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Menores receitas, menor qualidade

No documento Jornalismo e Mercado (páginas 152-156)

3.2 Sustentabilidade do jornalismo na rede

3.2.2 Menores receitas, menor qualidade

Do jornalismo de qualidade, suportado por receitas publicitárias, vai resis- tindo apenas um eco, cada vez mais distante:

“O abundante investimento publicitário, durante as rentáveis décadas do século passado, deu aos tradicionalmente grandes grupos de jorna- listas de muitos jornais urbanos uma oportunidade para, de forma signi- ficativa, melhorarem a quantidade e a qualidade das suas reportagens” (Starr, 2009: 6).

O problema do jornalismo atual reside, pois, na difícil identificação das marcas da qualidade no jornalismo. Os novos media informativos ainda não estão a conseguir preencher o vazio jornalístico criado pela crise financeira

que afeta os meios tradicionais (McChesney e Nichols, 2011: 104). Os resul- tados de um estudo feito em 2009 pelo Pew Reserch Center ao mapa mediático de Baltimore demonstram isso mesmo:

“A maioria das notícias disponibilizadas na rede não contém reporta- gem original. Oito em cada dez histórias publicadas apenas repetem ou agregam informação anteriormente publicada (...) Noventa e cinco por cento da informação original foi gerada pelos media tradicionais” (apud idem, ibidem).

A encruzilhada do jornalismo parece, assim, difícil de quebrar: os meios tradicionais, cada vez mais aprisionados pelas limitações impostas pelo mer- cado, estão a perder a capacidade de gerar histórias originais independen- tes; os novos meios agregam conteúdos produzidos pelos meios tradicionais. Como consequência, as receitas dos meios tradicionais descem, ao mesmo tempo que os novos meios tardam em impor a forma de se tornarem rentá- veis. Entre uns e outros parece subsistir uma linha divisória intransponível. A nova arquitetura dos meios deveria suscitar entrecruzamentos entre as diversas plataformas. Se a plataforma digital distribui conteúdos jornalísticos produ- zidos pelas plataformas clássicas, se através dessa distribuição as plataformas clássicas reforçam o contacto com públicos dispersos, e os conteúdos produ- zidos geram processos comunicacionais que, sem essa distribuição, ao mesmo tempo planetária e específica (dirigida a públicos singulares), não seriam ge- rados, é porque uns e outros se complementam. Ora, é nessa complementa- ridade simbólica que devemos buscar o futuro do jornalismo. Ultrapassar as barreiras entre plataformas é, desde logo, o maior problema. Quando a com- plementaridade for, claramente, assumida deixará de haver razão para que a distribuição online, que expande audiências, não contribua para a sustentabi- lidade do jornalismo. Ainda que as receitas geradas pela Internet sejam, como vimos, limitadas, estão a crescer a ritmos impensáveis até há cinco anos. Exis- tem, aliás, agregadores e motores de busca que, cada vez mais, contrariam essa limitação associada à nova plataforma. Ao longo deste capítulo analisaremos outras possibilidades de tornar rentável a plataforma de destino dos consumi- dores de notícias.

Peter Anderson apresenta-nos a legenda explicativa dos reais efeitos da tecnologia na qualidade do jornalismo que ameaça complexificar, ainda mais,

a equação do problema. A fragmentação da audiência, potenciada pelos novos meios, acentua a dificuldade de recuperação do setor comercial: “audiências limitadas significam, por definição, recursos limitados para a produção de um jornalismo de qualidade” (2007: 56).

Charlie Beckett e Todd Gitlin apontam para as consequências da quebra de receitas na qualidade do jornalismo. Beckett, aprisionado pelos novos meios, alerta-nos para o “abandono do jornalismo” e, no caso britânico, destaca a aposta nas reportagens sociais nos jornais, como forma de agregar audiências dispersas (2008: 27). Já Todd Gitlin fixa-se na dependência que os meios digitais continuam a demonstrar, relativamente aos tradicionais:

“Nem sequer os inúmeros sítios online propriedade de organizações não lucrativas, suportadas por fundações de interesse público, conseguem suportar os custos de enviar um repórter, quando estão em causa deslo- cações que impliquem viagens aéreas” (2011: 97).

Surpreendentemente, no tempo em que a cobertura do mundo é concreti- zada por uma multiplicidade de vozes, que se instalam em todos os lugares, mesmo nos mais recônditos, alarga-se a dimensão dos buracos da rede jor- nalística, no sentido em que nos falava Gaye Tuchman (1972: 170). Como não geram receitas, “os novos media não estão ainda preparados para, diaria- mente, cobrirem os temas sociais, culturais, políticos nas cidades, nos estados, nas nações” (Simon, 2011: 50). Nesta ótica, a democracia e o reforço da ci- dadania são especialmente afetados pela fragilidade que reveste o jornalismo produzido especificamente para os meios digitais:

“Não tem demonstrado (...) capacidade ou interesse em fazer o tipo de investimentos vultosos em atividades de investigação e análise que fazem os meios de comunicação social convencionais, especialmente os jornais, e que são indispensáveis à democracia” (Schudson, 2008: 37). A salvaguarda da autonomia financeira do jornalismo independente acaba por ficar nas mãos de um conjunto cada vez menos representativo de cidadãos, os que compram jornais em papel:

“É uma injustiça quando obrigamos o leitor do jornal em papel, que o compra diariamente, a subvencionar o leitor online, que lê o mesmo jor- nal na edição digital, mais rica e mais variada” (Ramonet, 2011: 107).

Mesmo que as receitas publicitárias na Internet já estejam a crescer, como aliás também constata Ignacio Ramonet, é o próprio autor que conclui que esse aumento está ainda longe de compensar, sequer, os investimentos que os empresários fizeram na web (idem, ibidem: 109).

Clay Shirky observa que o lastro da Internet está a deixar uma espécie de vazio, onde a simples reformulação do modelo anterior, de facto, não funci- ona. “Nada funciona”. No caso especifico dos jornais, Shirky considera não existir um modelo geral que substitua aquele que a Internet destruiu: “Com a velha economia destruída, as velhas formas organizacionais associadas à produção industrial têm de ser substituídas por outras, adaptadas ao digital” (2011: 40).

A chave do jornalismo de qualidade na era digital reside agora na descodi- ficação plena desse processo de adaptação. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, vão despontando sinais positivos que poderão forçar a releitura do presente numa perspetiva mais otimista. Estaremos atentos a esses sinais no final deste capítulo.

A consciência de que a receita para a manutenção do jornalismo de qua- lidade na era digital é uma missão complexa, impõe um maior envolvimento de todos os agentes – profissionais, empresários, cidadãos , mas também da universidade.

Como detalharemos à frente, as opções são diversas: a intervenção do Es- tado, através de apoios diretos ou indiretos; o financiamento de fundações sem fins lucrativos, ou através de outros apoios filantrópicos; o envolvimento de jornalistas freelance,organizados em pequenos núcleos produtores de notícias; a promoção do autoemprego, como forma de combate direto à precariedade e à falta de oportunidades, sobretudo junto dos jovens aspirantes a jornalis- tas; o maior envolvimento dos jornalistas com a comunidade; a aposta em projetos locais ou mesmo híper locais, nas comunidades de maior dimensão; uma maior atenção à investigação jornalística; o reforço de parcerias entre meios tradicionais e novos; a assunção, pelas empresas, de um maior grau de responsabilidade na investigação de novas soluções, etc. O processo de reconstrução do jornalismo parece estar em marcha, e a universidade deve assumir o papel que lhe está destinado: laboratório onde as experiências de- vem ser testadas e discutidas. A este propósito cremos que uma das linhas programáticas mais complexas e a requerer maior envolvimento da academia é, exatamente, a integração da componente digital nos planos de estudo. O

impacto que a nova plataforma cria no jornalismo determina a sua integração transversal nos programas, evitando criar unidades curriculares tecnológicas autónomas ou mesmo áreas específicas de jornalismo digital, como se o novo meio impusesse a existência de um jornalismo esvaziado da essência.

No documento Jornalismo e Mercado (páginas 152-156)