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A primeira vítima do meteorito

No documento Jornalismo e Mercado (páginas 164-167)

3.3 A associação da internet ao jornalismo

3.3.2 A primeira vítima do meteorito

Os jornais em papel foram a primeira vítima da Internet.

O “erro de cálculo” dos jornais nos primórdios da Internet é hoje inquesti- onável (Downie Jr. e Schudson, 2009: 16). Quando, finalmente, o inesperado revela os contornos e a dimensão, os estrategas da imprensa escrita avançaram para a única solução que lhes pareceu eficaz no combate aos efeitos: transpor para as novas edições online a totalidade dos conteúdos impressos, sem apli- carem quaisquer custos aos consumidores, deixando a subsidiação dos jornais na responsabilidade direta dos leitores das edições em papel. Acreditando que a nova plataforma poderia ser o destino natural das receitas publicitárias que decresciam nos jornais, os proprietários tentaram, com essa transposição gratuita, “atrair audiências e anunciantes para as edições na Internet” (idem, ibidem).

O erro de cálculo, identificado pelos autores, traz associado um outro: a transposição direta, e sem preocupações de identidade, do conteúdo das edi-

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ções em papel para as edições digitais, por si só, haveria, como veremos, de se revelar incapaz de gerar, imediatamente, o necessário crescimento em massa do número de leitores, ainda muito habituados à interação física com o papel. Os últimos anos do século XX ficam marcados pelo esforço dos empre- sários em compensarem as receitas perdidas através da Internet. O tráfego na nova plataforma, como assinalam Leonard Downie Jr. e Michael Schud- son “ajudou a criar um breve e ilusório boom do investimento publicitário” (idem, ibidem: 16). Ora foi essa credulidade que alimentou os investimentos megalómanos nas chamadas dot.com.

O século XXI herda os reflexos do rebentamento da bolha. Ao receio de novas tentativas de investimento falhadas veio juntar-se a acumulação de prejuízos, que a quebra de receitas em cascata ia tornando incomportáveis, provocando a falência ou a descaracterização de muitas empresas.

Nos jornais “menos jornalistas fazem menos reportagem em menos pá- ginas”; as televisões e as rádios “perdem audiência, receitas publicitárias e recursos de reportagem”. Na análise ao impacto da Internet no jornalismo norte-americano, Leonard Downie Jr. e Michael Schudson não anteveem o fim dos jornais ou da informação televisiva e radiofónica, mas pressentem que os meios clássicos irão “desempenhar papeis cada vez mais secundários no mundo do jornalismo digital em permanente mudança” (idem, ibidem: 1).

Rosental Alves realça a tendência demonstrada por alguns media infor- mativos para cometerem um “midiacídio”: incapazes de resistirem aos efeitos das mudanças tecnológicas, muitos meios tradicionais acabarão por morrer. Alves alarga a possibilidade desse “midiacídio” aos jornalistas que não consi- gam adaptar-se à nova realidade (2006: 95). Os efeitos foram especialmente observados em mercados fortes, como o americano:

“Na primeira década do século XXI, os jornais viram desaparecer pra- ticamente metade das receitas publicitárias. Um terço dos postos de trabalho extinguiu-se. Nos últimos 20 anos, as televisões perderam me- tade das audiências e das receitas publicitárias. Nesse período, os orça- mentos das direções de informação baixaram cerca de dois mil milhões de dólares” (Kovach e Rosenstiel, 2010: 12).

A crise afetou, inclusivamente, os chamados jornais de referência. O Washington Post, por exemplo, suprimiu o prestigiado suplemento literário

e o grupo proprietário do jornal alienou a revista Newsweek, pelo valor sim- bólico de um dólar. Quatro dos principais jornais americanos (Los Angels Times, The Chicago Tribune, The New York Timese o Washington Post11) per- deram 25 por cento das receitas, comparativamente a 1989, antes da erupção da Internet (Ramonet, 2011: 24, 27).

Na Europa, no Brasil, em África assistiu-se a idêntica devastação com tí- tulos de referência a desistirem das respetivas edições em papel e a fixarem-se, exclusivamente, na plataforma digital, outros optaram por reduzir o número de páginas, ou de edições semanais; a maioria reduziu pessoal para compensar as perdas (idem, ibidem: 28-30).

As empresas proprietárias dos jornais, a maioria cotadas em bolsa e ha- bituadas a distribuírem elevadas margens de lucro aos acionistas, estão hoje desvalorizadas. Nos Estados Unidos da América, Eric Alterman refere que entre 2005 e 2008 essa desvalorização chegou aos 42 por cento. A empresa proprietária do New York Times, por exemplo, viu o seu valor cair 54 por cento em quatro anos entre 2004 e 2008 (2011: 4).

A juntar à queda das receitas e das audiências, o consumo de notícias online começa a impor novos hábitos de leitura nas edições impressas. Os leitores passaram a dedicar menos tempo à leitura de jornais. Um estudo de 2006, do Pew Research Center, demonstra que em dez anos, o tempo que cada leitor dedicou aos jornais passou, em media, de 19 para 15 minutos (apud Gitlin, 2011: 95).

Os jornais que sobreviverem correm o risco de se transformar em “meras sombras do que já foram” (Starr, 2009: 1).

11O jornal Washington Post, propriedade da família Meyer-Graham há 80 anos,foi vendido

em agosto de 2013 ao empresário Jeff Bezos, presidente executivo da Amazon, por 200 milhões de euros. O jornal que investigou o Watergate e que acumula 58 prémios Pulitzer é uma das marcas globais em matéria de jornalismo e um dos títulos mais prestigiados do mundo. Nos anos 90 do século passado, o Post vendia 820 mil jornais por dia, contra os 475 mil de 2013. A venda ao fundador da Amazon, um profundo conhecedor da dinâmica da rede digital, abre uma esperança para o futuro do título. O modelo de negócio do Post pode não ser viável, mas a qualidade do jornalismo que pratica é uma referência que Bezos promete manter, como, aliás, escreveu em carta dirigida aos trabalhadores do jornal: “Os valores do Washington Post não precisam ser alterados” (TIME, agosto de 2013). A expectativa é que Bezos utilize o potencial da Internet para distribuir os conteúdos de qualidade do jornal. O jornalismo de qualidade apenas precisa de se autossustentar. A plataforma digital terá de ser o lugar certo para assistirmos a esse processo.

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