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3. A METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO

3.4. Métodos e técnicas de recolha dos dados

3.4.1. Etnografia como método de recolha dos dados

De Ketele e Roegiers (1999, p.154) definem o método como "um conjunto mais ou menos estruturado e coerente de princípios que devem orientar o conjunto de procedimentos do processo no qual se inscreve (nomeadamente as técnicas utilizadas)". No caso desta pesquisa o método é a etnografia, o qual oferece um conjunto de procedimentos que devem ser feitos e que orientam as técnicas de recolha de dados que são utilizadas, nomeadamente as observações não participante e participante e os inquéritos por questionário e por entrevista. Este método abarca os dois tipos de observação, sendo a etnografia utilizada com o uso das observações direta (por meio das observações) e indireta (por meio dos questionários e entrevista) enquanto o inquérito abarca apenas a observação indireta.

A etnografia pode ser entendida como uma metodologia de aproximação ou uma postura metodológica (Hine, 2009) ou produto resultante de uma pesquisa (relatório, narrativa) (Fragoso, Recuero e Amaral, 2012, p.168) ou um método (Hine, 2009; Fragoso, Recuero e Amaral, 2012, p.168), entre outras definições93. Em todos

esses casos, a ênfase é sempre na imersão do pesquisador no universo pesquisado. O pesquisador pode utilizar diversos tipos de técnicas para a recolha da informação, dependendo, para isto, do que vai investigar.

"A etnografia baseia-se na posição teórica de descrever as realidades sociais e a sua construção[...], visando a elaboração de teorias[...]. As questões da investigação centram-se essencialmente na descrição pormenorizada de estudos de caso[...]" (Flick, 2013, p.150).

Os estudos etnográficos emergiram na antropologia e mais tardes foram adotados em outras ciências sociais, entre elas a ciência da comunicação, na qual foi utilizada para investigações entre a relação da comunicação com, por exemplo, culturas e práticas sociais.

A etnografia envolve diferentes ações metodológicas como o questionamento do fenômeno, a procura de pistas, a leitura de documentos, a observação de ações dos investigados, a interação entre pesquisador e pesquisado em linha ou fora de linha, a ligação entre factos, a coleta de material para montar o quebra-cabeça, as experiências autobiográficas, etc.

A pesquisa etnográfica pode combinar técnicas de recolha de dados tanto em linha como fora de linha. Entre as técnicas que recolhem dados em linha estão as observações de ligações, questionários em linha, entrevista face a face por meio de programa que permita a interação em linha entre entrevistador e entrevistado, entre outros. Entre as técnicas que recolhem dados fora de linha estão os questionários marcados em papel, entrevistas face a face presenciais, anotações fora de linha de fenômenos, entre outros.

“Ethnography has a reputation as an approach that allows researchers to study social situations on their own forms. The key idea is that the researcher should become immersed in the social situation being studied and should use that experience to try to learn how life is lived there, rather than

93 Alguns autores utilizam o termo etnografia como uma perspectiva de estudo, como faz Podkalicka (2009) ao definir sua pesquisa sobre a relação da difusão da rádio e as pessoas jovens, com recorte no projeto de rádio da YouthWorx Media, que utilizou observação participante, entrevistas individuais, grupos focais, questionários e análises de criações multimédia dos jovens.

coming in with a particular pre – formed research question or assumptions about the issues that will be of interest. Ethnography is thought of as the most open of research approaches, which adapts itself in the social situations that it finds. This does not mean, however, that ethnography just wander around aimlessly or that simply by being in a situation that will soak up data. Ethnography might be adaptive, but it is still purposive” (Hine, 2009, p.6)94. A escolha de um investigador do uso da etnografia para a sua pesquisa vem da necessidade de "estudar questões ou comportamentos sociais que ainda não são claramente compreendidos e ajudar o pesquisador a 'tomar pé da situação' antes de centrar-se em questões específicas" (Angrosino apud Fragoso, Recuero e Amaral, 2012, p.180).

Algumas linhas seriam como proceder numa pesquisa etnográfica são expostas por Boyd (2009, p. 26-30) como ler outras pesquisas etnográficas para entender como os pesquisadores procederam em suas investigações; iniciar uma investigação focando em alguma cultura (como, por exemplo, a cultura dos utilizadores de webrádio); ir à campo, observar documentos coletar, questionar, analisar a cultura que está a investigar, nunca se acomodar, sempre ser reflexivo e questionar, sem fazer nenhum fetiche; entender que a construção de fronteiras é um processo social, em que as fronteiras de um projeto emergem quando o pesquisador decide quais ou quais questões devem ser fixadas com base em padrões de dados e observações; e observar que fazer sentido de cultura é um processo interpretativo, sendo reflexivo sobre suas interpretações, preconceitos e limitações.

Entre as ações que o investigador deve se preocupar ao realizar um estudo etnográfico são o estabelecimento de limites para a pesquisa, fronteiras que devem demarcá-la; a elaboração de perspetivas de abordagem; o planeamento da relação entre pesquisador e pesquisado; as questões éticas a serem tomadas, como, por exemplo, a proteção de informação sobre pessoas; o respeito a privacidade dos investigados; o tipo de inserção do observador; a entrada em campo; a coleta de dados e como utilizar os dados em linha e fora de linha.

94 “Etnografia tem uma reputação como uma abordagem que permite aos pesquisadores estudar situações sociais em seus próprios formulários. A idéia fundamental é que o pesquisador deve ficar imerso na situação social que está sendo estudada e deve usar essa experiência para tentar aprender como a vida é vivida lá, em vez de chegar com uma questão em particular pré-formatada de pesquisa ou hipóteses sobre as questões que serão de interesse. Etnografia é considerada como a mais aberta das abordagens de pesquisa, que se adapta às situações sociais que ela se encontra. Isso não significa, no entanto, que a etnografia apenas passeia sem rumo ou que simplesmente esteja em uma situação que irá absorver dados. Etnografia pode ser adaptável, mas ainda é intencional”. [Tradução do autor]

Christine Hine (2009, p.7) afirma que uma das questões que angustia o etnógrafo é saber onde começar e onde finalizar e onde ir durante a pesquisa, pois o universo que vivemos é um local complexo, com pessoas em migração, representadas nos media e que se comunicam em diversas plataformas, o que faz com que a etnografia adote uma postura metodológica que luta com a consequente dificuldade de definir locais de campo.

Kendall (2009, p.22) considera que há três tipos de limites distintos no campo da etnografia e que há também três esferas de influência nas escolhas dos limites. Estes dois grupos, limite e esfera de influência, se misturam e se sobrepõem. Elas são definidas das seguintes formas pela pesquisadora (2009, p.22):

“Spatial boundaries refer to questions of where, who, and what to study. Temporal boundaries refer to questions of time spent and the issues of beginning and ending research. Relational boundaries refer primarily to relationships between researchers and the people they study (…). The analytical sphere of influence refers to theoretical and analytical decisions regarding project boundaries. The initial sphere of influence refers to boundaries decisions made for ethical reasons, especially, refers to various aspects of researcher’s background that might influence the choice of boundaries, such as personal proclivities, skills or history” 95.

Por exemplo, podemos dizer que considerações sobre o que estudar são influenciadas pelo background de saber do pesquisador, pois se ele não domina determinada técnica, como a de montar protótipos em linha, ele não vai desenvolver uma pesquisa sobre isto, ou que considerações sobre quem entrevistar são influenciadas por decisões éticas, como evitar divulgar investigados que podem ser prejudicados pela exposição de seu universo de vivência pela pesquisa. Temos que ter estas considerações de limites em mente quando construímos a metodologia de uma pesquisa etnográfica.

Com a emergência do suporte digital os estudos etnográficos passaram a abarcar práticas que ocorriam também em linha. Diferentes variações de etnografia foram desenvolvidas para o estudo de fenômenos que ocorriam em linha, como a netnografia, a etnografia virtual, a webnografia e a ciberantropologia.

95 “Limites espaciais referem-se a questões sobre onde, quem e o que estudar. Limites temporais referem-se a questões de tempo gasto e os problemas de início e término da pesquisa. Limites relacionais referem-se principalmente às relações entre eles pesquisadores e as pessoas que estudam (...). A esfera de influência analítica refere-se a decisões teóricas e analíticas quanto aos limites do projeto. A esfera de influência inicial refere-se aos decisões-limite tomadas por razões éticas, especialmente quando se refere a vários aspetos de fundo do pesquisador que pode também influenciar a escolha de limites, como inclinações pessoais, habilidades ou história.” [Tradução do autor]

Danah Boyd (2009, p.26) afirma que a Internet está cada vez mais entrelaçada na vida das pessoas, sendo tanto um espaço imaginado como um espaço construído, no qual coisas acontece nele, através dele e por causa dele. Esta realidade fez com que fossem desenvolvidas variações de etnografia que pudessem investigar o universo no qual passam a ocorrer os fenômenos comunicacionais em linha.

Para a presente pesquisa a netnografia é o tipo de etnografia a ser utilizado para investigar os fenômenos pretendidos. A netnografia, no âmbito da presente pesquisa, é utilizada com método geral para estudar o universo da relação entre a participação em linha do utilizador e a produção de conteúdo pela webrádio. Neste caso o recorte é no universo das webrádios, sendo utilizadas duas amostras como estudo multicaso, a Campina FM e a Rádio Comercial. O estudo está inserido em um contexto cultural, o das práticas comunicacionais na Internet, e se manifesta como dois fenômenos que se complementam, a participação em linha do utilizador nos recursos interativos disponibilizados pela webrádio e a produção de conteúdo para ser consumido em linha ou por ondas eletromagnéticas pela audiência.

Robert Kozinets (2010, p.1) define a netnografia como “a specialized form of ethnography adopted to the unique computer-mediated contingencies of today’s social world”96. O termo é um neologismo que une as palavras net (de Internet) e etnografia.

Ela foi cunhada por volta de 1995

"para demarcar as adaptações do método etnográfico em relação tanto à coleta e análise dos dados, quanto à ética da pesquisa. [É relacionada] aos estudos de comunicação com abordagens referentes ao consumo, marketing e ao estudo das comunidades de fãs" (Fragoso, Recuero e Amaral, 2012, p.198-199).

A netnografia não deve ser entendida como uma simples monitorização de sites, é algo mais complexo. Fragoso, Recuero e Amaral (2012, p. 176) afirmam que

“limitá-lo a um mero instrumento de aferimento de audiência e de perfil de consumo é descartar o entendimento das práticas comunicacionais, num sentido mais amplo, bem como dos aspectos protocolares culturais e comportamentais de cada grupo ou comunidade a serem observados”.

A Internet pode ser vista por um lado como um meio de comunicação, mas também pode ser vista como um espaço comunicativo com suas próprias características (Orgad, 2009, p.36). Ela transformou as pesquisas etnográficas pois trouxe uma nova realidade e um novo universo. Boyd (2009, p.27) sustenta que

96 “uma forma especializada de etnografia adaptada para as contingências mediadas por computador exclusivas do mundo social de hoje” [Tradução do autor]

“networked technologies leave completely disrupted any simple construction of a field site. Traditionally ethnographers sought out a physical site and focused on culture, peoples, practices and artifacts presents in a geographically bounded context (…). In a networked society, we cannot take for granted the idea that culture is about collocated peoples. It is not a question of mobility but of access to a hipertextual world” 97.

Algumas investigações no âmbito da rádio na Internet foram feitas por outros investigadores, algumas com base na etnografia, outras somente explorando apenas uma técnica de recolha de dados. Um exemplo de investigação com base em apenas uma técnica de recolha foi feita por Kristine Johnson (2012, p.17), estudo que investigou o universo dos utilizadores da National Public Radio (NPR), que focou em quem usa as tecnologias digitais, quais os recursos mais usados da NPR e o porque usam estes recursos, sugerindo os tipos de usos e gratificações que os utilizadores têm ao aceder ao NPR.org. Outro exemplo é o trabalho feito por Moody, Greer e Linn (2003, p.255) que investiga os utilizadores da National Public Radio (NPR), com sua demografia, suas habilidades e suas razões de visita, e como a NPR usa as variáveis que são relacionadas à frequência de visita ao website, em uma investigação baseada em questionário com 350 visitantes dos websites da NPR.

Propõe-se para a presente pesquisa uma triangulação, termo que “designa a combinação de diferentes métodos, grupos de estudo, enquadramentos de espaço e de tempo e diferentes perspectivas teóricas no tratamento de um fenómeno” (Flick, 2013, p.231). De acordo com Denzin (apud Flick, 2013, p.231) há quatro tipos de triangulação, a dos dados, a do investigador, a teórica e a metodológica; esta última possui dois tipos, a intra-método e a inter-método; a última traz o tipo de triangulação que deseja-se fazer na pesquisa, combinando dados de entrevistas, com observações e questionários realizados. A combinação de instrumentos possibilita que um comprove outro ou que um mostre que o outro traz algum erro, seja qual for a situação enriquece a investigação. Por exemplo, Flick (2013, p.223-224) afirma que alguns pesquisadores indicam que colocar trechos de entrevista como único instrumento para documentar as afirmações não fornece credibilidade à investigação, por isso envidencia a combinação com outros métodos e técnicas.

97 “tecnologias em rede deixam completamente interrompidos qualquer construção simples de um local de campo. Tradicionalmente etnógrafos procuram um local físico e focado em cultura, povos, práticas e artefatos presentes em um contexto geograficamente limitado (...). Em uma sociedade em rede, não podemos tomar como certa a idéia de que a cultura é sobre os povos co-instalados. Não é uma questão de mobilidade, mas de acesso a um mundo hipertextual” [Tradução do autor]