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O QUE NOS REFERENCIA TEORICAMENTE?

4.4 Os princípios da TA (segundo Engeström), um quadro teórico para análise da pesquisa

4.4.5 A aprendizagem expansiva

Decorrente do papel das contradições internas da atividade na perspectiva da TA, o sistema atividade pode se desenvolver expansivamente. Contradições podem gerar distúrbios (tensões) e conflitos, mas também dar origem a iniciativas inovadoras para mudar a atividade, possibilitando nesse contexto transformações expansivas nos sistemas-atividades (ENGESTRÖM, 1987).

209 Tradução de “The internal tensions and contradictions of such a system are the motive force of change and development. They are accentuated by continuous transitions and transformations between these components of an activity system, and between the embedded hierarchical levels of collective motive-driven activity, individual goal-driven action, and automatic operations driven by the tools and conditions of action (Leont’ev, 1978). This kind of explanation makes it possible to include both historical continuity and, local, situated contingency in the analysis.”

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Engeström desenvolveu o conceito de ciclo expansivo de desenvolvimento que é constituído pelos processos de internalização – em que o ser humano internaliza conhecimentos, conceitos, valores e significados, reproduzindo-os em suas relações sociais – e externalização – em que o ser humano, por meio de sua capacidade criativa, transforma a realidade vivida. No processo de externalização, poderão ser criadas novas ferramentas técnicas ou psicológicas (objetivação) que mediarão a relação entre sujeito e objeto.

Um ciclo expansivo de transformação se completa quando o objeto (motivo) da atividade é reinterpretado e re-conceptualizado dando origem a um novo ciclo – novas formas de organização social a partir da transformação de uma precedente.

Este conceito parece dar sentido ao que viemos, até então, chamando de reorganização da atividade humana (TIKHOMIROV, 1981). Poderíamos então, entender a reorganização da atividade como a mobilização intencional (coletiva) dos indivíduos diante à situação problemática (perturbada) ou nova.

Ciclos podem dar a idéia de movimentos repetitivos. Contudo, o ciclo expansivo, assim como discutido por Engeström (1987), é caracterizado por um movimento em espiral. O movimento da atividade caracterizada pelo ciclo expansivo é entendido por Engeström (2001) como uma experiência coletiva (engajamento coletivo) pela zona de desenvolvimento proximal (ZDP210) da atividade: “É a distância entre as ações diárias dos indivíduos e novas formas [historicamente construídas] de atividades sociais/societais que podem ser coletivamente geradas como uma solução para situações contraditórias potencialmente imersas nas ações de todos os dias” 211 (ENGESTRÖM, 1987, p.184). 4.5 Dialogando com a Teoria da Atividade

Mudança e Resistência

Deste ponto em diante, passo a reinterpretar mudança como o engajamento coletivo dos

210 Nesse ponto, Engeström reinterpreta o conceito desenvolvido por Vygotsky a ZDP que pode ser definida

como a distância entre o nível de resolução de um problema (ou uma tarefa) que uma pessoa pode alcançar atuando independentemente e o nível que pode alcançar com a ajuda de outra pessoa mais competente ou mais experiente nessa tarefa.

211“It is the distance between the present everyday actions of the individuals and the historically new form of the societal activity that can be collectively generated as a solution to the double bind potentially embedded in the everyday actions.” (ENGESTRÖM, 1987, p. 174)

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sujeitos para a reorganização da atividade. A reorganização dos sujeitos mediante uma situação contraditória se daria no jogo dialético entre os processos de internalização e externalização. O reconhecimento de uma ZDP pode ser interpretado como o reconhecimento da possibilidade de um desenvolvimento expansivo.

Essa investigação teve origem no estudo de um trabalho colaborativo com professores de matemática que tinham como objetivo implementar o uso do computador em sua prática docente. Assim, questionava-se quais seriam os reflexos da participação desses professores em processo de Formação Continuada que tem como proposta trabalhar colaborativamente. A mudança do professor estaria relacionada aos ‘movimentos percebidos pelo formador’ nos modos de participação no grupo, em suas formas de conceber o uso do computador em uma atividade didática e nas maneiras de pensar e perceber a própria matemática.

Por outro lado, a resistência tem sido interpretada como a negação do professor em movimentar-se na direção estabelecida por processos de formação. Contudo, as primeiras observações nesse contexto e observações em outros processos de formação levaram esta pesquisadora a indagar sobre o papel da resistência em processos ‘ditos’ de mudança. Os estudos de Roth et al. (2005), que fundamentam suas análises na lógica dialética, passam a ressignificar o papel desempenhado por este fenômeno chamado resistência em uma atividade coletiva de aprendizagem de Ciências. Suas questões englobam a natureza e a função da resistência na estrutura de uma atividade de design; vai além, no sentido de tentar responder

“Que relação existe entre resistência e produção e reprodução de práticas culturais?” (p.81)

Nessa discussão, os autores lançam mão da percepção sobre papel das contradições internas em uma atividade. Tensões, conflitos e contradições internas a uma atividade são consideradas possíveis forças propulsoras para a mudança (transformação).

No entanto, contradições por si só não geram as mudanças. Para os autores, contradições existentes se expressam, no mundo das percepções do sujeito em atividade, como resistência. Ou seja, a resistência é percebida subjetivamente, “na primeira pessoa”. Os autores afirmam “contradições levam à mudança porque seres humanos fundamentam

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(legitimam) sua ação na e em relação à resistência, esta se relaciona com a contradição em uma unidade dialética”212 (p.87).

No caso da atividade de design descrita no estudo desses autores, a resistência é uma resposta do mundo dos objetos materiais para as ações do designer no seu intento de fazer cumprir uma intenção subjetivamente concebida. Roth et al (2005) concluem que, em uma atividade de design contradição|resistência213 gera mudança (aprendizagem) porque nessa situação sujeitos reorganizam sua ações e reconceptualizam a atividade.

Com base nesses estudos, das contradições internas emergem mudança e/ou resistência. Ou seja, contradições internas podem dar origem a desenvolvimentos expansivos e não expansivos.

Assim, o estudo das contradições pode dar-nos ‘pistas’ de como manifestações de resistências emergem e/ou como mudanças, desenvolvimento, ou mesmo, transformações em uma atividade podem ocorrer. Contudo, nesta perspectiva, assumo dois recuos estratégicos.

Primeiro, detectar contradições não é uma tarefa simples como fazemos parecer, uma vez que, no meu modo de ver, a ‘percepção’ das contradições, no senso comum, torna-se subjetiva. Nas palavras de Engeström (2001):

Contradições não são o mesmo que problemas ou conflitos. Contradições são tensões

estruturais historicamente acumuladas em e entre sistemas-atividades. A contradição primária das atividades no capitalismo ocorre entre o valor de uso e valor de troca das commodities. Essa contradição primária se faz presente em todos os elementos de nossos sistemas-atividades. (p.137) 214

Segundo, “sistemas-atividades movem ao longo de ciclos relativamente longos de transformações qualitativas” (idem). Da mesma forma, as mudanças. De fato, estudos sobre a mudança (de uma professora de matemática) como o de Polettini (1999) e sobre como ‘o professor de matemática torna-se o professor de matemática que é’

212 Tradução de “contradictions lead to change because humans being ground (legitimize) their action in and

relative to resistance tied to the former in a dialectical unit”.

213 Os estudos de Roth et al (2005) em direção a uma perspectiva dialética se apropriam-se do ‘Sheffer stroke’

para indicar duas idéias ou dois conceitos “mutuamente excludentes”, contudo, se pressupõem.

214Tradução de “Contradictions are not the same as problems or conflicts. Contradictions are historically accumulating structural tensions within and between activity systems. The primary contradiction of activities

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(ROLKOUSKI, 2006) utilizam como estratégia de estudo parâmetros metodológicos da História Oral. Reconheço ser impossível, na minha perspectiva e nesse momento, detectar mudanças como os estudos de Polettini (ibidem) e Rolkousky (ibidem) ou ainda, transformações expansivas como proposto por Engeström (1987, 2001). Contudo, reconheço que no estudo aqui posto é possível investigar como nos movimentamos (sujeitos da atividade) em processos intencionais de desenvolvimento profissional.

No âmbito desta investigação, os dados revelam tensões e distúrbios sentidos e conflitos vividos nos processos de discussão, planejamento e implementação (em sala de aula) de uma oficina de matemática em que o computador é utilizado, e em que atividades investigativas seriam implementadas. A análise das tensões, dos distúrbios e dos conflitos revela que contradições internas das atividades de ensinar matemática e de formação do professor em serviço permeiam os movimentos expansivos (aqui muitas vezes expresso pela palavra mudança) e não expansivos que ocorreram nos processos descritos nessa pesquisa.

No próximo capítulo, retomo para análise alguns fatos relatados e o quadro das prevalências construído e exposto no Capítulo 3.

Após leituras e reflexões sobre o referencial teórico apresentado, as minhas questões iniciais:

Neste cenário, professores resistem de fato? Se resistem, a quê resistem?

A mudança do professor significa a superação de uma resistência? De quê resistência falamos?

Ao resistir o professor ‘diz não’ à mudança?

foram reconstruídas. A partir de minha busca por uma compreensão mais cuidadosa de possíveis relações existentes entre mudança e resistência dos sujeitos desta pesquisa, a questão se reconstrói como:

Como se relacionam mudança e resistência (talvez, até mesmo à mudança)

no sujeito em uma atividade de formação continuada de professores de matemática que têm como objetivo declarado incorporar o uso do computador em sua prática docente?

121 Capítulo 5