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A priorização do apoio à propriedade residencial

Capítulo 3. O acesso à habitação e a priorização da propriedade residencial

3.6. A priorização do apoio à propriedade residencial

A viabilização do acesso à propriedade residencial é o principal traço da intervenção do Estado americano no setor da habitação. Uma vez que para a maioria das famílias a aquisição de um imóvel impõe um esforço financeiro muito superior à sua renda corrente, a criação de instrumentos de financiamento que permitissem dilui-lo no tempo consistiu na principal contribuição do Estado à ascensão à propriedade. Contemplados no Capítulo 2 os sistemas de financiamento habitacional, esta seção trata de outras formas de apoio da propriedade residencial, compreendendo subsídios e isenções fiscais que impulsionavam a expansão da oferta de unidades residenciais para a venda e reduziam o custo da aquisição para as famílias. As intervenções estatais em suas diferentes formas contribuíram para que a parcela do parque residencial ocupado por famílias proprietárias aumentasse de 43,6% para 65,6% entre 1940 e 1980 (Gráfico 33).

Aluguel como % da renda mediana das famílias

Total das famílias locatárias 20% mais probres 1960 19 47 1970 20 51 1980 25 53 1990 26 53 2000 26 55 2009 30 64

% dos Locatários pagando mais que 30% de sua renda como aluguel

Total das famílias locatárias 20% mais probres 1960 23 62 1970 26 67 1980 34 69 1990 37 72 2000 40 79 2009 50 82

% do parque de locação acessível a famílias com a renda mediana de locatários

Total das famílias locatárias 20% mais probres 1960 83 13 1970 84 13 1980 70 15 1990 63 12 2000 62 7 2009 43* -

Gráfico 33. EUA: Parcela dos imóveis residenciais ocupados por proprietários – 1940 a 2010 (%)

Fonte: US Census Bureau (https://www.census.gov/hhes/www/housing/census/historic/owner.html e http://www.census.gov/housing/hvs/data/histtabs.html, Table 7).

Nos EUA são dois os principais mecanismos de apoio estatal. Por um lado, o Estado (especialmente no âmbito federal) assume, por meio de instituições específicas, o papel de garantidor de parte dos riscos associados às operações de financiamento habitacional. Por outro lado, existem dispositivos que dão o direito à dedução nos impostos federais de despesas relacionadas à aquisição de imóveis residenciais e dos ganhos provenientes de sua valorização. Fração importante dos incentivos federais à propriedade residencial não faz parte, assim, da política habitacional americana propriamente dita, gerida pelo Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano (HUD), mas integram diretrizes seguidas pela Receita Federal (Internal Revenue Service), dando origem a uma silent housing policy, para retomar a expressão de Roistacher (1990).

Esse aspecto marca uma das diferenças em relação às intervenções no segmento habitacional de locação, cujos instrumentos de apoio, até os anos 1980, constavam, em sua grande maioria, no orçamento federal e eram geridos pelo HUD. Ainda que as intervenções no suporte à propriedade residencial envolvessem renúncias fiscais em montantes muitas vezes superiores aos recursos gastos com o segmento de locação, o fato de não constarem no orçamento contribuiu para uma relativa blindagem às pressões na direção da contenção dos

gastos públicos. O desbalanceamento entre a magnitude do suporte financeiro à propriedade e à locação era outra distinção importante das intervenções estatais, que expressava o fato de o apoio à propriedade residencial ser possível a qualquer cidadão e o apoio ao segmento locativo ter um caráter de política social, estando restrito aos segmentos da sociedade de menor renda.

Após a crise financeira dos anos 1930, como visto no Capítulo 2, as autoridades americanas buscaram fortalecer o sistema de financiamento habitacional a partir do desenvolvimento de mecanismos de transferência de riscos por meio da criação de um mercado secundário de hipotecas e da concessão de garantias públicas. A reativação do financiamento habitacional era condição necessária ao estímulo das atividades associadas à construção civil e, consequentemente, à geração de emprego. Com esses objetivos, foi criada a Federal Housing Association (FHA), pelo National Housing Act de 1934, cuja atividade consistia na emissão de garantias de hipotecas residenciais, obrigando-a a ressarcir os credores em caso de inadimplência.

A FHA, como já mencionado no Capítulo 2, foi concebida como uma agência federal financeiramente autossuficiente. Os recursos utilizados na cobertura de dívidas não pagas tinham origem nos prêmios e taxas cobradas pela contratação das garantias e, adicionalmente, na rentabilidade de investimentos realizados com recursos excedentes. Dessa forma, esse mecanismo de suporte à propriedade residencial não implicava custos orçamentários.

A importância da FHA ultrapassava, todavia, essa função principal. Em primeiro lugar, a agência foi responsável pela transformação dos contratos de financiamento habitacional. Antes de sua existência, a hipoteca americana típica cobria apenas 50% do valor da operação, dificilmente ultrapassava 10 anos de prazo e exigia uma amortização integral ao final do contrato. Ao conceder garantias vinculadas a contratos mais longos e de maior monta, a FHA teve um papel central na generalização dos financiamentos que se tornaram típicos, com prazo médio de 30 anos, cobertura de 80% do valor do imóvel e pagamentos mensais referentes a juros e amortização. Em segundo lugar, existiam especificações técnicas aos imóveis cujos financiamentos eram elegíveis ao recebimento de garantias da FHA. Inspeções físicas de todas as dependências também eram obrigatórias, garantindo, assim, uma melhor avaliação dos imóveis que eram tomados como garantias das hipotecas. Essas exigências passaram a constituir uma prática corrente da atividade de financiamento habitacional (Colton, 2002).

Após a Segunda Guerra Mundial, as operações da FHA foram complementadas pela criação da U.S. Department of Veterans Affairs (VA), que garantia a compra de residências pelos veteranos da guerra. Ambas as instituições desempenhavam o mesmo papel em favor da redução do aporte pessoal e do custo do endividamento hipotecário das famílias e da ampliação

dos prazos dos financiamentos. Em 1965, a FHA passou a fazer parte do HUD. Como visto anteriormente, em função da existência de limites máximos aos valores das hipotecas garantidas por essas instituições, FHA e VA, juntamente com a Government National Mortgage Association120 (Ginnie Mae), elas compõem um subsistema de financiamento habitacional

voltado ao atendimento das famílias de renda moderada (Colton, 2002; Schwartz, 2006). A participação das hipotecas garantidas pela FHA/VA chegou a quase 35%, em média, do total de hipotecas nos anos 1950. Essa participação caiu progressivamente nos anos seguintes devido ao desenvolvimento paralelo do subsistema de financiamento construído em torno da Federal National Mortgage Association (Fannie Mae) e da Federal Home Loan Mortgage Corporation (Freddie Mac). Nos anos 2000, a participação das hipotecas FHA/VA atingiu o patamar médio de apenas 7,2% do estoque, mas recuperando-se a partir de 2008, influenciada principalmente pelo desenvolvimento e crise do segmento subprime (Gráfico 34).

Gráfico 34. EUA: Evolução da participação das hipotecas garantidas pela FHA/VA no estoque de hipotecas – 1950 a 2010

Fonte: Federal Reserve System. Disponível em

http://www.gpo.gov/fdsys/browse/collection.action?collectionCode=ERP, Tabela B.75. Enquanto os demais programas habitacionais do HUD direcionavam-se especialmente à população de baixa renda – como o suporte à public housing e aos mecanismos de incentivo

120 Instituição criada pelo Housing and Urban Development Act de 1968 para se encarregar do desenvolvimento

do mercado secundário de hipotecas garantidas pela FHA/VA, lançando mão, para isso, da securitização das carteiras. 0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 1 9 5 0 1 9 5 4 1 9 5 8 1 9 6 2 1 9 6 6 1 9 7 0 1 9 7 4 1 9 7 8 1 9 8 2 1 9 8 6 1 9 9 0 1 9 9 4 1 9 9 8 2 0 0 2 2 0 0 6 2 0 1 0

à ampliação de um parque de locação privado, mas com vocação social121 – a renúncia fiscal

(tax expenditure) sobre o patrimônio imobiliário residencial das famílias americanas compreendia um direito, em tese aberto a todos, que favorecia a ascensão à propriedade. Segundo o Joint Committee on Taxation, o total da renúncia da arrecadação federal do imposto de renda relacionada à habitação, em 2010, chegou a US$ 188,64 bilhões, correspondendo a 18,25% de todas as isenções fiscais naquele ano, incluindo aquelas concedidas a pessoas físicas e a pessoas jurídicas. Desse total, US$ 174,64 bilhões (92,6%) estavam relacionados ao apoio à propriedade residencial. As quatro principais modalidades de isenção diziam respeito à dedução no imposto de renda dos juros hipotecários e dos impostos locais sobre patrimônio imobiliário (local property taxes) e à isenção da tributação sobre ganhos de capitais das residências e de aluguéis imputados (Tabela 10).

Tabela 10. EUA: Formas de renúncia fiscal federal associadas à habitação – 2010

Descrição US$ milhões

Dedução do pagamento de juros hipotecários 79.150 Isenção da renda de aluguel imputado 41.200 Isenção dos ganhos de capital das vendas de

residências 22.160

Dedução dos impostos imobiliários dos Estados e

municípios 15.120

Crédito para ascendentes à propriedade 13.680 Desconto de endividamento hipotecário 1.480 Isenção sobre os juros de bônus emitidos por

Estados e Municípios para subsidiar propriedade residencial

1.230 Diferimento de receitas de vendas a prazo (1) 620

Apoio à propriedade 174.640 (92,6%) Apoio à atividade de locação habitacional 14.000 (7,4%)

Total 188.640 (100%)

Fonte: Joint Committee on Taxation, Analytical Perspectives for fiscal years 2010-2016 (www.jct.gov).

Nota: (1) Ao vender seu imóvel usado para negócios, os proprietários estão autorizados a adiar o pagamento de impostos sobre vendas a prazo (devem somar menos de US$ 5 milhões). Os maiores beneficiários são provavelmente proprietários de pequenos negócios, propriedades agrícolas e pequenos investimentos imobiliários. Ver Congressional Research Service, “Tax Expenditures: compendium of background material on individual provisions”, 2008, pág. 403.

121 Como visto anteriormente, algumas formas de apoio ao parque de locação privado também se constituíam

renúncia fiscal, como era o caso do LIHTC. Entretanto, é importante reafirmar que a concessão desses créditos tributários estava sujeita à aprovação das agências locais de habitação (Housing Finance Agencies).

Entre elas, as deduções no imposto de renda do pagamento de juros sobre dívida hipotecária e dos impostos locais decorrem da definição da renda tributável estabelecida, em 1913, pelo Federal Income Tax Code, que excluía os juros pagos sobre todos os tipos de dívida e de todos impostos pagos aos estados e municípios. A dedução desses pagamentos só veio a se tornar importante, entretanto, a partir dos anos 1940, quando a parcela de proprietários passou a se ampliar progressivamente, na esteira da criação do sistema de financiamento habitacional do New Deal, e quando o número de indivíduos com rendimento superior ao teto para a isenção do imposto de renda tornou-se preponderante122.

Se não existem evidências de que o código tributário de 1913 buscasse deliberadamente incentivar a propriedade residencial, é bem verdade que as famílias sob esse status de ocupação conseguiram estabelecer, ao longo do tempo, uma blindagem desses dispositivos, transformando-os em instrumentos de favorecimento à propriedade residencial123. Enquanto o

Congresso eliminou gradualmente a dedução no imposto de renda das pessoas físicas do pagamento de certos tributos – como os impostos sobre transferências de propriedades em vida (gift tax) ou após falecimento (estate tax) em 1934, impostos estaduais e municipais sobre cigarros e álcool em 1964 e sobre vendas em 1986 – manteve-se a dedução dos tributos locais sobre a propriedade residencial (property tax).

Da mesma forma, o Tax Reform Act de 1986, implementado pela administração Reagan, aboliu a possibilidade de dedução dos pagamentos de juros de todas as modalidades de crédito, exceto para o crédito hipotecário. Alguns limites foram, contudo, impostos. Até então, não existia nenhuma restrição quanto ao número de residências ou ao montante de juros hipotecários a serem deduzidos. A legislação de 1986 estabeleceu, então, um limite máximo às deduções referente ao preço de compra do imóvel, acrescido de despesas com melhorias, e restringiu sua aplicabilidade a apenas dois imóveis. Data também desse período a possibilidade de dedução dos juros de operações de crédito garantidas por imóveis. Surgiram, então, fortes incentivos para o desenvolvimento dos instrumentos de crédito identificados como home equity

lending tratados no Capítulo 2, sobretudo diante da extinção da dedutibilidade dos juros pagos sobre dívidas em cartões de crédito.

122 Segundo Howard (1997 apud Schwartz, 2006), em 1939 apenas 6% dos trabalhadores americanos eram

tributados pelo imposto de renda federal; parcela que passou para 70% em 1945.

123 Além de compreender um elemento importante do American dream, a propriedade residencial é vista pelos

governos e por muitos segmentos da sociedade como geradora de desdobramentos favoráveis. Em caráter ilustrativo, pode-se citar a relação entre propriedade residencial e o sentido de segurança financeira e bem-estar desenvolvido pelos proprietários (Rossi & Weber, 1996), o melhor desempenho escolar das crianças cujas famílias são proprietárias, assim como a menor taxa de gravidez na adolescência (Haurin, 2003), a maior interação social entre os residentes-proprietários e o maior envolvimento desses com questões relacionadas às suas comunidades locais (Rohe & Stewart, 1996).

Desde 1997 (Tax Payer Relief Act), as famílias americanas declarantes de imposto de renda estão autorizadas a deduzir os juros pagos sobre as hipotecas garantidas pela sua residência principal e por uma segunda residência (casa de praia, de campo etc. e, eventualmente, imóvel como investimento) no total de até US$ 1 milhão. Adicionalmente, as dívidas contraídas sob a forma de home equity lending podem ter seus juros deduzidos até um teto de US$ 100 mil. Para isso, entretanto, o contribuinte deve fazer uma declaração completa (itemized), isto é, preencher o item de dedução qualified residence interest. Formatos simplificados da declaração do imposto de renda não permitem a dedução dos pagamentos desses tipos de juros, limitando, na prática, o acesso das famílias de menor renda a esse benefício (Tsounta, 2011; Gravelle e Hungerford, 2012).

As famílias proprietárias também se beneficiam de isenção da tributação sobre os ganhos de capital obtidos com a venda de suas residências principais. Inicialmente, o Internal Revenue Code de 1951 previa apenas o tratamento diferenciado da tributação desses ganhos, conhecido como roll-over rule, que permitia o adiamento do pagamento de imposto sobre o ganho de capital realizado caso o vendedor viesse a comprar uma nova residência, de valor igual ou maior àquele da venda de sua antiga residência (somados os custos referentes ao processo de venda e as melhorias realizadas)124. Em 1964, o código tributário foi alterado de

forma a garantir a isenção de impostos sobre o ganho de capital derivado da venda da residência principal, cujo proprietário tivesse idade superior a 65 anos e que tivesse morado nesse mesmo imóvel ao menos cinco dos oito anos imediatamente anteriores à venda. Essa isenção era limitada a US$ 20 mil e era concedida apenas uma vez. Em 1976, o teto de isenção foi ampliado para US$ 35 mil. Em 1978, a idade mínima do proprietário foi reduzida para 55 anos (age-55

rule) e a exigência de permanência no imóvel, de cinco em oito para três em cinco anos. O valor máximo da isenção chegou a US$ 100 mil e, em 1981, a US$ 125 mil (Shan, 2008).

Essas formas de redução da tributação dos ganhos de capitais vigoraram até 1997, quando foram extintas pelo Tax Payer Relief Act, estabelecido pela administração Clinton. Em seus lugares foi criada a seguinte regra: todo proprietário pode excluir até US$ 250 mil (US$ 500 mil por casal, em caso de declaração conjunta) da tributação federal sobre a renda referente a ganhos de capital devido à venda ou troca da residência que tenha ocupado ao menos dois dos cinco anos anteriores à transação. Não existem exigências quanto à idade do proprietário, nem

124 No caso de a nova residência comprada ter um valor intermediário entre o valor de venda e de compra da antiga

residência, a diferença entre os valores da nova residência e da venda da antiga residência era tributada imediatamente, mas a tributação da diferença em relação ao valor da compra da antiga residência também poderia ser adiada.

restrições sobre quantas vezes a isenção pode ser demandada. Ademais, porque os períodos de propriedade e de ocupação não precisam ser contínuos, é facilmente possível requerer a isenção de ganhos de capital de residências secundárias. Em resumo, a reforma de 1997 tornou amplo o direito à isenção desses ganhos de capital, que podia ser requerida, na prática, a cada dois anos, associando-se à majoração dos limites dos ganhos isentos e à incorporação no dispositivo das residências secundárias. O Gráfico 35 mostra a redução da tributação marginal efetiva dos ganhos de capital associados à propriedade residencial de 15% para 2% entre 1980 e 2000 (Shan, 2008; Tsounta, 2011).

Gráfico 35. EUA: Evolução da Taxa Marginal Efetiva de Imposto sobre Ganhos de Capital (1) sobre a propriedade residencial – 1980 a 2000

Fonte: Jane G. Gravelle, "Historical Effective Marginal Tax Rates on Capital Income," Congressional Research Service Report for Congress, January 12, 2004. Disponível em http://www.taxpolicycenter.org/taxfacts/displayafact.cfm?DocID=323&Topic2id=30&Topic3id=39

Nota: (1) A Taxa Marginal Efetiva de Imposto sobre Ganhos de Capital é calculada da seguinte maneira: [(Ganhos de Capital antes dos impostos)-(Ganhos de Capital após pagamento dos impostos)]/(Ganhos de Capital antes dos impostos). Assim, quanto mais próximo de zero, menor é a tributação dos ganhos de capital. Para informações adicionais, ver http://www.urban.org/publications/1000538.html.

As reformas introduzidas em 1986 e em 1997 sugerem que o apoio à propriedade residencial e às famílias proprietárias têm um caráter suprapartidário, refletindo, em grande medida, as pressões de seus eleitorados. Segundo pesquisa da National Association of Home Builders (NAHB)125 de janeiro de 2012, 84% dos entrevistados que afirmaram ser eleitores

democratas consideravam apropriados os incentivos fiscais à propriedade residencial, no caso

125 Ver NAHB National Survey – 2012. Disponível em

http://www.nahb.org/fileUpload_details.aspx?ContentID=173605 0 2 4 6 8 10 12 14 16 1 9 8 0 1 9 8 1 1 9 8 2 1 9 8 3 1 9 8 4 1 9 8 5 1 9 8 6 1 9 8 7 1 9 8 8 1 9 8 9 1 9 9 0 1 9 9 1 1 9 9 2 1 9 9 3 1 9 9 4 1 9 9 5 1 9 9 6 1 9 9 7 1 9 9 8 1 9 9 9 2 0 0 0 %

dos eleitores republicanos e de partidos independentes essa proporção chegava a 71% em ambos os casos. A eliminação no imposto de renda federal das deduções do pagamento de juros hipotecários foi rechaçada por 77% dos eleitores republicanos e 71% no caso de democratas e independentes126. Colocavam-se contrários ainda à mera redução dos valores deduzidos 67%

dos entrevistados que se declararam republicanos, 63% dos independentes e 58% dos democratas.

Além disso, o aluguel imputado à propriedade residencial das famílias ocupantes não é tributado. Essa isenção favorece o investimento em imóvel residencial (desde que seu proprietário o utilize como habitação) em contraste com outras formas de investimento, como as aplicações financeiras, cujos rendimentos estão sujeitos ao pagamento de impostos. Em 2010, a renúncia fiscal referente à isenção tributária sobre os aluguéis imputados chegou a US$ 41,2 bilhões, consistindo na segunda mais importante forma de renúncia fiscal do governo federal relacionada à habitação (21,8%).

No final dos anos 2000, uma das respostas do governo americano à elevação do número de execuções hipotecárias, que concretizou a crise das hipotecas subprime, compreendeu a criação de mecanismos alternativos de isenção fiscal relacionados à habitação, com o objetivo de reduzir o custo financeiro do endividamento das famílias e, assim, tentar evitar a reversão do movimento de ascensão à propriedade residencial verificada ao longo da década. Em 2007, o Mortgage Debt Relief Act garantiu a isenção dos tributos que acompanhavam a redução ou cancelamento das hipotecas decorrentes da renegociação da dívida ou da entrega das garantias (se residências principais) para o período 2007-2012. A isenção se aplicava sobre reduções das dívidas hipotecárias de até US$ 1 milhão (US$ 2 milhões para casais com declaração conjunta). Já em 2008, o Housing and Economic Recovery Act estabeleceu um crédito tributário no valor de até US$ 7.500 para os ascendentes à propriedade residencial (compradores pela primeira vez). No ano seguinte, o valor do crédito foi elevado para US$ 8.000 para as aquisições anteriores a dezembro de 2009 (American Recovery and Reinvestment Act) e o prazo limite para o fechamento da operação foi estendido para julho de 2010 (Worker, Homeownership and Business Assistance Act) e, posteriormente, para setembro de 2010. Juntas, essas duas medidas beneficiaram as famílias em US$ 15,2 bilhões só em 2010.

126 Em 2005, uma comissão bipartidária do Congresso americano (President’s Advisory Panel on Federal Tax

Reform) propôs, sem sucesso, a extinção da dedução do pagamento de juros hipotecários. Em 2010, outra comissão (National Commission on Fiscal Responsability and Reform) também bipartidária sugeriu alterações nos critérios das deduções de forma a reduzir o tamanho da renúncia fiscal, mas tais propostas ficaram novamente paradas no Congresso (Tsounta, 2011).

Esse conjunto de normas tributárias fez da renúncia fiscal um instrumento de política habitacional cada vez mais importante nos EUA, superando em muitas vezes os recursos financeiros à disposição do HUD. Segundo os dados compilados por Dolbeare e Crowley (2002), em 1976, o total de renúncia fiscal da administração federal no setor da habitação atingiu o valor de US$ 31,95 bilhões (em dólares de 2002), o que representava apenas 38% do orçamento total (US$ 83,6 bilhões) do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano (HUD) e 158% dos seus desembolsos efetivos daquele ano (US$ 20,1 bilhões)127. Em 2010, o

montante da renúncia chegou a US$ 188,6 bilhões, quase quatro vezes maior que o orçamento total do HUD (US$ 45,07 bilhões) e quase três vezes o seu desembolso efetivo nesse ano (US$ 60,14 bilhões) (Gráfico 36).

Gráfico 36. EUA: Renúncia fiscal do governo federal associada à habitação, orçamento e desembolsos do Departamento de Habitação e Urbanismo (HUD) – 1976 a 2010 (em US$

de 2002)

Fonte: Dolbeare e Crowley (2002) e Joint Committee on Taxation (Disponível em: <https://www.jct.gov>).

Apesar da expressividade da renúncia fiscal associada à habitação – que em 2010 representava 1,3% do PIB americano (0,7% em 1976) – ela é distribuída desigualmente entre as famílias segundo seu nível de renda. Isso decorre, em primeiro lugar, porque é necessário