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A vitória das soft news e do infotainment: novos pila-

No documento Jornalismo e Mercado (páginas 124-128)

2.2 Jornalismo e mercado Os anos 80 do século passado e a mu-

2.2.13 A vitória das soft news e do infotainment: novos pila-

No final dos anos 90 do século passado, 25 personalidades, professores de jornalismo, diretores dos principais jornais e algumas referências da informa- ção televisiva e radiofónica dos Estados Unidos da América, reuniram-se em Harvard para analisarem o estado do jornalismo. O receio de que o jorna- lismo pudesse estar a prejudicar o interesse público, ao invés de o promover, enquadrou o debate. Os próprios diretores dos jornais confirmaram esse re- ceio: “Na redação já não se fala de jornalismo (...) somos absorvidos pelas pressões comerciais e pelos resultados do exercício”42. O facto de serem os diretores, a quem cabe zelar pela defesa do jornalismo de valores, a chega- rem a esta conclusão foi, para os promotores da reunião, Bill Kovach e Tom Rosenstiel, o maior sinal de que as notícias se estavam a “transformar” em “entretenimento”, e de que “o entretenimento assumia um carácter de notí- cia”. (Kovach, Rosenstiel, 2001: 7, 52).

O jornalismo de mercado desvincula-se dos valores do jornalismo: pren- de-se muito mais à forma das notícias (atraente, com o objetivo de entreter em vez de informar) do que ao seu conteúdo. As soft news assumem o con-

42Um inquérito realizado em 1998, pelo Project on the State of the American Newspaper,

a 77 diretores de jornais americanos, veio legitimar estas opiniões: 14% gastava mais de me- tade do seu tempo com assuntos comerciais, 35% gastava entre metade e um terço (Kovach, Rosenstiel, 2001: 52).

trolo da paginação dos jornais, dos alinhamentos das rádios e das televisões. Os leitores, ouvintes e telespectadores preferem as notícias suaves que os li- bertem do peso do quotidiano, da política nacional e internacional, da macro economia (hard news); preferem “uma informação-serviço” que antecipe as suas necessidades quotidianas:

“O jornalismo de comunicação age como vulgarizador, conselheiro, leia-se como o amigo que mantém uma relação familiar com o seu pú- blico, divertindo-o. Abandona, pois, a sua atitude de árbitro e de ator de uma relação cívica” (Neveu, 2001: 120).

Mergulhado no mercado, o jornalismo vai, pois, ao encontro dos hábitos de consumo das audiências, dando-lhes o que, verdadeiramente, as entusi- asma. À força de as querer fidelizar, fica refém delas, ou daquilo que os estudos de marketing dizem que lhes interessa. Como constata Pierre Bour- dieu, cada vez mais, os jornalistas sentem-se tentados a “adotar o critério do ratingnas suas produções”. Sob esta lógica, as expressões: “isto fica bem na televisão” ou “isso vende” constituem critérios de definição da ação (1996a: 27). Peter Anderson constata isso mesmo, que “as notícias que vendem são as soft news”, por isso a presença dessas notícias “vai crescendo nos jornais e nas televisões em todo o mundo” (2007: 62).

Esta adesão das audiências às notícias suaves, e a forma como os meios de comunicação social do sistema vão ao encontro desse desejo, tem sérios reflexos no Espaço Público. No final dos anos 50 do século passado, Wright Mills já identificava, na ação dos meios de comunicação social, a dificuldade em iluminarem a progressão intelectual dos agentes sociais:

“Observadores antigos acreditavam que o reforço de importância dos meios formais de comunicação ampliaria e estimularia o público básico (...) temos razões para acreditar que esses meios ajudaram menos a ampliar e animar discussões dos públicos básicos, do que a transformá- los (...) numa sociedade de massas” (1956: 368 e 369).

Em 1996, Pierre Bourdieu reeditava o alerta de Mills, a partir do seu olhar crítico sobre a televisão: “O meio que tinha condições para se ter transformado num instrumento extraordinário da democracia direta, pode converter-se num instrumento de opressão simbólica” (1996a: 2).

A televisão é caracterizada como o meio onde as fronteiras entre infor- mação e entretenimento surgem mais diluídas. Por um lado, porque a bitola de estruturação das grelhas televisivas dos canais generalistas é o entreteni- mento, e, principalmente, os conteúdos selecionados para o clássico horário nobre, transformando-se a informação num acerto de emissão43; por outro, porque a informação televisiva acabou por adotar as lógicas que impulsionam o entretenimento. Felisbela Lopes constata que os últimos anos do século XX criaram, em Portugal, as condições para que a informação televisiva adotasse os valores do entretenimento:

“Vive-se um tempo diferente. Um tempo em que a vida pública se mis- tura com o espaço privado e em que a intimidade é exposta como se de um assunto social se tratasse (...) rasgaram-se os limites da intimi- dade, promoveu-se o voyeurismo, criaram-se pseudonotícias e instalou- se uma espécie de jornalismo de causas, subserviente face às leis do mercado, perdendo de vista o bem comum” (2007: 322)44.

É a partir da análise que fez aos programas semanais de informação tele- visiva, entre 1993 e 2005, nos três canais generalistas em Portugal (RTP, SIC, TVI), que a autora constata que o modelo desenvolvido promoveu a “desloca- ção da posição de cidadão para a de consumidor”, envolvido pelas estratégias do entretenimento:

“A informação televisiva como intérprete da realidade revelou-se um operador semântico muito seletivo: atento às opiniões dominantes, dei-

43 Em Portugal, os jornais televisivos nos dois canais generalistas privados (SIC e TVI)

podem durar entre uma hora e uma hora e 45 minutos, dependendo do espaço reservado ao entretenimento no horário nobre que, por seu lado, é definido de acordo com a lógica de con- traprogramação (programas de conteúdo idêntico nos dois canais são habitualmente emitidos no mesmo horário e têm duração semelhante).

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Felisbela Lopes caracteriza o exemplo do programa Big Brother, que estreou na TVI em Setembro de 2000, considerando-o um marco no panorama audiovisual português: “modificou amplamente a oferta televisiva dos canais privados e arrastou, neste período, a liderança do horário nobrepara o canal Quatro”. “Os enredos” dessas “novelas da vida real (...) conta- minaram outros programas (...) e misturaram aquilo que é intrínseco ao entretenimento com aquilo que é idiossincrático do jornalismo. Os jornalistas criaram peças sobre essas novelas da vida reale (...) fizeram pretensas reportagens sobre os respetivos concorrentes. Como se os noticiários passassem a ser um tempo de descontração e as emissões de entretenimento um momento de informação” (2006: 24, 316).

xando na penumbra uma maioria que, nesse tempo, foi sendo mantida em silêncio (...) O cidadão comum não esteve no centro da enuncia- ção televisiva (...) o espetáculo é uma dimensão intrínseca à televisão, incluindo a informação, e as emoções são uma importante componente do discurso informativo” (2007: 318, 324).

O período analisado por Felisbela Lopes coincide com o fim do mono- pólio do Estado na televisão portuguesa. A investigação da Professora da Universidade do Minho permite-nos concluir que essa diminuição do peso do Estado na televisão não representa assinaláveis melhorias ao nível dos con- teúdos emitidos, nem dos seus efeitos no espaço público. O que restava do espaço público, o lugar habermasiano do debate e da interação comunicativa, volatilizou-se, fechando-se sobre si próprio: emitindo mensagens que apenas contribuem para manter o estado das coisas, valorizando as opiniões domi- nantes e excluindo a maioria dos consumidores televisivos, a quem a televisão espetáculo, pública e privada, veda o acesso ao debate e à participação de- mocrática na sociedade, porque não lhe apresenta alternativas que promovam essa participação. Em Portugal, o surgimento dos canais televisivos de in- formação veio, todavia, aumentar o espaço de debate e, consequentemente, a participação dos cidadãos, sobretudo em programas em que a sua opinião é reclamada45.

O papel social do jornalismo adquire assim, como constata Peter Ander- son, uma dimensão preocupante:

“À medida que os jornais e os programas de informação televisivos ado- tam agendas tabloides e populares, vai sendo cada vez mais difícil dis- tinguir a reportagem e o comentário jornalísticos do entretenimento ou do infotainment (...) Os valores adotados revelam-se cruciais porque formatam a visão do mundo e dos seus problemas; e são esses valores que são transmitidos ao homem comum (...) Integradas nesse contexto das grandes corporações mediáticas, não é fácil para as notícias serem vistas como um bem público com relevo na preservação da democracia.

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A criação desse espaço de debate pode, no entanto, ser ilusória, uma vez que as televisões de informação usam um painel comum de comentadores políticos, associados a partidos e que, em muitos casos, veiculam a opinião dominante da estrutura partidária. A análise destes conteúdos não é, todavia, o objeto do nosso estudo.

Pelo contrário, essa lógica impõe que as notícias sejam vistas como mais um produto do mercado, de estatuto idêntico a todos os outros que se medem por perdas e ganhos” (2007: 4, 10, 62).

Este fenómeno não é exclusivo dos meios populares. Anderson observa-o a crescer na imprensa de referência do Reino Unido (idem, ibidem: 5).

No documento Jornalismo e Mercado (páginas 124-128)