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Os efeitos do mercado nas empresas

No documento Jornalismo e Mercado (páginas 101-105)

2.2 Jornalismo e mercado Os anos 80 do século passado e a mu-

2.2.4 Os efeitos do mercado nas empresas

A conjuntura económica desfavorável, que condiciona a atividade das empre- sas de comunicação social, parece, pois, ser a chave do problema. Para lá da forma como o jornalista interage com a lógica do mercado, é essa mesma lógica, e os efeitos que ela produz no jornalismo, que deveremos questionar.

Por isso, sem desresponsabilizarmos o jornalista e a ação ética e moral que lhe é reclamada no exercício da profissão, sem pormos em causa a ne-

um lugar alcançado pela experiência e credibilidade conquistadas, para se reger por critérios exteriores ao desempenho profissional.

26 Um estudo, do economista Luís Mergulhão, refere que em Portugal, no ano de 2010,

o mercado publicitário valeu menos do que em 2001 (700 milhões contra 750 milhões). A preços constantes, a perda equivale a 200 milhões de euros (apud Público, Maio, 2011). De acordo com o presidente do Grupo Impresa, Francisco Pinto Balsemão, as previsões de quebra de receitas publicitárias em Portugal, no triénio 2008-2011, situam-se nos 180 milhões de euros, representando uma diminuição de 21% face à média do triénio anterior (apud idem, 6 de Agosto de 2011).

cessidade de o jornalista ser, como defende Kapuscinski, esse homem bom permanentemente comprometido com os valores do jornalismo, a deturpação dos valores do jornalismo, por ação do mercado, parece residir mais na ação das empresas do que nos seus profissionais.

As empresas alimentam-se da precariedade e do excesso de oferta de mão- de-obra, promovendo uma praxis que, cada vez mais, as afasta dos valores do jornalismo, com reflexos claros na dinâmica profissional:

“O que está em causa (...) são os múltiplos constrangimentos que resul- tam do exercício da profissão no contexto das organizações empresa- riais, responsáveis pela redução da autonomia dos jornalistas enquanto profissionais” (Camponez, 2009: 121).

Érick Neveu identifica os sinais desses constrangimentos, fruto da quebra de autonomia dos jornalistas, promovida pelo contexto comercial que molda a sua ação. O autor francês deteta-os nos constantes “atentados aos princípios deontológicos” (2001: 115).

Seja por pressão do mercado e das empresas, seja pela precariedade cres- cente que submerge os princípios éticos e deontológicos que moldam a pro- fissão, é a imagem social dos jornalistas que vai revelando os sinais de degra- dação que identificámos na introdução deste trabalho.

Nos anos 80 do século passado observa-se em Portugal, e um pouco por toda a Europa e nos Estados Unidos da América, a clara cedência das empre- sas de jornalismo ao mercado. A desregulação dos media foi o motor dessa plena submissão das notícias à lógica financeira que orienta o mercado:

“Nas últimas décadas do século XX (...) um mercado altamente tu- multuoso, competitivo e pleno de novas possibilidades de crescimento (...) está a provocar a profunda remodelação do universo da imprensa tradicional e do jornalismo” (Garcia, 2009: 26).

Desde os primórdios do jornalismo moderno, no século XIX, que assisti- mos à associação do jornalismo aos valores mercado: a necessidade de gerar receitas publicitárias, que alimentassem empresas em ascensão, determinou as primeiras cedências editoriais, que identificámos no capítulo anterior. Os anos 80 do século passado marcam, porém, um claro avanço nessa lógica. A

plena reestruturação do campo dos media impõe-nos que façamos referência a uma mudança de paradigma.

Em definitivo, e sem margem para dúvidas, o jornalismo passou a ter no mercado o seu diapasão. No início dos anos 90, a expressão jornalismo de mercado27 passou a servir de rótulo a esse novo paradigma. Deixou de estar em causa a mera subsistência financeira das empresas de jornalismo, para se impor a maximização do lucro e a rentabilidade máxima.

Philip Meyer assinala que as empresas de media passaram a funcionar de acordo com uma hierarquia de valores comerciais, com reflexos diretos nos conteúdos e na ação jornalísticos. O autor identifica três níveis nessa hierarquia de valores comerciais: o nível um determina que as empresas ga- nhem, pelo menos, o mesmo que gastam. Um jornal que não se autossustente, mesmo sendo propriedade de uma organização não lucrativa, não cumpre o seu papel; os empresários do segundo nível já exigem um retorno financeiro, pelo menos equivalente ao que teriam se depositassem o dinheiro investido no banco; o nível três representa a importação da lógica da economia para as empresas de media: os investidores em geral lidam com o risco e exigem um retorno superior, como compensação pelo risco que correm. Exigem que o investimento cresça. Este desiderato é sobretudo assumido pelos acionistas com interesses financeiros em muitas áreas de negócio, que usam diversas es- tratégias comerciais e financeiras para aumentarem o lucro (2004: 207-210).

Enquanto os jornais tiveram condições para ser um bom negócio, aos em- presários dos jornais foi possível posicionarem-se no nível três, mantendo vivo o interesse dos acionistas; no final do século XX, quando a quebra de receitas deixou de suportar os custos das edições em papel, os jornais que resistiram tiveram de adaptar-se às novas regras do mercado. Trataremos esse processo de adaptação, em detalhe, no próximo capítulo.

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A expressão market driven journalism surgiu, pela primeira vez, nos Estados Unidos da América, tendo sido consagrada num conjunto de estudos académicos. Érik Neveu destaca dois: Underwood, 1993 e McManus, 1994 (2004: 115). McManus define o conceito desta forma: “O jornalismo e as notícias deixaram de satisfazer as necessidades do público para se guiarem pelas considerações do mercado (...) o objetivo era atingir o menor custo possível de produção para a maior audiência possível (...) Se o objetivo do jornalismo é maximizar o lucro, menor respeito haverá pela informação (...) Inevitavelmente, este processo promove o crescimento do jornalismo tabloide e um movimento perpétuo de escalada descendente” (1994, apudFranklin et al, 2005, 2010: 139 e 140).

A partir dos anos 80 do século passado, os proprietários de grupos cotados em bolsa esforçaram-se por aumentar as receitas baixando as despesas, sujei- tando os órgãos de comunicação social que detinham a diversas manobras de contaminação do jornalismo pelo mercado. Os departamentos comerciais in- vadiram o campo das decisões editoriais, e o resultado foi uma informação padronizada, onde quantidade se tornou o avesso da qualidade; impuseram-se os estudos de mercado, com a criação de grupos de discussão (focus group), que ajudam os gestores de marketing a detetar as tendências da audiência, deixando os conteúdos televisivos, incluindo os informativos, na dependência direta dessas análises. É a plena assunção da “mentalidade rating” de que nos fala Bourdieu (1996a: 9), conceito a que regressaremos.

Analisaremos, à frente, as consequências da aplicação da lógica do mer- cado à informação e os efeitos na qualidade das notícias, mas, nesta fase, importa realçar os reais contornos desse novo paradigma.

Nos anos 90 do século passado, Jean Charron e Jean Bonville classifica- ram esse novo paradigma como a terceira geração do jornalismo. A primeira, marcada pelo jornalismo de opinião do período das luzes, sucumbiu, no século XIX, aos efeitos da industrialização e da mercantilização, tendo-se imposto a segunda geração com o seu jornalismo neutral, que tentava chegar a todas as sensibilidades, em nome do reforço das audiências. A terceira geração, impul- sionada pelo mercado e pela híper concorrência, estende os seus tentáculos a todo o campo jornalístico, influenciando a ação de todos os seus agentes. Na década de 80 do século passado a informação, os critérios editoriais, ficam reféns da rentabilidade máxima (apud Neveu, 2001: 119).

Este novo paradigma, marcado pela acentuação dos efeitos do mercado no jornalismo, configura-se recorrendo ao mesmo molde de ação do primeiro, mas a uma escala diferente. No início do século XX, o ensino do jornalismo chega à academia para dar seguimento às novas necessidades do mercado dos jornais, que reclamava, como observámos, profissionais aptos a responderem às exigências do jornalismo de massas. Nas últimas duas décadas do século passado, um mercado, de novo em ascensão, motivado, como afirmámos, pela desregulação, pelo desinvestimento do Estado na Comunicação Social, mas também, e como consequência, pelo aumento desmesurado da oferta de em- prego no jornalismo, voltou a reclamar novos profissionais. O ensino do jor- nalismo na Europa tem, nesta fase, uma segunda vida. Foi igualmente neste período que Portugal inaugurou, finalmente, a formação académica na área.

Como considera Pierre Bourdieu, esse período haveria de formar “profissi- onais incomparavelmente mais cultos que a geração dos anos 60”, mas, “a tensão entre o que é solicitado pela profissão e as aspirações que estes jovens formulam nas escolas de jornalismo é cada vez maior” (1996a: 13).

2.2.5 A idade de ouro da imprensa: o poder efetivo de um negócio

No documento Jornalismo e Mercado (páginas 101-105)