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O peso dos aluguéis e a dificuldade de moradia da baixa renda

Capítulo 3. O acesso à habitação e a priorização da propriedade residencial

3.5. O peso dos aluguéis e a dificuldade de moradia da baixa renda

A política habitacional na esfera federal, que mesmo no período fordista nunca chegou a constituir uma alternativa ampla às formas mercantis de acesso à moradia, passou por mudanças expressivas, a partir dos anos 1970, em uma direção que poderia ser vista como mais

market friendly. Restrições impostas aos gastos sociais e a tendência de devolution de responsabilidades para as esferas locais levaram à redução do orçamento total administrado pelo HUD, que segundo Dolbeare e Crowley (2002) passou, em dólares de 2001, de US$ 94,3 bilhões em 1978 para US$ 22,8 bilhões em 1998 (-75,8%). Isso ilustra os efeitos das transformações na política habitacional e o relativo desengajamento do governo federal na garantia à moradia das parcelas de menor renda da sociedade. Em 1999, segundo estimativas oficiais do HUD, apenas 25% das famílias elegíveis aos programas federais de ajuda à moradia eram efetivamente contempladas (HUD, 2001).

As esferas estaduais e locais de governo, por sua vez, não parecem ter ocupado o espaço liberado pelo governo federal. Ao contrário, conforme argumentado na seção anterior é possível que as cidades tenham agravado o problema ao incentivar o setor imobiliário e recorrer a projetos de renovação urbana, como forma de se adaptar a sua nova realidade de menores transferências intergovernamentais e maior competição para atração e retenção de atividade econômica.

Não existe um acompanhamento amplo e sistemático da totalidade dos programas habitacionais voltados às famílias de menor renda financiados integralmente com recursos estaduais ou locais, mas o levantamento realizado pela National Low Income Housing Coalition desde 2001, embora parcial, porque prioriza apenas as iniciativas estaduais, sugere a existência de poucos programas. Em sua maioria, assumem o formato de auxílio moradia (tenant based

programs, isto é, vouchers), quase sempre temporários, consistindo em apenas uma única transferência de recursos diante de situações emergenciais, ou então “programas-pontes”, que contemplam provisoriamente demandantes do programa federal de vouchers que se encontram na fila de espera, priorizando frequentemente idosos, inválidos ou indivíduos em risco de se tornarem moradores de rua119.

Esse recuo da política habitacional contribuiu para o aumento do custo de moradia das famílias americanas a partir dos 1970. Isso porque, como visto no Capítulo 1, ocorreu em paralelo com a reconfiguração da relação salarial que, no regime de acumulação financeirizado, levou à desaceleração do ritmo de crescimento dos salários, implicando uma queda de sua participação na renda nacional de 51% em 1970 para 44% em 1994, e ao aumento das desigualdades sociais, já que o dinamismo salarial da base da pirâmide social ficou muito aquém daquele do topo (+15% de alta real dos salários dos 90% mais pobres contra +145% do 1% mais rico entre 1979 e 2000). O episódio da escalada dos preços dos imóveis, entre meados da década de 1990 e de 2000, ao também puxar para cima o patamar dos aluguéis (Gráfico 32), agravou ainda mais a situação, especialmente das camadas de menor renda da sociedade – em sua maioria, locatárias.

Neste sentido, o advento do regime financeirizado não favoreceu a melhoria das condições de habitação das famílias americanas. Os períodos de crise econômica, como em 2001, ou mesmo em 2008, tampouco foram acompanhados de deflação dos aluguéis, que, em termos reais, apresentaram avanços ainda mais acentuados, inclusive pelo aumento da procura por imóveis de locação devido aos casos de despejo daqueles que não conseguiam honrar seus financiamentos habitacionais.

119 Em 2007, o NLIHC apurou 112 programas de auxílio moradia a locatários de baixa renda em 42 estados

americanos mais o Distrito de Columbia. Disponível em: http://nlihc.org/sites/default/files/Housing-Assistance- 2008.pdf.

Gráfico 32. EUA: Evolução do Índice de Preço dos Aluguéis em termos reais – 1995 a 2012

Fonte: US Bureau of Labor Statistics – BLS. Elaborado por NAHB. Disponível em: < http://eyeonhousing.org/2011/12/real-rents-continued-to-edge-up-but-the-cpi-was-unchanged-in-november/>.

Em maior ou menor intensidade, as três medidas mais usuais do peso dos aluguéis no rendimento das famílias nos EUA apontam para uma deterioração do quadro do acesso à habitação (Tabela 9), como mostram os cálculos de Quigley e Raphael (2004) entre os anos de 1960 e 2000. Para o conjunto das famílias americanas, os aluguéis como percentagem da sua renda ficaram praticamente estáveis entre 1960 e 1970, passando de 19% para 20%, mas se elevaram sensivelmente desde então, chegando a 26%, em 2000. Segundo o Joint Center for Housing Studies da Universidade de Harvard, essa trajetória se acelerou ainda mais ao longo da escalada de preços dos imóveis nos anos 2000, fazendo com que, na média das famílias americanas, o peso dos aluguéis atingisse 30% de sua renda em 2009 (JCHS, 2011).

Os dois outros indicadores sugerem, contudo, uma situação mais dramática. A participação dos locatários que dedicavam mais de 30% de sua renda ao pagamento de aluguéis passou de 23% para 26% entre 1960 e 1970, avançou para 40% em 2000 e, então, para 50% em 2009. O terceiro indicador, por sua vez, que mede a percentagem dos imóveis possíveis de serem alugados com 30% da renda mediana dos locatários caiu de 84% para 62% entre 1970 e 2000 e para 43% em 2009 no conjunto das famílias dos EUA (Quigley e Raphael, 2004; Collinson, 2011).

Tabela 9. EUA: Evolução do custo da moradia para as famílias locatárias – 1960 a 2009

Fonte: Quigley e Raphael (2004), JSCH (2011) e Collinson (2011). Obs.: (*) Para o ano de 2007.

A evolução desses indicadores agregados se deve, sobretudo, mas não exclusivamente, às dificuldades enfrentadas pelas famílias da base da pirâmide social, como mostra a Tabela 9. O peso dos aluguéis na renda dos 20% mais pobres subiu de 51% para 55% entre 1970 e 2000, chegando a 64% em 2009. A percentagem dessas famílias que direcionava mais de 30% de sua renda para pagamento de aluguel avançou, por sua vez, de 67% para 79% e então para 82% nesse mesmo período. Já a parcela de imóveis cujos aluguéis não ultrapassavam 30% da renda dessas famílias caiu de 15% em 1980 para 7% em 2000.