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A FORMAÇÃO CONTINUADA COMO CONTEXTO PARA A PESQUISA E A OPÇÃO METODOLÓGICA PARA A COLETA DE DADOS

A. Em 2005: A constituição do grupo

Nossas atividades no ano de 2005 tiveram início no final do mês de abril. A cada início de ano, procuramos retomar o trabalho iniciado juntamente com os participantes da FC, do ano anterior. Dessa maneira, como em 2004, marcamos inicialmente nossas reuniões para os sábados pelas manhãs, tendo a primeira delas acontecido no dia 30 de abril, com presença de apenas dois professores participantes veteranos – Marco e Maína – e três formadores – Márcia, Teresinha e Ana Paula.

É importante ressaltar que, até acertarmos um horário comum, nossos encontros no início de cada ano têm sido confusos com flutuação na participação dos professores e também dos formadores. Para dar uma idéia, menciono, por exemplo, que em um segundo encontro marcado para o dia 14 de maio, contamos com a presença de três professores veteranos – Cida, José I e Maína – sendo que somente Maína havia participado do encontro anterior. Também, a cada ano, professores novatos nos procuraram após exposição de trabalhos do GEPEMNT em eventos públicos tais como, por exemplo, a Mostra de Profissões da UFMG141. Nesse ano, acontecia em maio, nas dependências do ICEx, um Curso de Capacitação de Professores de Matemática da Rede Estadual de MG, ocasião em que tivemos a chance de divulgar as atividades da FC. Em decorrência desta divulgação, cinco professoras novatas – Lúcia, Verônica, Edna, Lindalva, Eliane – nos procuraram e passaram a integrar o grupo de professores-participantes da FC.

141 A Mostra de profissões é um evento anual promovido pela UFMG que acontece desde o ano de 2004. A

Mostra tem como objetivo divulgar informações sobre as diferentes opções de cursos de graduação oferecidos por aquela universidade para alunos e professores do ensino médio.

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Assim, no primeiro semestre, contamos com um grupo de aproximadamente 12 (levando em conta as flutuações) professores-participantes, dos quais quatro professores (Cida, Maína, Bruna, Marco e José I) eram professores-veteranos.

Dentre os formandos no grupo, à exceção das professoras Cida e Maína, os demais formandos jamais tinham vivenciado uma experiência de uso do computador em uma sala de aula de Matemática.

Também com uma experiência distinta dos demais, o professor Marco, apesar de não ter utilizado o computador em suas aulas de matemática, tinha (tem) conhecimento profundo sobre o assunto, pois havia cursado uma especialização em Informática Educativa, na UNIBH. Ele também prestava (ainda presta) serviços ao NTI, ligado ao subgrupo 1142. Assim, com exceção destes três professores, de um modo geral, nesse ano, os professores nos relataram que conheciam somente de forma superficial alguns software matemáticos143, desconhecendo propostas sobre como incorporá-los ao ensino de um tópico matemático. Por exemplo, as professoras novatas que participavam do Curso de Capacitação para professores do estado de MG, mencionado anteriormente, haviam experimentado o ZUL (Régua e Compasso, software de geometria dinâmica) nesse mesmo curso. Entretanto, em seu depoimento, esta iniciação resultou em apenas uma vaga idéia das propostas de utilização do software em uma aula de matemática.

Nosso primeiro encontro (oficialmente, o terceiro daquele ano) com este grupo ampliado, que incluiu as professoras novatas, aconteceu apenas no dia 11 de junho. Caracterizou-se por uma discussão inicial bastante calorosa com participação de todos na exposição de seus motivos para fazerem parte do grupo. Uma razão recorrente para participar da FC era a ansiedade do professor com respeito ao ensino e aprendizagem de matemática, de uma maneira geral, e laboratórios de informática ‘abandonados’ na instituição escolar onde trabalhavam.

Cito aqui a fala de apresentação da professora Eliane no encontro do dia 11/06. Apesar de Eliane, por motivos pessoais, não ter podido continuar a participar de nossas reuniões, suas

142 Mencionado no subitem “A. Em 2004: constituição do grupo”, seção 3.3.2.

143 Denominarei aqui, software matemático, o software utilizado, de um modo ou outro, para o ensino de um

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palavras expressaram por completo a ansiedade que muitos outros professores demonstraram ter:

Eliane:“Meu nome é Eliane. Eu tenho uma grande ansiedade. Eu conheci a Ana Paula e o Felipe na feira de profissões... Logo que eu vi ‘matemática computacional’, eu fui correndo prá lá. Porque eu tenho também a mesma angústia da colega, lá [na escola] tem um laboratório, já está todo montado, mas não tem ninguém que mexe e aí a direção da escola fica também com medo de deixar mexer e estragar porque não tem nenhum técnico, ninguém responsável pela manutenção e a escola não tem dinheiro prá manutenção e[eee], a minha angustia é justamente esta. Não é possível você ficar ali com aquele investimento todo lá pegando teia de aranha e uma sala enorme, e sem usar e eu angustiada na sala de aula só com ‘pó de giz e cuspe’ como se diz, eu já num guento mais entendeu? Então, assim, quando eu vim para esse curso de capacitação [refere-se ao curso para capacitação de professores de Matemática acima referido] eu vim com muita esperança de ver MUITA coisa nova [Todos: uhhh!] mas eu vi que foi muito conteúdo, muito conteudista e não era isso que eu tava esperando viu? Entendeu? Eu estava esperando justamente, novas maneiras... Novas didáticas de dar aula. Aí ontem (no final) deu uma melhorada, passaram uns joguinhos prá gente (...) mas tudo de quinta a oitava, teria que adaptar para o segundo grau também. Então a minha angústia é justamente essa porque, eu não consigo atingir (..) aluno de (aula de ) 45 alunos só falando. Eu não dô conta, nem que eu virar de cabeça prá baixo na sala de aula, eles não vão olhar prá mim, eu não dou conta. E eu vejo assim, que.. os alunos, eles têm essa ansiedade e nós também temos né? Nós também vivemos na era da informática e não usamos nada... Só cuspe e giz, num tem condição de fica só no... Isso aqui já era viu? (apontando para o quadro branco). E eu gostaria de sair daqui capaz de chegar lá e falar pra diretora... Nós agora... Abre esse laboratório, que nós vamos ter aula. Imperativo, entendeu? Vai ser diferente, de agora prá frente vai ser diferente... E eu vim em busca disso.”

(Excerto 3, reunião de 11/06/2005)

Nas palavras de uma outra professora, percebemos a mesma ansiedade:

Lindalva:”(…) meu nome é Lindalva e a minha expectativa é muito grande porque eu acho que tá muito difícil a gente passar conteúdo para o aluno. Eu não sei... Então tem que ficar imaginando as coisas e quanto mais a gente aprender, melhor prá gente. Então eu, a minha expectativa prá esse grupo aqui é de tá aprendendo prá tá passando.

(…) quero aprender o máximo prá chegar na escola e ver o que eu posso tá aplicando, o que é que eu tenho condição de estar aplicando ali.”

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Nesse dia – um dia de apresentações, de colocação de expectativas, descrição das escolas em que lecionavam – foi possível perceber que alguns professores vinham de escolas em que um laboratório de Informática havia sido implementado através da participação da escola no projeto ProInfo. Contudo, por um motivo ou outro, os laboratórios não eram utilizados.

A dificuldade em utilizar a sala de informática foi relatada por alguns professores, como Eliane. A administração de sua escola, como a de várias outras, teme pela ‘segurança’ dos equipamentos. Parte do depoimento de Eliane é representativo e semelhante a muitos outros que havíamos já ouvido em nossa experiência com a formação continuada de professores de matemática.

Eliane: E nesse período, quando eu comecei a... Quando eu encontrei com Felipe, eu peguei uns programas de matemática interativa, vê se, nós vamos dar um jeito de, pelo menos, uma aula por semana, a gente conseguir mudar alguma coisa. Aí, fui na escola direto, toda empolgada. Aí a diretora da escola virou prá mim e falou assim: “tudo bem, tá fechado, mas se der algum problema lá, não tem técnico nenhum prá consertar e depois? Você tem 45 alunos, lá tem oito computadores funcionando... o que é que vai acontecer com o resto da turma? Que é que você vai fazer com o resto da turma, enquanto isso?”. Sabe, eu aí já saí chateada, mas eu “eu não vou deixar de fazer o curso”. Eu vou fazer o curso, porque aí depois, quem sabe... aí depois muda a direção. Essa direção não abre mão; e aí mudando a diretora... às vezes as coisas mudam depois né?

(Excerto 5, reunião de 11/06/2005) Eliane alude ao encontro com Felipe na Mostras de Profissões da UFMG daquele ano. Nesse encontro, Felipe e integrantes do GEPEMNT divulgaram o nosso trabalho e distribuíram CDs como o projeto MIL144. Eliane menciona a falta de uma pessoa especializada145 para cuidar da manutenção do equipamento e da dificuldade – mencionada pela diretora de sua escola – de se trabalhar com turmas grandes em um laboratório146 com número reduzido de computadores.

144 Os CD’s contendo o MIL (Matemática Interativa Linux) – uma distribuição do sistema operacional Linux

com inúmeros programas educativos para o aprendizado da matemática.foram distribuídos, tendo como referência o preço de custo de um CD virgem. Esta distribuição foi idealizada e organizada por Felipe.

145 Em Brasil (1997, p.7) constatamos que é prevista a “alocação de técnicos de suporte em informática para

as escolas (no mínimo por escola)”.

146 O ProInfo tem hoje como proposta implementar em cada escola participante do projeto: 10

computadores, uma impressora laser, Roteador Wireless, sistema operacional Linux Educacional 2.0. (Fonte: http://portal.mec.gov.br/seed/index.php?option=content&task=view&id=209&Itemid=351)

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Verônica nos relata que em sua escola, o equipamento chegou, mas nunca foi instalado em rede e, portanto, nunca foi utilizado.

Lúcia nos contou que, apesar de a direção da escola ser ‘aberta’ e incentivar a utilização do laboratório, nunca ninguém utilizou a sala. Segundo Lucia, o sistema operacional implantado era o Linux e, nem ela e nem seus colegas sabiam como utilizá-lo.

Num diálogo entre Lúcia (L) e esta pesquisadora (T) sobre o laboratório que permanecia ‘ocioso’, Lúcia destaca esta como sendo a razão de sua participação na FC.

Teresinha: E qual é o seu interesse?

Lúcia: o meu laboratório lá fechado (todos riem). Sabe... Tá lá fechado esperando que alguém tome uma iniciativa de colocar ele prá funcionar.

Teresinha: Nenhum professor?????

Lúcia: Ninguém lá domina Linux. Tá lá fechadinho... A escola é aberta mesmo, a diretora quer que a gente utilize, trabalhe, mas como? Né? Não tem ninguém habilitado.

Teresinha: Não houve capacitação?

Lúcia: Não, nenhuma, o Estado prometeu... Aquelas promessas... Mas... [sussurro] Nós não temos nada, sabe? Colocaram o laboratório lá e (...) se virem...

Teresinha: Nunca foi utilizado nem... Lúcia: Não...

Teresinha: ... prá administração, prá..

Lúcia: Não, prá nada... Nós entramos e “nossa bonito mesmo” Teresinha: São quantos computadores?

Lúcia: São dez. Já estão ligadinhos em rede, tudo bunitinho... E aguardando... [incompreensível] que eu tenha essa capacitação147 [inaudível], e aguardando prá começar utilizar no final do ano.

Teresinha: Nessa capacitação não houve treinamento, capacitação coisa prá computador não, né?

Lúcia: Houve, mas não foi Linux. O problema todo está sendo lá... É ter um programa que ninguém domina.

(Excerto 6, reunião de 11/06/2005)

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Nessa fala de Lúcia surge a demanda por um ‘treinamento148’ para a utilização do sistema operacional Linux.

Após a fase inicial de apresentações e exposição de nossas razões e ansiedades, passamos para o primeiro momento (como proposto pelo nosso projeto): a da leitura de textos e exploração de software por meio de oficinas matemáticas.