividade. Lúcia em reunião antes de sua oficina dizia:

“Eu vou dar um papelzinho, não quero dar muitas informações, quero falar o mínimo possível, quero deixar, eles mexendo”. (Excerto 13, reunião de 17/09/2005).

Lúcia organizou sua folha de trabalho de forma bastante semelhante a uma das folhas de trabalho de Cida (Anexo 1B), só que com alguns ‘cortes’. Observei mais tarde que da folha de Cida, Lúcia retirou uma menção feita à relação de Euler

“Mostre se a relação de Euler é válida ou não para este poliedro.”.

A fórmula de Euler relaciona números de vértices, arestas e faces de um poliedro regular. Ana Paula, Felipe e eu interpretamos este fato como uma proposta sua de não falar na fórmula naquele momento. Além disso, Lúcia deixou que seus alunos escolhessem qualquer poliedro para fazer a exploração.

De sua oficina, fiz os seguintes destaques L4 (“Contar vértices e arestas gerou polêmicas”) e

L5 (“Não sabíamos a resposta”). Com isso verificamos que Lúcia provocou um questionamento em sua oficina. Tal questionamento remete ao questionamento que Cida havia provocado, principalmente em Lúcia, sobre prismas e antiprismas.

O software, que no meu modo de ver tinha pouco potencial para mediar uma atividade investigativa, inspirou por parte de Lúcia e de Cida questionamentos interessantes.

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Observando com mais cuidado, pergunto se este questionamento teria gerado uma investigação. Na hora da oficina, os alunos contavam e perguntavam se estava certa a resposta. Lembrando L9

“Um aluno disse: agora que eu to entendendo para que serve tanta fórmula de matemática.”

vemos que este questionamento gerou um comentário que achamos bastante interessante. Ele também cobrou de Lúcia a resposta certa, assim como outros participantes da oficina. Teria o aluno inferido este raciocínio a partir do uso do software? Teria sido o software o artefato mediador? Ao olharmos com cuidado para oficina e para os acontecimentos do dia, podemos observar que não foi o uso da tecnologia que gerou este raciocínio. No caso, a oficina trabalhou com a visualização de ‘sólidos inimagináveis’, com ‘nomes impronunciáveis’, como disse Lúcia. E o software permitiu esta ação. Segundo Lúcia, seus alunos não sabiam o que eram arestas e vértices; no máximo, sabiam reconhecer faces, disse. Revelou-nos que o reconhecimento desses elementos era a sua intenção com o exercício da contagem. Não era a sua intenção que seus alunos chegassem a respostas corretas na contagem deste elemento, pois, dada a complexidade dos sólidos, este exercício era de difícil resolução.

Neste caso, foram a oficina e a explicação de Lúcia sobre a relação de Euler (ou seja, a própria fórmula) que, na realidade, mediaram o desenvolvimento do raciocínio deste aluno. Podemos aqui identificar um movimento expansivo do aluno? Nesta ação, que poderia não ter acontecido, como não aconteceu após a oficina de Cida, pelo menos, para o aluno de Lúcia, o uso de ‘tantas’ fórmulas em matemática passou a fazer sentido.

Já Verônica queria encantar seus alunos, assim como se encantou com o software. Lembrado que procurar atingir seu aluno é uma ação costumeira de Verônica. Retomando a sua fala (Excerto 1),

“Eu acho que nestes 25 anos eu não passei nem um ano sem fazer alguma coisa prá buscar outras... Outras alternativas de atingir o... para atingir o aluno”.

Contudo, Verônica ao repetir a oficina de Lúcia, na tarefa de contar ‘arestas, vértices e faces’, tomou o cuidado de não deixar que seus alunos escolhessem qualquer sólido. Ela explicita em seus exercícios ‘escolha o cubo’ e o ‘tetraedro’.

O encantamento das professoras me faz acreditar que ambas viam o software como o objeto de suas oficinas, gerando um ‘desacordo’ na visão que tínhamos do artefato.

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Contudo, a idéia era o de fazer uma avaliação após as oficinas.

6.3.2 Percepções sobre a relação artefato objeto da atividade.

Do Quadro 7, Capítulo 5, observo que os seguintes destaques relacionam-se com conflitos e/ou distúrbios na percepção sobre a relação entre artefato e objeto da atividade:

M3: Maior tempo foi despendido na Atividade 1.

M4: Deixei que ‘batizassem’ os seus pontos da forma como queriam

M5: Marco preocupava-se em esclarecer todas as questões no momento em que elas surgiam M6: Houve um debate (não programado).

M7: Aluno comenta “parece um céu estrelado”

M8: Marco e alunos discutiram e avaliaram as atividades. L4: Contar vértices e arestas gerou polêmicas.

L5: Não sabíamos a resposta

L7: Lúcia não se abalou com a falta de resposta certa. L8: Alunos cobraram da professora uma resposta correta

L9: Um aluno disse: agora que eu to entendendo para que serve tanta fórmula de matemática. V6: Verônica dizia que o objetivo de incluir a atividade de Lúcia (com MathSolid) era para ‘encantar’ o seu aluno.

V7: No planejamento, questionava se poderíamos transferir para o computador, atividades que faziam uso de material concreto.

Artefatos mediam a atividade humana e, portanto, alteram-na. Irei comentar aqui M3, M4, M5, M6, e M7 porque as considero representativos e, portanto, ilustra bem a tensão existente entre diferentes percepções sobre a relação artefato/objeto da ação.