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A FORMAÇÃO CONTINUADA COMO CONTEXTO PARA A PESQUISA E A OPÇÃO METODOLÓGICA PARA A COLETA DE DADOS

3.2 A opção metodológica deste estudo

Nas palavras de Alves-Mazzotti (2002) “não há metodologias ‘boas’ ou ‘más’ em si, e sim metodologias adequadas ou inadequadas para tratar de um determinado problema (p.168)”. Tive como objetivo inicial, observar indícios de mudanças e, posteriormente, sinais de resistência na participação de professores de matemática e formadores em processo colaborativo de formação continuada que tem como foco a inserção (refletida e crítica) do computador na prática docente do professor participante. Nesta investigação, considero o papel de destaque das ações reflexivas, das tomadas de decisões, das discussões dos conflitos neste processo de formação e julgo, desta forma, ser o método qualitativo a abordagem que melhor se adéqua e, portanto, aqui eleita, para a condução desta pesquisa. Sustento minha opção em Lüdke e André (1986), que destacam a análise qualitativa como adequada para a realização de uma pesquisa onde se privilegia a realização de estudos dinâmicos dos problemas, decisões e ações, negociações, conflitos, tomada de consciência que ocorrem entre participantes do estudo. Ainda segundo as autoras, a análise qualitativa prioriza a descrição e a análise de fatos no contexto em que elas acontecem, a interação entre sujeitos, pesquisador e objeto de estudo, além da ênfase no processo de conhecimento e suas inter-relações.

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Outra característica da abordagem qualitativa com a que este estudo se identifica é a do caráter emergente da pesquisa aqui proposta. Borba e Araujo (2004), retomando Lincoln & Guba (1985) descrevem o design de uma pesquisa qualitativa como emergente e constituído conjuntamente por pesquisador e pesquisados à medida que a pesquisa se desenvolve e que decisões são negociadas entre ambos.

No caso desta pesquisa, propus inicialmente o estudo dos reflexos (inicialmente, entendido – de forma ingênua, por esta pesquisadora – como mudança), em geral, da participação do professor em um processo de intervenção coletiva no sentido de implementar o uso do computador em sala de aula (KAWASAKI, 2003).

No entanto, em observações exploratórias realizadas no contexto de dois programas de formação continuada de professores de matemática, chamaram também a minha atenção os sinais de resistência à implementação, de fato114, do uso do computador em sala de aula por parte do professor de matemática participante dos programas mencionados e descritos em Kawasaki (2005). Passei então, a observar estes sinais, buscando a compreensão e a caracterização dessa resistência e de possíveis razões que levaram o professor-participante a manifestá-la.

Particularmente, propus estudar a relação que poderia, eventualmente, existir entre as razões para o professor resistir e suas crenças acerca da natureza da matemática e acerca de seus processos de ensino/aprendizagem. Uma vez que, um olhar mais cuidadoso à situação pode indicar que, muitas vezes, o que interpretamos como manifestações de resistência às novas tecnologias podem sinalizar resistência à opção pedagógica proposta pelo nosso projeto de extensão.

Assim, no projeto desta pesquisa, descrevo a proposta de projetar, desenhar e programar coletivamente, aplicativos de acordo com “suas escolhas” para uso em suas salas de aula (ibidem). Esta seria uma estratégia para que idéias acerca da natureza da matemática (seu ensino e aprendizagem) pudessem, eventualmente, serem ‘externalizadas’ na produção/confecção de um objeto/ferramenta para fins de uso em sala de aula.

114 A expressão ‘de fato’ aqui e em outros lugares do texto expressa quando o uso do computador é

incorporado na prática do professor de matemática de forma crítica. Tal incorporação não implica necessariamente no uso constante (indiscriminado) da informática em sala de aula, mas no uso em situações em que o professor avalie que novas possibilidades possam ser incorporadas em processos de ensino e aprendizagem de matemática.

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A concepção de tal desenho para o projeto desta pesquisa neste momento de seu desenvolvimento encontra respaldo em CRAWFORD (1994) quando destaca que a participação do professor na projeção de um ambiente de aprendizagem mediado pelo computador explicita as concepções do professor sobre: (i) o conhecimento do aluno; (ii) como aprendem os alunos; (iii) o papel do professor como o facilitador da aprendizagem; (iv) como recursos computacionais podem ser utilizados em contextos educacionais; e (v) modos de representar o conhecimento sobre o tema tratado.

Em minha busca por trabalhos com tais características chego a HARRISON e ZAPPEN (2002) que relatam sua experiência na projeção e design de um sistema de informação comunitário, desenvolvido colaborativamente com técnicos, sociólogos e integrantes da comunidade local da cidade de Troy, Nova York. Os autores fundamentam seu trabalho em conceito que desconhecia, o de processos participatórios de design115.

Conceito baseado na Teoria da Atividade, os processos participatórios de design enfatizam a importância do trabalho com os integrantes de uma comunidade para o desenvolvimento de metas compartilhadas ou objetivos comuns através da discussão colaborativa e o engajamento, na prática – hands on – de atividades de design.

Nessa mesma linha, havia também a nossa experiência anterior com o desenho e planejamento de software em colaboração com outras pessoas. Em minha opinião, essa atividade havia se constituído como uma fonte rica na busca de informações sobre a percepção das pessoas envolvidas e, particularmente, do professor de matemática acerca dos processos envolvidos no ensino e aprendizagem de um tópico matemático. Pensei nesta como sendo uma boa proposta para condução da pesquisa junto ao nosso grupo de formação. Entretanto, mediante a oferta de um pacote (quasi)completo de aplicativos, desenvolvido e organizado por Felipe Heitmann, integrante (aluno da graduação e ‘computer freak’) do GEPEMNT, este processo – design coletivo de aplicativos – não se concretizou. Alguns integrantes foram seduzidos, naquele momento, pelas possibilidades abertas pelo MIL116 (Matemática Interativa Linux). Com os objetos do MIL, passamos a pensar e produzir as nossas oficinas.

115 Tradução da autora para o termo "participatory-design processes"

116 Na análise dos dados, retomarei a discussão sobre este pacote de aplicativos matemáticos, uma vez que,

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A não realização da projeção coletiva de um software ‘ideal’117 foi um acontecimento não previsto que emergiu da dinâmica de nossas ações e, apesar da não concretização da projeção coletiva, eu entendo este fato como uma escolha feita pelo grupo e como um dado a ser analisado e discutido. Por outro lado, minhas primeiras leituras sobre a Teoria da Atividade aconteceram durante a busca por situar o projeto em desenvolvimento na literatura de pesquisa na área. Este encontro foi fundamental, em termos da escolha do referencial teórico que fiz para orientar o meu olhar no contexto desta pesquisa.

3.2.1 Observação participante e sujeitos de pesquisa

Os professores que participam desta formação são cientes de minha condição como formadora e como pesquisadora, caracterizando essa investigação como uma observação participante (LÜDKE e ANDRE, 1986). Nesta forma de observar, o investigador integra- se ao meio a ser observado, acompanha e vivencia a situação concreta que vive o sujeito da investigação.

Porém, o observador não se ‘confunde’ e ‘não se passa por’ ou ‘não assume um papel’ que não é o seu dentro do grupo, sendo o instrumento principal de observação. Esta é uma técnica de investigação qualitativa adequada ao investigador que pretende compreender, num meio social, um fenômeno em um contacto direto, freqüente e prolongado com os atores sociais e os seus contextos.

Assim, durante o processo investigativo, assumi simultaneamente os papéis de formadora e pesquisadora. Considero como sujeitos desta pesquisa todos os participantes dessa formação – formandos e formadores – incluindo no grupo de formadores, esta pesquisadora. Acredito que isto se justifica pelo fato de que, na proposta de formação continuada concebida por nosso grupo, as decisões são tomadas por meio de negociações entre pesquisadora e pesquisados e a colaboração depende do esforço de cada e (todo) participante do grupo.

117 A idéia de denominá-lo um ‘software ideal’ decorreu de minha experiência com professores de um curso

de especialização em que propus pensarmos sobre um software que fosse ideal para abordar um tópico matemático em sala de aula. Isto porque quando expostos a software existentes, estes professores, de maneira geral, tinham alguma mudança a sugerir: “este aplicativo poderia ...”, ou “falta ...”. Em suma, o meu perfil como programadora (de computadores) mantinha-me atenta para estes comentários.

63 3.3.2 A coleta de dados

Registro das reuniões

Formalmente, os dados foram coletados durante nos anos letivos de 2005 e 2006. Nesse período, observei vinte e nove reuniões, cada uma com aproximadamente 3 horas de duração. Os registros desses encontros foram feitos por meio de gravações em áudio, e notas de campo. Em todos os nossos encontros, eu colocava um mini gravador de fita cassete em local estratégico da sala, sempre ao meu alcance. Acionava a função ‘gravar’ e deixava a gravação correr, com pequenas interrupções somente para as trocas de fitas. Esta foi uma opção estratégica de gravação para não comprometer o andamento da reunião e de minha ação como formadora. Inicialmente, eu cheguei a posicionar o gravador diante de cada pessoa que falava. Entretanto, essa forma de gravar mostrou-se inadequada em uma reunião longa como a nossa, causando também certo constrangimento aos participantes. Simultaneamente, eu e a aluna bolsista Ana Paula anotávamos os principais acontecimentos de nossas reuniões e eu, em particular, registrava minhas observações pessoais.

Registro das oficinas

Em 2005, professores ministraram cinco atividades matemáticas com computadores para seus alunos.

Em 2006, uma única professora ministrou duas atividades, uma em cada semestre, com o mesmo grupo de alunos.

Esses eventos foram registrados, em sua grande maioria, por meio das notas de campo e em uma ocasião por meio de gravação em vídeo. Mantive também, as ‘folhas de trabalho’ escritas pelos professores, onde eles passavam orientações aos alunos sobre as tarefas a serem realizadas. Estas folhas estão disponibilizadas entre os Anexos.

Registro das avaliações

Ao final de cada um dos anos em que o projeto funcionou, professores do grupo de formação deram depoimentos sobre sua participação, por meio de relatos, nos Seminários do GEPEMNT. Estes seminários foram concebidos por nosso grupo de estudos com o intuito de fazermos um balanço de todas as atividades de todo o grupo de estudos, incluindo nelas as atividades da FC. Registramos em vídeo todas as apresentações, incluindo a dos professores do projeto de formação continuada. Estes vídeos constituíram-

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se também como material que consultei, ao elaborar esta tese. Estão disponíveis nos arquivos do GEPEMNT.

Extras

Finalmente, a correspondência trocada por meio eletrônico entre todos os participantes durante e a posteriori suas participações nas atividades da FC e conversas informais foram ferramentas adicionais enriqueceram o corpus deste trabalho. Mantenho-as colecionadas em arquivo pessoal.

3.3 Descrição (em linhas gerais) das atividades desenvolvidas na Formação