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Desengajamento federal e nova governança das cidades

Capítulo 3. O acesso à habitação e a priorização da propriedade residencial

3.4. Desengajamento federal e nova governança das cidades

As seções anteriores buscaram traçar o caminho do progressivo desengajamento do governo federal americano nas políticas de habitação a partir dos anos 1970. Este foi um processo que assumiu diferentes dimensões, como a migração de formas mais diretas de intervenção, a exemplo da public housing, para formas indiretas, em que o Estado assumiu o papel de incentivar iniciativas de outros agentes, fossem eles com ou sem fins lucrativos. Este movimento implicou o recurso ao setor privado na oferta de habitação social. A despeito dos instrumentos de isenção fiscal ou de subsídios, a decisão final de construir novos imóveis ficou, cada vez mais, a cargo do setor privado. Com isso, a fração dos recursos alocados na ampliação da oferta de imóveis para as famílias de menor renda foi perdendo espaço para programas de transferências diretas de auxílio moradia às famílias, subsidiando seu acesso à moradia no parque social ou fora dele.

Há, contudo, outra dimensão não mencionada anteriormente referente à transferência de responsabilidades do governo federal para as esferas locais de governo105. Este movimento, que

ficou conhecido como devolution, se iniciou já na primeira metade dos anos 1970, quando programas federais não apenas de habitação, mas também de desenvolvimento urbano em geral, passaram a apresentar requisitos menos específicos a serem seguidos pelos órgãos locais que os implementavam. A mudança foi realizada por meio da expansão de block grants em substituição categorical grants. Neste último caso os recursos deveriam ser utilizados para fins específicos em atividades estreitamente definidas pelo governo federal, com a imposição de metas, critérios de planejamento e geralmente seleção de projetos apresentados pelos governos

105 Nos EUA, governos locais podem assumir diversas formas e tendem a se sobrepor em uma mesma área. O U.S.

Census Bureau (https://www2.census.gov/govs/cog/2012isd.pdf) reconhece cinco formas de governos locais: counties (condados), que se tratam de regiões administrativas dos estados, e suas subdivisões em municipalities e

towns/townships (isto é, as cidades), que são consideradas governos locais de propósito amplo. As duas outras estruturais locais são os school districts e os special districts, com propósitos específicos concedidos pelos estados. É comum que um mesmo indivíduo obtenha diferentes serviços sociais providos por diferentes tipos de governos locais, cujas responsabilidades variam muito de estado para estado, já que suas funções e capacidades de arrecadação (isto é, a própria existência das esferas locais de governo) derivam juridicamente de autorizações concedidas pelos estados americanos. Serviços tais como saúde e outros de proteção social, cortes de justiça e atividades correlatas, supervisão das eleições, coleta de impostos, atendimento de emergência (911), controle de animais, construção e reparo de estradas e pontes, entre outros, geralmente são obrigações dos counties. Educação primária e secundária, ficam a cargo dos distritos escolares. Outros, como proteção contra incêndios, oferta de água e gás, serviços de coleta de lixo e esgoto, controle de tráfego, bibliotecas públicas, segurança e saúde, tendem a ser providos por municipalities e townships. Já funções como atividades culturais e de recreação, parques, estacionamentos, transporte de massa, planejamento urbano, transporte aquático e seus terminais e proteção e conservação ambiental, são cada vez mais oferecidos por todos os tipos de governo local, inclusive os distritos especiais (Benton, 2010).

locais, sempre sujeitos a avaliações de desempenho. Entretanto no caso dos block grants a liberação de recursos exigia apenas a formulação de um plano geral de atuação e sua distribuição para as esferas locais passou a se dar sobretudo por meio de fórmulas pré-definidas, levando em conta fatores como tamanho da população, indicadores de pobreza etc. Esta mudança permitiu uma maior discricionariedade dos governos locais na alocação desses recursos

O Housing and Community Development Act de 1973, além de ter criado o programa Seção 8, como discutido anteriormente, também fundiu seis programas do tipo categorical

grants no Community Development Block Grant (CDBG), dando início, na área de habitação

e desenvolvimento urbano, ao processo de devolution aos governos locais. Para ter acesso aos recursos, os estados e as instâncias locais de governo deveriam realizar um Plano de Assistência Habitacional – Housing Assistance Plan (Comprehensive Plan, a partir de 1995). A despeito da maior discricionariedade concedida aos governos locais, a legislação de 1973 se precaveu do risco de que esses governos viessem a utilizar recursos federais para ampliar a public housing, ao proibir o financiamento da construção de novos imóveis.

O movimento de descentralização tampouco ficou restrito à política habitacional e urbana, estendendo-se para outras áreas de política social. Por exemplo, ainda em 1973, o Comprehensive Employment and Training Act substituiu 17 programas de categorial grants voltados ao treinamento de mão de obra. Em 1974, por meio de emenda ao Social Security Act, foi estabelecido o Title XX – renomeado em 1981 para Social Services Block Grant – consistindo em transferências do tipo block grants para ações junto a pessoas com deficiências, cuidados a criança, proteção a adultos socialmente vulneráveis etc. (Dilger, 2017).

Foi, contudo, a partir dos anos 1980, especialmente no governo Reagan, que essa tendência se aprofundou. A aprovação pelo Congresso do Omnibus Budget Reconciliation Act, em 1981, implicou a consolidação de 77 programas do tipo categorical grants em 9 block

grants, sobretudo na área de educação e saúde. No caso da habitação social, a mudança fundamental ocorreu em 1986 com o Tax Reform Act ao criar o LIHTC, que veio a se tornar o principal instrumento de apoio à construção de imóveis residenciais com fins sociais nos EUA. Como indicado na seção 3.2, este não é propriamente um programa habitacional, mas um mecanismo de isenção de tributos federais. O governo federal estabelece o montante de recursos que cada estado pode conceder como abatimento fiscal, mas são órgãos estaduais, junto aos governos locais, que definem os critérios de sua distribuição às construtoras que pleiteiam esse incentivo (Schwartz, 2006; Dilger, 2017).

Nos anos 1980, o discurso oficial da importância de conferir flexibilidade à atuação das instâncias locais de governo para que as ações do Estado de Bem-Estar Social fossem mais efetivas e eficientes, já que seria neste âmbito que as verdadeiras necessidades da sociedade se mostrariam com mais clareza, levou à descentralização das políticas sociais nos EUA. Este movimento, por sua vez, veio acompanhado de medidas de contenção de gastos sociais pela esfera federal. Depois de crescer de forma contínua no pós-Guerra, especialmente nos anos 1960 e início dos 1970 com as pressões de movimentos sociais por direitos civis, as transferências federais para estados e governos locais caíram de US$ 275,7 bilhões em 1978 para US$ 204,6 bilhões em 1987 (em dólares de 2009), implicando um recuo de mais de 1 ponto percentual do PIB (de 3,4% para 2,3% neste período).

Este declínio, que afetou sobretudo os gastos de capital dos governos locais, só não foi mais acentuado graças às transferências crescentes na área da saúde, devido ao Medicaid, criado em 1965106: de 6% do total das transferências para estados e municípios em 1960, avançou para

17% em 1980, seguindo uma trajetória de elevação até o presente. Em 2010, a área da saúde representava 48% dos recursos federais repassados às instâncias inferiores de governo. Foi, em grande medida, devido a esta evolução na saúde que, a partir dos anos 1990, foi revertida a tendência de queda das transferências federais vista nos anos 1980. As demais áreas, nem de longe, seguiram a mesma tendência (Quigley e Rubinfeld, 1996; CBO, 2013).

Como resultado, a participação das transferências federais nas receitas gerais de estados e dos governos locais recuou de 22% para 16% entre 1978 e 1989. A perda maior e mais duradoura coube às instâncias locais: de 10% para 3,8% neste mesmo período, atingindo sua pior marca em 1992 (3,5%). Alguma reação só foi esboçada entre 2001 e 2004 e entre 2009 e 2011 (quando atingiu 4,9%), tanto em função do impacto da recessão econômica sobre a arrecadação própria dos governos locais, como pelo reforço das transferências federais nos momentos de crise (Gráfico 29) e em função de eventos excepcionais, tais como os atentados de 11 de Setembro de 2001 e o furacão Katrina em 2005. Os estados tampouco compensaram o recuo federal, ainda que sua contribuição para as receitas dos governos locais tenha apresentado certa estabilidade ao longo do tempo (entre 32% e 36%). Fração majoritária desses

106 Os recursos referentes ao programa Medicaid são contabilizados como parte das transferências do governo

federal aos estados, mas, à semelhança dos vouchers na habitação, são posteriormente distribuídos aos indivíduos, segundo as regras do programa, não cabendo aos governos locais grandes margens de discricionariedade na sua utilização. Em 2003, por exemplo, o Medicaid representou 36% do total de recursos transferidos pelo governo federal aos estados. O segundo maior programa em vigor, Temporary Assistance to Needy Families (TANF) respondeu por 5% do total dessas transferências (Wildasin, 2010).

recursos, porém, foi cada vez mais concentrada na área da educação (primária e secundária), concedida majoritariamente aos distritos escolares107 (Wallin, 2005; Wildasin, 2010).

Gráfico 29. Participação das transferências federais nas receitas gerais dos governos locais – 1977 a 2010

Fonte: Urban Institute Data Query System. Disponível em http://slfdqs.taxpolicycenter.org/pages.cfm

Em consequência dessas mudanças nas relações intergovernamentais, as esferas locais passaram a depender mais de sua própria capacidade de arrecadação para financiar seus gastos. Isso ocorreu de modo mais expressivo no caso dos governos municipais (Benton, 2010), à diferença de outras instâncias locais, como os distritos escolares, que puderam contar com transferências estaduais em elevação. Depois de recuar de cerca de 80% das receitas gerais no início dos anos 1960 para 60% em 1977, a participação das receitas próprias nas receitas totais voltou a aumentar a partir dos anos 1980, atingindo 72% em 1990. Esse movimento continuou nos anos seguintes, porém em ritmo menos acelerado. Em 2007, a relação chegou a 74%.

A compensação do recuo das transferências intergovernamentais por meio da arrecadação própria não ocorreu sem desafios, já que, ao mesmo tempo, muitas cidades viram sua base tributária estreitada pelas mudanças na estrutura econômica. Além do movimento de suburbanização que vinha se dando desde o pós-Guerra, o processo de desindustrialização dos EUA a partir dos anos 1970, resultante da internacionalização das cadeias produtivas e da pressão concorrencial de seus parceiros comerciais, como visto no Capítulo 1, implicou a perda de população e de atividades econômicas nos principais centros urbanos do país.

107 Por essa razão, a participação de transferências intergovernamentais nas receitas gerais dos distritos escolares

nunca chegou a apresentar a mesma tendência declinante verificada nos anos 1980 em outros governos locais como nas cidades, counties e townships (Benton, 2010). Cerca de metade das transferências estaduais às esferas locais são direcionadas aos distritos escolares (53,7% em 2002, segundo estimativa de Wildasin, 2010), já que, desde 1979, em torno de 45% dos gastos com educação primária e secundária são financiados com esses recursos.

Dentre as áreas mais afetadas, estiveram as cidades da Costa Leste (rust belt), a exemplo de Detroit, sede da indústria automobilística no país. Hartley (2013) estima que Detroit perdeu 45% de sua população entre 1970 e 2006, enquanto a renda mediana de seus residentes foi reduzida em 35% em termos reais. Outras cidades, como Pittsburgh, Buffalo e Cleveland seguiram o mesmo caminho. Nem mesmo Nova York foi poupada, ainda que sua centralidade no sistema financeiro internacional tenha arrefecido certos impactos negativos (Moody, 2007). A margem para elevação dos tributos, contudo, se tornou limitada, dada a oposição cada vez mais forte a esse recurso. Um divisor de águas foi a aprovação da Proposition 13 pelo estado da Califórnia em 1978, reduzindo e limitando a arrecadação dos governos locais com impostos sobre os imóveis (property tax). A avaliação dos imóveis que funciona como base para esses impostos foi retroagida para valores de 1976, provocando uma perda imediata de 57% na arrecadação. Mais importante, a medida provocou uma ruptura entre a evolução do preço de mercado e a capacidade de arrecadação fiscal, já que a avaliação dos imóveis para fins tributários passou, desde então, a não poder implicar aumentos que excedessem 2% ao ano, caso não houvesse mudança de proprietário. Além disso, a alíquota de imposto foi limitada a 1% (Brunori et al., 2006).

Outros estados seguiram o exemplo da California: entre 1978 e 1980, quarenta e três estados adotaram medidas que limitaram a tributação imobiliária. Alguns deles foram além e impuseram novos limites aos gastos e à arrecadação dos governos locais segundo o crescimento de sua população ou da sua renda pessoal, em um movimento que só viria perder força no final dos anos 1980, mas que tampouco foi revertido desde então (Brunori et al., 2006).

A fim de compensar as perdas decorrentes das limitações nos impostos sobre imóveis, que reduziram as receitas próprias dos governos locais, outros impostos foram criados ou elevados, como a tributação sobre vendas e sobre a renda. Nem todos os governos locais puderam, entretanto, recorrer a este expediente, já que sua capacidade de tributação estava sujeita à autorização prévia dos estados. Assim, em maior ou menor grau, recorreram alternativamente a taxas e tarifas sobre serviços específicos (fornecimento de água, limpeza, esgoto, proteção contra incêndio etc.), para as quais tinham autonomia de criação. No caso do agregado das cidades americanas, a participação de taxas e tarifas nas receitas próprias totais avançou de 19% para 28% entre 1962 e 2002, segundo Benton (2010). A despeito dessa diversificação das fontes próprias de receita fiscal, a arrecadação a partir da riqueza imobiliária (property tax) continuou sendo a principal origem de recursos, respondendo por pouco mais de 30% de toda a receita própria das cidades.

Mais do que promover alguma diversificação das fontes próprias de financiamento, o recuo das transferências intergovernamentais aliado às mudanças estruturais da economia americana levaram a uma profunda transformação na governança das cidades, marcada pela crescente competição entre elas (e com outras cidades ao redor do mundo, pari passu ao avanço da globalização) para reter ou atrair investimentos que pudessem mobilizar suas economias, gerando emprego e renda para seus habitantes, e consequentemente, que alavancassem sua capacidade de arrecadação (Harvey, 1989; Gaffikin e Warf, 1993; Brenner e Theodore, 2008). A dependência do financiamento junto aos mercados de capitais também tornou as cidades mais sujeitas aos critérios exigidos para a obtenção de avaliações favoráveis de crédito e, consequentemente, melhores taxas de juros (Hackworth, 2002; Weber, 2010).

Neste processo, a própria forma de gestão das cidades foi se modificando: ao invés de ter uma ação pautada pelo gerenciamento de programas federais e estaduais, articulados a suas próprias iniciativas e, em boa medida, voltados para o fornecimento de serviços sociais e de sua infraestrutura, passaram a assumir, cada vez mais, um papel de incentivo de seu nível de atividade econômica, valendo-se, inclusive, da flexibilidade conferida na alocação de repasses federais por meio dos blocks grants. Houve, assim, uma migração do que Harvey (1989) chamou de “managerial approach”, típica dos anos 1960, para “entrepreneurial forms of

action” a partir dos anos 1970/1980.

A maioria dos governos locais tem sido obrigada – até certo ponto, independentemente de sua orientação política e contexto nacional – a ajustar-se a níveis elevados de incerteza econômica, engajando-se em formas de curto prazo de competição interespacial, comercialização, e restrições regulatórias a fim de atrair investimentos e empregos (...). Enquanto isso, o recuo dos regimes nacionais do estado de bem-estar e dos sistemas nacionais intergovernamentais também impôs poderosas restrições fiscais às cidades, levando a cortes orçamentários importantes durante um período em que os problemas e conflitos sociais locais se intensificaram em conjunto com a rápida reestruturação econômica (Brenner e Theodore, 2008; tradução própria).

Em outros termos, a emersão do regime de acumulação financeirizado não implicou o acirramento da concorrência apenas entre as empresas privadas e entre os Estados nacionais em um ambiente de globalização, mas também entre as instâncias locais do setor público. Igualmente, a capacidade de os agentes financeiros estabelecerem novos critérios de governança atingiu tanto os agentes privados não financeiros, como discutido no Capítulo 1, seção 1.3.1, como o setor público. Os constrangimentos econômicos e fiscais, geralmente identificados como consequência de gastos abusivos com políticas sociais (Jessop, 1997), permitiram transformações institucionais por meio das quais uma nova correlação de forças pôde operar. A transição de um modelo a outro não ocorreu sem traumas, a exemplo de Nova York, que, na segunda metade dos anos 1970, esteve sob intervenção do governo estadual,

supervisionada pelo Emergency Financial Control Board – instituição formada por representantes dos governos municipal, estadual e por gestores privados (banqueiros e empresários). Depois de expressivos déficits orçamentários e do fechamento dos mercados financeiros à emissão de títulos de dívida da cidade – em função do grau especulativo concedido pela Moody´s para sua avaliação de risco –, esta foi a forma encontrada para promover um ajuste fiscal expressivo, por meio de cortes em programas educacionais, de saúde e de habitação, e garantir que o pagamento dos credores assumisse o topo da lista de prioridades da prefeitura (Moody, 2007).

Segundo Hackworth (2007; p. 34; tradução própria), “o programa de austeridade instituído após a crise da dívida da cidade abalou a até então sólida coalisão do New Deal na cidade”, fazendo de Nova York “uma espécie de ensaio para uma maior reorganização neoliberal das prioridades nacionais que ocorreria nos Estados Unidos sob o governo de Ronald Reagan” (Moody, 2007; p. 18; tradução própria). Assim, por um lado, o ajustamento fiscal reduzia os programas sociais por meio dos quais funcionava a managerial city no regime fordista e, por outro, a utilização de recursos públicos no suporte (isenções fiscais, sobretudo) aos setores econômicos em ascensão em Nova York, particularmente finanças, seguros e setores imobiliários, davam os contornos da entrepreneurial city. A mudança de prioridades na administração da cidade foi consolidada com a recomposição das receitas públicas – ainda que as reduções de impostos tenham enfraquecido os ganhos fiscais potenciais108 – e a recuperação,

em 1983, do grau de investimento concedido pelas agências de rating, implicando certa normalização do acesso ao crédito da cidade e, por conseguinte, ajudando o equacionamento de suas finanças.

A experiência nova iorquina está longe de ser isolada, mesmo que a guinada em direção à entrepreneurial city não tenha ocorrido na mesma intensidade em todas as cidades ou de forma concomitante, em função de fatores tais como a maior ou menor perda de atividade econômica, a capacidade de suas administrações em preservar transferências de recursos dos governos estadual e federal, o nível de seu endividamento, a tradição política de cada cidade mais à esquerda ou mais à direita, entre outros. Hackworth (2007) identifica, por exemplo, o início desse processo já na primeira metade dos anos 1970 em Detroit, o que, em Philadelphia, só viria a ocorrer nos anos 1980. Em Chicago, a guinada se deu a partir de 1989, com a multiplicação de parcerias público-privadas com o governo de Richard Daley (Weber, 2010).

108 Segundo Moody (2007), enquanto os imóveis em Nova York viram um avanço de 174% em seu valor de

mercado entre 1983 e 1989, seu valor venal tributável aumentou apenas 45,5%, significando uma perda expressiva de arrecadação potencial.

Baltimore, por sua vez, teve seu ponto de inflexão em 1978, segundo Harvey (1989), com a aprovação do uso de terrenos públicos para o empreendimento privado Harborplace. De todo modo, o novo perfil da política urbana foi se difundindo e se fortalecendo a ponto de ser reconhecida enquanto prática inevitável, bloqueando, inclusive, trajetórias alternativas (Jessop, 1997).

O conjunto de estratégias adotadas pelas administrações locais incluiu o firmamento de parcerias público-privadas para a construção e operação de infraestrutura, o estabelecimento de

enterprise zones, nas quais eram concedidos abatimentos em impostos e maior flexibilidade regulatória, a adoção de estratégias de marketing de modo a atrair grandes eventos, turistas e determinados perfis de habitantes (de maior renda e com atuação profissional em setores em ascensão econômica) e a renovação de espaços urbanos109. O incentivo ao investimento

imobiliário assumiu um fim em si mesmo, já que as atividades de construção são geradoras de renda e de empregos, além de ser base da principal fonte de arrecadação fiscal dos governos locais. Com o descolamento entre a evolução do preço de mercado dos imóveis e o valor venal tributável e com as restrições sobre a elevação das alíquotas de impostos imobiliários, que se difundiram depois da Preposition 13, o nível de atividade dos mercados imobiliários, com aumento do volume de construção e de compra e venda, tornou-se um mecanismo importante para impulsionar a arrecadação das cidades com esse tipo de tributação. Além desses aspectos diretos, o investimento imobiliário também passou a integrar outras estratégias da

entrepreneurial city, à medida que foi se difundindo a ideia de que as características do ambiente físico de determinada área constituíam fator central para a atração de outras atividades econômicas.

A idade, o design e a justaposição física dos edifícios desempenharão um papel significativo na determinação da qualidade do ambiente urbano. Se coletivamente geram uma imagem de