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A questão das externalidades

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4 A PROTEÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL

4.4. A questão das externalidades

A discussão sobre o uso de ferramentas de gestão ambiental deve considerar o conceito de externalidades, tratado pela economia neoclássica. Externalidades são

consideradas falhas no sistema de mercado; ocorrem quando as atividades de produção e/ou consumo geram custos (ou benefícios) que não são adequadamente contabilizados pelo mercado (VARELA, 2008, p. 251).

O uso de recursos ambientais, normalmente, geram custos externos (externalidades) negativos intra e intertemporais (MOTTA, 2006, p. 75), que exigem correção. Nesse contexto, as discussões sobre a eleição do melhor instrumento de política ambiental a ser utilizado vem se acentuando.

Segundo Pigou apud Belchior (2011, p. 213), a atuação do Estado na área do direito ambiental é propiciada pela ótica do Direito Econômico, pois o custo da degradação ambiental imposto à sociedade pelos demais produtores (externalidades negativas), não internalizado pelo mercado, exige ação do poder público para a necessária correção.

A teoria econômica neoclássica é uma escola de pensamento que resultou dos estudos elaborados por Pigou, reconhecido economista inglês, que, no início do século XX, desenvolveu o conceito das externalidades negativas referente ao tema da poluição. Para a teoria pigouviana, o dano causado pela poluição gera um custo social resultante da atividade de um agente econômico, pelo qual outro agente tem que pagar (BELCHIOR, 2011, p. 214).

Este custo social, imposto à sociedade pela exploração dos recursos naturais, não tem sentido econômico, porque não há um equivalente monetário que RH[SUHVVH,PSRUWDQDYHUGDGHVHUHVWDEHOHFLGD³XPDUHJXODomRGD intensidade e extensão da exploração dos recursos naturais de modo a preservar o equilíbrio do PHLRDPELHQWH´ 6(,))(57S 

Neste aspecto, compreende-se que um agente pode fazer uso dos recursos QDWXUDLV VHP VXSRUWDU RV FXVWRV VRFLDLV ´FRUUHVSRndentes aos danos ambientais causados, impondo assim custos externos (externalidades negativas) à economia dos demais agentes que se utilizam do mesmo bem público´ $0$=21$6S 22).

Abordando o tema, MAY et al. (2005, p. 12), sob uma perspectiva econômica neoclássica, esclarece que os resíduos despejados no ambiente, assim como os efeitos nocivos dos processos produtivos, resultam em custos que são repassados à sociedade, afetando-lhe o bem-estar. Esclarece o autor que:

Tais custos sociais ± não refletidos nos custos de produção ± resultam num nível da atividade econômica, em determinados setores, que causam danos ao meio ambiente e à sociedade local ± ou mesmo à sociedade global, no caso de emissões de gases de efeito estufa.

Discorrendo sobre as externalidades negativas, Lorenzetti (2010, p. 34) HVFODUHFH TXH R LQVWLWXWR ³VHUYLX SDUD VLQDOL]DU PXLWDV VLWXDo}HV HP TXH Ki FRQVHTXrQFLDV GR DJLU LQGLYLGXDO TXH RXWURV DUFDP´ 7UDWD-se do efeito negativo ³RULXQGRGDSURGXomRRXGRFRQVXPRTXHXPGHWHUPLQDdo agente econômico causa na função de bem-HVWDUGHRXWURDJHQWHVHPDGHYLGDFRPSHQVDomR´ 6,48(,5$ 2004, p. 62).

Cánepa (in MAY, 2010, p. 81) acentua que essa compensação, traduzida na correção da externalidade negativa gerada, pode ser exigida pelo Estado mediante a imposição de um tributo incidente sobre a atividade produzida.

Constata-se, assim, que a atividade econômica impactante ao meio ambiente gera custos que não são assumidos pelo empreendedor, uma vez que este somente aufere os benefícios de sua atividade, transferindo esses custos (externalidades negativas) à sociedade.

Seiffert (2010, p. 40) observa que

A degradação da qualidade ambiental implica em dois custos básicos: o custo do próprio bem ambiental que foi consumido ou cuja qualidade foi comprometida e o custo associado a perda da saúde da população afetada, uma consequência da poluição gerada, cujo ônus do tratamento será geralmente transferido ao indivíduo afetado ou ao sistema de saúde publico.

Percebe-se, pois, uma dicotomia entre custos privados e custos sociais, impondo-se a internalização da diferença desses custos. No caso das externalidades ambientais negativas, a internalização deve corresponder à inserção dos prejuízos sociais nos custos de produção para que a atividade econômica seja estabelecida em níveis de padrão elevado, sob o ponto de vista da proteção ambiental (LORENZETTI, 2010, p. 34).

Na concepção de Almeida (1997, p. 2) a teoria econômica neoclássica é a que melhor oferece sustentação para a discussão de instrumentos de política ambiental, principalmente no que tange ao seu conceito de externalidades.

Para a autora, o princípio do poluidor pagador, consistente na obrigação imposta ao poluidor emarcar com os custos da reparação do dano por ele causado ao meio ambiente, destaca-se como importante ferramenta de preservação ambiental a partir da internalização dos custos da degradação ambiental pelo próprio poluidor.

A propósito, destaca que

Fazer valer o princípio poluidor-pagador, aplicando instrumentos econômicos, em especial, as taxas ambientais, que internalizem as externalidades no processo de decisão do agente agressor do meio ambiente, é a orientação vencedora no debate internacional sobre política ambiental.

A problemática levantada pela teoria econômica, sobre a questão das externalidades, objetiva recompensar as ações que estimulem a redução ou, até mesmo, a eliminação daquelas. Esta percepção, ou seja, a necessidade da LQWHUQDOL]DomR GDV H[WHUQDOLGDGHV ³IRL R JUDQGH IDWR LQGXWRU GD DJUHJDomR GR princípio do poluidor-pagador como base para a elaboração dos instrumentos de JHVWmRDPELHQWDO´ 6(,))(57S42).

Nessa perspectiva, o princípio do poluidor-usuário-pagador e o princípio da precaução são apontados como estratégia econômica e ambientalmente sustentáveis para corrigir a perda do bem-estar suportado pela sociedade afetada com as externalidades do processo produtivo (ALMEIDA, 1998, p. 37-38).

Para o Direito Ambiental o princípio do usuário-poluidor-pagador tem acentuada importância, pois todo sistema de proteção jurídica do meio ambiente gravita em sua órbita (MOTTA; YOUNG, 1997, p. 8).

O princípio do poluidor-pDJDGRU WHP SRU ILQDOLGDGH ³fazer com que os agentes que desencadearam as externalidades negativas assumam os custos impostos a terceiros, inteUQDOL]DQGR RV FXVWRV DPELHQWDLV´ -867,1,$12  S 32).

O princípio, em outros termos, impõe àquele que degradou o meio ambiente a obrigatoriedade em arcar com os custos da reparação do dano por ele causado. No entanto, Granziera (2009, p. 64) alerta que este princípio não corresponde à ideia de que o poluidor pode pagar para poluir.

A Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, conhecida como Rio 92, no princípio 1644, faz referência ao princípio mencionado, estabelecendo que

As autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais.

Portanto, o poluidor deverá arcar com os prejuízos causados ao meio ambiente, acrescentando-se que a responsabilidade perante os danos causados é objetiva e independe de prova de culpa do agente, bastando, apenas, a comprovação do dano ao meio ambiente, a autoria e o nexo causal (SIRVINSKAS, 2009, p. 62).

Por outro lado, o princípio do usuário-pagador, segundo Granziera (2009, p. 65), impõe ao usuário de um recurso ambiental, observadas as normas vigentes, o SDJDPHQWRSHORXVRSULYDWLYRGHVWHUHFXUVR³HPIDFHVHVXDHVFDVVH]HQmRFRPR SHQDOLGDGHGHFRUUHQWHGHLOtFLWR´

A cobrança de determinado recurso natural justifica-se pela sua raridade, importância ou possibilidade de escassez. Smets apud Machado (2011, p. 70), sobre o tema, é esclarecedor:

Em matéria de proteção do meio ambiente, o princípio usuário- pagador significa que o utilizador do recurso deve suportar o conjunto dos custos destinados a tornar possível a utilização do recurso e os custos advindos de sua própria utilização. Este princípio tem por objetivo fazer com que estes custos não sejam suportados nem pelos Poderes Públicos, nem por terceiros, mas pelo utilizador.

Embora o meio ambiente se apresente como bem de todos por imposição constitucional, há recursos naturais que não suportando as pressões sociais se apresentam ameaçados como se verifica, por exemplo, com os recursos hídricos.

A utilização dos instrumentos econômicos tem sido aplicada em forma de

royalties45, taxas, compensações fiscais, pagamento pela água bruta, tributação florestal, entre outros, devendo ser entendido como uma oportunidade de

44 Ministério do Meio Ambiente. Disponível em <http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido

=conteudo.monta&idEstrutura=18&id Conteudo=576> Acesso em 23/09/2011.

implementação de forma mais efetiva da Política Ambiental, além de contribuir para gerar receitas vinculadas para o setor da gestão ambiental (MOTTA; YOUNG, 1997, p.8).

Ressalta-se, ainda, que o conceito de externalidade também alcança um YLpVSRVLWLYR1HVWHDVSHFWR³RXVRVXVWHQWiYHOGRVUHFXUVRVQDWXUDLVHDSURWHomR ambiental, levando em consideração os benefícios socioeconômicos e/ou ambientais, geram externalidades positivas.´ 0$<et al. 2005, p. 7).

Cardoso (2004, p. 3) observa que as intervenções humanas na natureza que produzem degradação são consideradas externalidades negativas decorrentes dos custos sociais da atividade econômica. Por outro lado, as atividades humanas na natureza que gerem benefício à coletividade, por propiciarem melhoria no bem-estar social, são consideradas externalidades positivas.

Desta forma, é possível considerar que o desmatamento das áreas de reserva legal, para abrir espaços às atividades agroeconômicas, gera uma externalidade negativa à sociedade, exigindo-se a intervenção do poder público por meio de instrumentos de gestão ambiental, visando à solução do problema.

Como mencionado, áreas de reserva legal são instrumentos de política ambiental que importam em limitação do desmatamento integral da propriedade rural. São consideradas espaços ambientalmente protegidos em razão dos inúmeros serviços ambientais que o ecossistema ali concentrado oferece à sociedade.

Em se tratando do bioma Cerrado, as áreas de reserva legal, ao lado das unidades de conservação, são verdadeiros bancos de informação genética de espécies faunísticas e florísticas diversificadas, muitas das quais ainda sem catalogação pela ciência. Destacam-se, ainda, os serviços ambientais que a vegetação dessas áreas presta em favor do clima, sobretudo na sua função de sumidouros de carbono, quando as questões climáticas, nas ultimas décadas, têm imposto desafios à ciência global.

O Programa Cerrado, desenvolvido pela organização não governamental (ONG) Conservação Internacional Brasil (CI-Brasil), conclui que o cerrado deverá desaparecer até 2030.

Dos 204 milhões de hectares originais, 57% já foram completamente destruídos e a metade das áreas remanescentes estão bastante

alteradas, podendo não mais servir aos propósitos de conservação da biodiversidade. A taxa anual de desmatamento no bioma é alarmante, chegando a 1,5%, ou 3 milhões de ha/ano. As principais pressões sobre o cerrado são a expansão da fronteira agrícola, as queimadas e o crescimento não planejado das áreas urbanas (MAY, 2010, p. 51).

As conclusões do relatório advertem sobre a ineficácia das políticas de comando e controle, utilizadas pelo poder público, como ferramenta de gestão no combate ao desflorestamento. As externalidades negativas decorrentes da expansão da fronteira agrícola, queimadas e crescimento populacional não planejado geram custos sociais que ainda não foram adequadamente internalizados. Por isso, a externalidade negativa resultante da exploração das áreas de reserva legal deveria ser internalizada ou embutida nos benefícios auferidos pelos agentes econômicos responsáveis por esse desmatamento (SIQUEIRA, 2004, p. 45).

No entanto, é preciso considerar que, ao lado da implementação de uma política de gestão ambiental que busque solucionar este problema, importa reconhecer que práticas voltadas para a conservação dessas áreas refletem positivamente no bem-estar social da sociedade, apresentando-se como uma externalidade positiva.

Assim, conforme argumenta Siqueira (2004, p. 45), aquele que concorre para propiciar o aumento do nível de bem-estar de uma sociedade, gerando externalidades positivas, deveria ser compensado por essa sociedade de forma correspondente, em resposta ao dever fundamental de que a preservação do meio ambiente é responsabilidade constitucional imposta a todos.

A partir dessas reflexões é possível afirmar que os programas governamentais de estímulo ao reflorestamento deveriam alcançar todas as iniciativas que contribuíssem voluntariamente para conservação da RL, instituindo, por meio de instrumentos econômicos, mecanismos fundados em prêmios, sem menosprezo à política de comando e controle, como alternativa de conferir às políticas ambientais uma racional orientação capaz de atender e conciliar desenvolvimento econômico e sustentabilidade.

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