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Marcas de referência geram maiores audiências mas

No documento Jornalismo e Mercado (páginas 148-152)

3.2 Sustentabilidade do jornalismo na rede

3.2.1 Marcas de referência geram maiores audiências mas

A crise do jornalismo no século XXI não é uma crise de audiências. É uma crise de sustentabilidade financeira.

Estudos desenvolvidos pela Escola de Jornalismo da Universidade da Ca- rolina do Sul assinalam a longevidade das marcas jornalísticas de referência:

“Mesmo no universo dos novos media, os cidadãos tendem a confiar num número muito limitado de fontes, apresentadas por um número igualmente muito limitado de sítios de meios tradicionais (...) Os sus- peitos do costume: New York Times1, Associated Press, BBC, Reuters (...) Na prática, mesmo no século XXI, procuramos a autoridade em que podemos confiar, ainda que o universo da escolha se expanda diari- amente” (Kovach e Rosenstiel, 2010: 152).

Na análise que fazem do jornalismo americano, Leonard Downie Jr. e Michael Schudson chegam à mesma conclusão:

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O New York Times tira por dia 950 mil exemplares, mas é lido por 43,7 milhões de inter- nautas (Ramonet, 2011: 14).

“As marcas continuam a ter importância na Internet (...) os sites com maior tráfego estão associados às marcas de confiança que separam os factos da ficção (...) Por exemplo, a Wikipedia, a enciclopédia da In- ternet escrita e editada pelos utilizadores, começou a restringir os seus critérios de edição quando alguns utilizadores começaram a postar in- formações falsas (...) Muitas das entradas estão agora pejadas de notas de rodapé a sugerirem verificações e a remeterem para sites de marcas de confiança” (2009: 55).

Charlie Beckett, mesmo reconhecendo aos blogs a possibilidade de, em determinadas situações, assumirem a função de watchdog dos jornalistas, ad- mite que confia mais nas notícias dos meios tradicionais: “Eu vou à Reuters em vez de ir ao Little Green Footballs2para consultar notícias” (2008: 63).

Num tempo em que a tecnologia facilita o acesso a uma rede povoada de mensagens, o grau de confiança das marcas tradicionais impõe-se, sobretudo porque a produção de conteúdos jornalísticos originais não constitui matriz das novas vozes: “A maioria dos blogs” americanos, associados à emissão de notícias, vão buscá-las a “sítios de jornais ou a outros dedicados exclusiva- mente à reportagem” (Gitlin, 2011: 96).

Um estudo do Instituto Nielsen NetRatings feito em 2010 a duas centenas de sítios de informação, com origem nos Estados Unidos da América, prova que 67 por cento do tráfego é gerado pelos meios de comunicação tradicio- nais. Os restantes 33 por cento representam tráfego associado a agregadores de conteúdos, onde a maioria das fontes agregadas tem origem nos meios tra- dicionais. O estudo deteta ainda a troca de conteúdos informativos gerada nos blogs e redes sociais e conclui que 80 por cento dessa interação provém, igualmente, dos meios tradicionais (apud Ramonet, 2011: 14, 134).

A fiabilidade das marcas tradicionais não parece, por isso, ameaçada, como também não estão ameaçadas as audiências geradas pelos conteúdos produzidos por essas marcas; mas essa confiança serve pouco ao futuro do jornalismo de qualidade:

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O Little Green Football (LGF) é um “blog de direita com algumas obsessões politicas”. Ainda assim, apesar de encaixar na linha editorial do sítio, em 2006 o LGF provou que a fotografia da autoria de um fotógrafo freelancer, denunciando um bombardeamento israelita sobre Beirute, durante o conflito com o Hezbolah, era, afinal, falsa (Beckett, 2008: 63).

“A circulação de notícias originalmente produzidas pelos jornais (...) não contribuiu para manter postos de trabalho e de nada serve para garantir a viabilidade económica da imprensa de referência”. (Gitlin, 2011: 96 e 97).

Neste contexto, Ignacio Ramonet conclui que “o modelo económico clás- sico (do jornalismo) está a desintegrar-se” (2011: 11-12). O autor não resolve, todavia, o problema da sustentabilidade do jornalismo de referência, provo- cado por essa desintegração, antes recorre a uma alegoria para caracterizar o seu novo estado: “está na mesma situação de Gulliver quando chegou à ilha dos liliputianos, transportado por milhares de seres minúsculos” (2011: 22). O que essa miríade de sítios online transporta é, afinal, o jornalismo produzido pelos órgãos de comunicação social de referência.

Um estudo, publicado em 2007 pela World Association of Newspapers, dirigido aos hábitos de leitura dos mais jovens, vem reforçar o estatuto dos meios tradicionais. Apesar de, crescentemente, os mais jovens se dissociarem do contacto com esses meios, uma vez que acedem à informação, sobretudo, online, o grau de confiança da “geração das redes sociais” relativamente aos meios tradicionais é maior do que o que revelam pelos novos (apud Beckett, 2008: 72).

O relatório do Eurpean Publishers Council assinala, exatamente, a forte li- gação dos Millennials3a uma “informação séria e rigorosa”: “querem escutar vozes autênticas”, desprezam políticos e duvidam do papel dos grandes con- glomerados de media. O relatório regista, igualmente, que estes jovens não leem jornais em papel, não veem televisão em direto, desempenham diversas tarefas quando veem televisão, não acedem a sítios de notícias online; estão nas redes sociais e é a partir da partilha por elas propiciada que consomem informação (2014: 87-92).

Nos Estados Unidos da América e nesta faixa etária, o jornal ocupa, de facto, a última posição no ranking dos meios informativos4, mas este facto traz associado uma “injusta ironia”:

3Jovens entre os 19 e os 35 anos, contemporâneos da Internet; a geração digital. 4

De acordo com o estudo “Abandoning the News”, editado pela Carnegie Corporation, 39 por cento dos inquiridos com menos de 35 anos utilizam a Internet para aceder a notícias, contra 8 por cento que afirmam confiar nos jornais (in Alterman, 2011: 5).

“Quando um jovem leitor navega na rede em busca de informação po- lítica, normalmente termina a navegação num agregador de conteúdos jornalísticos, que, originalmente, foram produzidos por jornais em pa- pel, sem que tal contribua para salvar empregos ou aumentar as receitas das empresas proprietárias desses jornais” (Alterman, 2011: 5).

A Internet não veio roubar espaço aos meios tradicionais, antes o ampliou, mesmo num cenário em que a oferta se diversificou de forma explosiva:

“Quando somamos os números das velhas e das novas plataformas mui- tos meios tradicionais assistem ao crescimento das suas audiências. A crise criada na indústria das notícias pela tecnologia tem mais a ver com a receita” (Kovach e Rosenstiel, 2010: 23).

De facto, a distribuição de conteúdos grátis numa plataforma de potencial ilimitado, embora desaproveitado e revelando dificuldade em gerar receitas, teve como consequência imediata o reforço da fragilidade financeira dos jor- nais tradicionais.

Não diminuiu, portanto, o número de leitores; não diminuiu o número de ouvintes; não diminuiu o número de espectadores. A drástica diminuição das receitas está a inviabilizar a sustentação dos meios clássicos; e as platafor- mas digitais, associadas a esses meios clássicos, ainda não geram encaixes financeiros passíveis de suportar os custos do jornalismo de qualidade.

Os sinais, todavia, são positivos. O relatório do European Publishers Council, feito em parceria com a World Newsmedia Network e recorrendo à colaboração de seis dezenas de organismos de sondagem com estudos re- cententes na área dos media, assinala uma explosão da receita publicitária no digital que, só no campo das subscrições, está a revelar crescimentos de dois dígitos. Esses números não conseguem, ainda assim, compensar as perdas registadas na imprensa escrita, nem se prevê que o consigam nos anos mais próximos, uma vez que a imprensa escrita continuará a perder receitas, mas aquilo a que estamos a assistir permite-nos acreditar no futuro de um jorna- lismo sustentável. Os sinais de crescimento do investimento publicitário, so- bretudo nas plataformas móveis, smartphones e tablets5, estão consolidados

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Interessante o caso do Brasil, onde o mercado das subscrições chegará aos 65% dos uti- lizadores em 2014. Merecerá, certamente, melhor avaliação, até porque o potencial de cresci- mento da subscrição entre os não subscritores é muito elevado: 61%.

desde 2011. A televisão permanece como o meio mais rentável, sem regis- tar alterações significativas, mercê do apetite – renovado com o digital – pela visualização. O investimento publicitário na rádio apresenta uma estagna- ção, enquanto as revistas perdem muito menos do que a imprensa tradicional. Nesta escalada do investimento publicitário no digital, as previsões apontam para o posicionamento do digital no primeiro lugar do ranking até 2020 (2014: 27-45).

De facto, a Internet afastou os anúncios das notícias (Kovach e Rosenstiel, 2010: 7), porque os jornais deixaram de ser intermediários do mercado; os anunciantes passaram a chegar diretamente aos consumidores, cada vez mais em processo de migração do papel para o ambiente digital, onde podem ler notícias sem pagar (Starr, 2009: 4).

A crise dos meios informativos, que é, sobretudo, uma crise da qualidade do jornalismo por eles praticado, resume-se, afinal, a esta simples constatação: é uma crise de sustentabilidade. O digital teve, pois, especiais reflexos na dinâmica capitalista que servia de base ao jornalismo:

“O que foi o capitalismo jornalístico típico do século XX, estribado na venda de jornais, conquista de audiências e publicidade, está a ser sub- metido às contradições vindas das ondas de choque da emergente eco- nomia do conhecimento e do capitalismo informacional/digital” (Gar- cia, 2009: 29).

No documento Jornalismo e Mercado (páginas 148-152)