• Nenhum resultado encontrado

1. A RÁDIO E A INTERNET

1.2. A radiomorfose e a remediação da rádio

A tecnologia de distribuição do conteúdo desta nova rádio que emerge é diferente do que existia antes da emergência da rádio em linha, na qual a emissão ocorria de um ponto central para muitos recetores dentro de uma área de cobertura, num tipo de transmissão que dependia do tipo de modulação e da potência do transmissor. Com a emergência da rádio pela Internet, o conteúdo é distribuído de acordo com um dos tipos de difusão que temos na Internet, que é a distribuição de dados através de fluxo contínuo, possibilitada pela tecnologia streaming (Trigo-De- Souza, 2002; Van Haandel, 2009).

A rádio pela Internet, materializado na figura da webrádio, é concebida por Cordeiro (2010, p.253) como uma rádio que é destinada

“a uma audiência que, embora fragmentada, assume uma dimensão global, limitando a sua cobertura aos que estão ligados à rede. Esta altera o modelo de difusão, a estrutura e a natureza da mensagem, combinando as características tradicionais do meio (rádio) com a dimensão multimédia da Internet”.

Esta nova rádio é caracterizado pela liberação do pólo emissivo, uma das características da cibercultura (Lemos, 2004), constituindo-se em um medium no qual qualquer um tem a possibilidade de emitir quanto receber, dadas as possibilidades tecnológicas possíveis (Portela, 2011).

Nesta evolução da rádio, Meneses (2012d, p.165) afirma que os pesquisadores chegaram a dois caminhos: o que fecha o termo rádio a fenómenos semelhantes ao da rádio por difusão sonora, o que faz novas formas se tornarem algo que necessita de uma nova classificação e o que incorpora os novos fenómenos, o que seria entendido como uma evolução da rádio. O autor (2012d, p.165) afirma concordar com a segunda opção. Esta mesma opção é adotada por Meditsch (2010, p.204), que afirma:

“Há mais de uma década, começamos a questionar o conceito de rádio atrelado a uma determinada tecnologia, procurando demonstrar que melhor que isso seria pensar o rádio como uma instituição social, caracterizada por uma determinada proposta de uso social para um conjunto de tecnologias, cristalizada numa instituição. Consideramos hoje melhor ainda pensar esta

instituição social como uma criação cultural, com suas leis próprias e sua forma específica de mediação sociotécnica”.

Jenkins (2009, p.41) afirma que no cenário da cultura digital o que desaparece, o que muda, é a tecnologia de distribuição dos media. Este autor (2009, p.41) define:

“Sistemas de distribuição são apenas e simplesmente tecnologias; meios de comunicação são também sistemas culturais. Tecnologias de distribuição vêm e vão o tempo todo, mas os meios de comunicação persistem como camadas dentro de um estrato de entretenimento e informação cada vez mais complicado. (...) Os velhos meios de comunicação não estão sendo substituídos. Mais propriamente, suas funções e status estão sendo transformados pela introdução de novas tecnologias”.

Mariano Cebrián Herreros (2001, p.47) afirma que “desde el punto de vista de la difusión ya no puede hablarse de la radio, en singular, sino que para ser precisos habrá que insistir en una concepción plural, en las radios”24. Já Meditsch (2010, p.204)

tem outra opinião, tanto a rádio por ondas hertzianas, quando por cabo, pela Internet ou outro tipo de tecnologia podem ser considerados rádio por igual. Para o pesquisador brasileiro (Meditsch, 2010, p.205) o debate sobre a sua sobrevivência não depende da tecnologia envolvida, mas “da continuidade de seu uso social de uma determinada maneira, na preservação da modalidade cultural”. Corrobora com o que afirma Eduardo Meditsch, o professor Last Moyo (2013, p.215), da África do Sul, que afirma: “theoretically, radio content is no longer rigidly tied to the frequency waves, but now takes a liquidy form which allows it malleability through different media delivery platforms such as the Internet and mobile phones”25.

Cordeiro (2004, p.2) afirma que uma rádio que se apresenta com textos e vídeos “foge ao modelo tradicional, actualizando um formato com cerca de oitenta anos de existência e fornecendo ao utilizador, que é também o ouvinte, um amplo conjunto de potencialidades, que até aqui seriam impensáveis”.

Meneses (2012d, p.159-160) afirma que a rádio não evoluiu, mas adaptou-se perante o novo cenário da comunicação na qual está inserido, demonstrando grande capacidade de adaptação, seja com a adição de novas tecnologias ou com um novo tipo de repertório musical oferecido, mudando sua forma de ser, fazendo com que a

24“a partir do ponto de vista da difsão já não se pode falar da rádio, em singular, mas que para ser preciso haverá que em insistir em uma conceção plural, em as rádios” [Tradução do autor].

25“Teoricamente, o conteúdo de rádio não é mais rigidamente ligado às ondas de freqüência, mas agora assume uma forma líquida que permite maleabilidade através de diferentes plataformas de entrega de meios de comunicação como a Internet e os telemóveis” [Tradução do autor].

rádio torne-se menos generalista, mas essencialmente musical possuindo como elementos-chave a música, pela sua quantidade na programação, e a voz, que é o seu código primário.

Portanto podemos acreditar que a mudança de suporte não resultou no fim do rádio, mas na emergência de novo tipo de rádio, que tem suas próprias características. Nair Prata (2008, p.69) afirma que

“está claro que há aí uma mudança de paradigma, com a necessária busca de novos conceitos do que seja rádio, TV ou Internet. Há alguns anos não havia qualquer dificuldade para a definição básica de cada uma das mídias mais presentes na vida da população. Mas após o advento da web, o que parecia simples ficou complicado, pois não é fácil submeter a um enquadramento linguagens tão semelhantes”.

Meneses (2012d, p.162) define a rádio como conteúdo sonoro (palavra e música), predeterminado por alguém (seja locutor ou diretor de emissora, entre outros), para ser ouvido passivamente (em fluxo linear, que não se repete e que não é manipulável) por muitas pessoas por meio de diferentes tecnologias. O autor ainda afirma que algumas características da rádio permaneceram imutáveis enquanto outras se modificaram. Entre as características que permaneceram imutáveis é ter o conteúdo sonoro como conteúdo principal, ser predeterminado por alguém (com conteúdo que pode ser gravado previamente ou ser mixado em direto), para ser ouvido em direto, com a opção de desligar ou mudar de emissora se não gostar. Entre as características que mudaram estão a distribuição de conteúdo por diferentes tecnologias e a receção em aparelhos simples ou compostos (convergentes).

Medeiros (2007, p.2) define que há duas características que devem ser consideradas seminais para definir o que é rádio e que devem estar presentes na emissão em linha para que ela seja entendida como rádio: o fluxo de transmissão síncrono (sincronia com o tempo real; ou seja, a transmissão em direto) e a presença dos elementos radiofónicos (presença da linguagem e do discurso como elementos conceituais e dos demais elementos de ordem conjetural ou estrutural como elementos secundários).

Prata (2008, p.71) afirma que o som continua a ser o elemento-chave da rádio na Internet. Mas ao som foram adicionados novos signos na forma de textos, imagens, vídeos etc. A sincronia com o tempo real (a transmissão em direto) também é outro elemento-chave. Baseado nestes elementos-chave, a autora desenvolveu sua conceptualização do que é rádio na Internet: “Meio de comunicação que transmite

informação sonora, invisível, em tempo real. A informação sonora poderá vir acompanhada de textos e imagens, mas eles não serão necessários para a compreensão da transmissão” (Prata, 2008, p.71).

Baseados em Fidler (1997), temos que os novos media não se desenvolvem espontaneamente, nem de forma independente. Eles emergem de forma gradual da metamorfose dos media antigos, em um processo chamado mediamorfose. Portanto, quando uma nova forma emerge, a antiga não é abandonada, ela continua a evoluir e a se adaptar. Foi isto o que ocorreu com a rádio. Já tinha ocorrido antes e continua a ocorrer26. Nair Prata (2008) observou que o fenômeno da mediamorfose acontece

também na rádio e rebatizou este fenômeno na rádio de radiomorfose.

“A teoria de Fidler (...) é claramente aplicável ao rádio. (...) Assim, poderíamos afirmar que o rádio dos anos 50, através do processo de radiomorfose, superou o impacto tecnológico do advento da TV e buscou nova linguagem. O veículo não morreu, apenas se transformou. Hoje, neste princípio do século XXI, a radiomorfose continua e o veículo não vai morrer com o impacto das novas tecnologias digitais e da web, mas busca uma readaptação e encontra seu caminho numa nova linguagem, especialmente desenvolvida para os novos suportes. Podemos afirmar que o rádio na web repete as fórmulas e os conceitos hertzianos, velhos conhecidos do ouvinte, pois é pela repetição que o público se reconhece. Mas, ao mesmo tempo, insere novos formatos, enquanto reconfigura elementos antigos, numa mistura que transforma o veículo numa grande constelação de signos sonoros, textuais e imagéticos” (Prata, 2008, p.76).

Este processo descrito por Prata também é defendido por Vieira et al. (2013b), os quais o batizaram de radiomorophosis e afirmam que este processo "pretende fazer sobressair a ideia que a rádio não muda, mas antes se adapta às mudanças e é, no actual contexto de mudança, o meio mais habilitado para o fazer sem mudanças radicais da sua base enquanto média" (Vieira et al., 2013b, p.304).

Meneses (2012d, p.165-172) e Portela (2011, p.48-50) afirmam que o conceito de rádio com a emergência do suporte digital entrou em crise, a qual foi iniciada com tecnologias de radiodifusão digital (RDS, DAB, DRM, HD-Radio e ISDB-TN), além da emissão via satélite, que permitiam a transmissão não apenas de som, mas também de texto e imagens, e que foi aprofundada com a emergência das emissões pela Internet, as quais em um primeiro momento foram utilizadas como um canal complementar para as transmissões em radiodifusão e que, com a generalização do

26 No universo do rádio podemos falar da adoção da emissão em FM como meio de transmissão ou das evoluções tecnológicas como a implementação da microeletrónica, como citadas por Cardoso (2009, p.36).

uso da Internet pela população, passou a se apresentar como uma nova forma comunicativa e não apenas como um suporte de algo que já existia. Além disso, para o termo rádio entrar em uma crise completa, foram criadas novas ferramentas na Internet que acabaram por mudar a perceção do que é rádio. São elas o ficheiro de áudio, o podcast, o áudio on demand (com serviços personalizados de difusão de conteúdo) e o vídeo. Este último implodiu a ideia da rádio estritamente sonoro-verbal. Baseados nas definições de Medeiros, Prata e Meneses descritas acima, devemos entender como rádio em linha as webrádios, excluindo podcasts ou áudios on demand, que têm a linguagem da rádio, mas não possuem a emissão em tempo real; e as listas de músicas de serviços como Last FM27, Rdio28, Spotify29 ou Xbox

Music30, que têm emissão em tempo real, mas não possuem a linguagem da rádio

(Van Haandel e Ramos, 2014a, no prelo). Podcasts, áudios on demand ou vídeos devem ser entendidos no universo da rádio pela Internet como recursos que podem ser aproveitados nas narrativas exploradas pelas emissoras na Internet. Estes novos recursos foram adicionados à webrádio, fazendo parte de seu ecossistema, mas eles, per se, não devem ser entendidos como rádio (Medeiros, 2007; Prata, 2008). Já as listas de músicas de serviços de execução automática de repertório, chamadas de drone radios por Vieira et al. (2013b, p.313), são comumente chamadas de rádio, mas se basearmos a noção de rádio à presença das locuções do radialista, então estes tipos de emissão não correspondem à rádio. De facto, elas lembram muito mais as jukeboxes, como nos lembra Medeiros (2007).

A webrádio pode ser entendida como um espaço convergente de conteúdos e com isto há uma mudança na compreensão do que é rádio, com a quebra de vários paradigmas da rádio citados por McLeish (2001, p.1-17). “Com a disposição dos conteúdos online, na sua maioria em formato podcast, a webrádio assincroniza a sua programação de maneira que os ouvintes/utentes possam consumir estes conteúdos (...) desvinculando o tempo de emissão e de receção” (Piñeiro-Otero e Ramos, 2011b, p.56).

27 Serviço disponível por meio da URL http://www.lastfm.pt/ - Último acesso em 19 Jun. 2014. 28 Serviço disponível por meio da URL https://www.rdio.com/ - Último acesso em 19 Jun. 2014. 29 Serviço disponível por meio da URL https://www.spotify.com/pt/ - Último acesso em 19 Jun. 2014. 30 Serviço disponível por meio da URL: http://www.xbox.com/pt-PT/Music - Último acesso em 19 Jun. 2014.

Hoje autores sustentam uma quebra de paradigma31 de vários aspetos do que

era considerado rádio, dado às mudanças causadas pela emergência do uso do suporte digital para a emissão de conteúdo. Para Kischinhevsky (2007, p.126, grifo do autor),

“o rádio convencional, mais cedo ou mais tarde, se transformará num parente do antigo gramofone, um símbolo de um período objeto destinado à exposição em museus. [...] O rádio, via internet ou satélite, virá tomar o seu lugar, integrado à outras mídias, seguindo a tendência da convergência. Logo, as novas emissoras utilizarão o nome rádio apenas como uma pálida referência a uma mídia que se perdeu no tempo”.

O que observamos sobre o que defende Kischinhevsky é que a rádio que conhecíamos, a rádio analógica, que era paradigmática em relação à conceção que tínhamos sobre rádio, se tornará um tecnossauro, que é um meio de comunicação com uma tecnologia obsoleta, em desuso, que foi trocada por uma que oferece novas possibilidades comunicacionais segundo a definição de Nosengo (2009).

Por fim, devemos observar as palavras de Bonixe sobre o quadro atual da rádio. De acordo com o autor (2012, p.183),

“é hoje certo que a rádio exclusivamente sonora já não existe. A rádio é um conjunto constituído pela sua emissão tradicional (sonora e contínua temporalmente), pelo site na Internet, pelas aplicações nas redes móveis e pelas redes sociais. Se olharmos para as principais rádios (...) verificamos que estão presentes com os seus conteúdos em várias plataformas. Falamos hoje de uma rádio multiplataforma que convoca os ouvintes (...) para um leque alargado de expressividade onde não cabe apenas o som, como antigamente, ao mesmo tempo em que sugere um maior grau de participação nos conteúdos disponíveis nas plataformas digitais. Nesse sentido, falamos hoje de uma rádio 2.0”.

Além do processo da radiomorfose, podemos afirmar que outro processo reelabora a radiodifusão (Kischinhevsky, 2013) e se materializa nas webrádios (Van Haandel, 2009): a remediação. De acordo com Kischinhevsky (2013, p.7) o processo da radiodifusão encontra-se remediado pela Internet. Este autor (2013, p.7-8) defende que a radiodifusão reconfigura-se "por meio de estratégias representacionais - especificamente (...) a imediação transparente, que busca tornar o meio invisível (...) e a hipermediação, que chama a atenção para a remediação em si (...)"

31 O professor Armando Malheiro da Silva (2006, p.158) sustenta que o termo paradigma “aplicado às condições de produção das ciências sociais (...) pode consistir genericamente num modo de ver / pensar e de agir comum a uma ampla maioria de cientistas (dentro de seu campo disciplinar específico) de diferentes línguas e nacionalidades distribuídos por mais que uma geração”. Podemos crer que já existe um novo paradigma, pois este processo de transformação da realidade da rádio já vem em transformação há mais de quinze anos, desde as primeiras experiências com a rádio digital e o uso da Internet e das emissões televisivas para a exibição de conteúdo das emissoras de rádio.

Os novos media possibilitados pela utilização do suporte digital tanto recriam media antigos e, ao mesmo tempo, criam novas formas de emitir conteúdo. Ao mesmo tempo em que podemos afirmar que a webrádio é a rádio transformada para a Internet, podemos afirmar que ela é um novo medium que segue uma da lógica da remediação que é ‘pegar emprestado’ algo já existente retrabalha-lo, e oferece-lo de uma nova forma para os consumidores. Basicamente, o conceito de remediação trata da representação de um meio (por exemplo, a rádio) em um outro, (por exemplo, a Internet) e se constitui como uma das características dos novos media (Bolter e Grusin, 2004, p. 44-45).

Bolter e Grusin (2004, p. 45-47) citam quatro tipos de remediação. O primeiro apresenta o novo meio baseado no antigo sem critica ou ironia; ou seja, apresenta a nova forma como se fosse uma simples atualização da forma anterior, tentando não distorcê-la. O segundo apresenta um melhoramento do antigo medium no novo; ou seja, apresenta a nova forma com atualizações que visam melhorar os seus elementos. O terceiro tenta remodelar totalmente o antigo medium no novo, embora marcando a presença do antigo medium nas formas apresentadas do novo e mantendo um senso de hipermediação ou multiplicidade. Por fim, no quarto, o novo medium tenta absorver o antigo de forma completa, fazendo com que sejam minimizadas as diferenças entre eles. Entretanto, assegura que o medium antigo não possa ser totalmente exibido e que o novo meio é dependente do antigo com base de maneiras reconhecidas ou não reconhecidas.

Com base nos quatro tipos de remediação descritos acima, podemos afirmar que a webrádio está configurada como uma remediação do terceiro tipo. A webrádio remodela totalmente a rádio hertziana, embora a rádio hertziana marque presença nas formas apresentadas pela webrádio. Neste caso, o conteúdo de áudio é entregue por meio do streaming de áudio em direto e mantém um sentido de hipermediação (com ligações para os diversos conteúdos disponibilizados para consulta) e multiplicidade (diferentes conteúdos oferecidos pela emissora).

Portanto, a webrádio é um formato de comunicação que se configura na radiomorfose da rádio hertziana e uma remediação da rádio hertziana que possibilita novas formas de disponibilização de conteúdos.

2. A PARTICIPAÇÃO DO UTILIZADOR E A PRODUÇÃO DE CONTEÚDO NAS