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A restrição externa inserida em um círculo vicioso

2. Restrição de Balanço de Pagamentos e Crescimento Limitado

2.3 Restrição estrutural de balanço de pagamentos e o círculo vicioso

2.3.1 A restrição externa inserida em um círculo vicioso

Como visto no primeiro capítulo, o crescimento depende fundamentalmente da demanda efetiva, considerando a estrutura e a capacidade produtiva existentes. A produção, neste contexto, é realizada buscando valorizar o capital, o que será efetivado com a realização das vendas. A demanda é função do consumo, que depende do nível de atividade econômica, e do investimento tanto em capacidade produtiva, induzido pela renda, como em inovações, autônomo em relação ao nível de renda, mas induzido pela concorrência. Tanto o consumo como o investimento são influenciados pelas condições de financiamento existentes. O desenvolvimento, por outro lado, é resultado da transformação estrutural resultante da maturação dos investimentos produtivos. No longo prazo, o desenvolvimento caracteriza-se pelo crescimento acompanhado de diversificação da estrutura produtiva e aumento da produtividade.

No caso dos países desenvolvidos, há uma conjugação de fatores favoráveis tanto ao crescimento, nos termos de Keynes, quanto ao desenvolvimento, nos termos de Schumpeter. As economias são dinamizadas pela interação de fatores presentes, como a elevada demanda agregada em ambiente de alta concorrência e com condições favoráveis de financiamento. Estas economias dispõem de mercado financeiro desenvolvido e operam com taxa de juros relativamente baixa. Neste contexto, as empresas buscam inovação (P&D) e estão sujeitas à seleção imposta tanto no âmbito nacional como no internacional, gerando aumento de

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produtividade. Então, há uma tendência à constante geração e desenvolvimento de novas tecnologias, que rapidamente se difundem pelo aparelho produtivo, em função da própria concorrência e da menor assimetria técnica. Com uma estrutura produtiva diversificada e competitiva a restrição de balanço de pagamentos tem caráter conjuntural, que pode ser mais ou menos rapidamente superada em função da maior ou menor vulnerabilidade externa e da inserção político-econômica internacional. O processo de crescimento e desenvolvimento é contínuo e estas economias não perdem seu espaço no seleto grupo dos países desenvolvidos. Este quadro caracteriza o que pode ser chamado de um círculo virtuoso.

Os países em desenvolvimento, por outro lado, como visto, têm menores dinamismo e crescimento, dadas as condições adversas para consumo e investimento, principalmente a partir do baixo nível de renda, das condições desfavoráveis de acesso a crédito e financiamento e da pouca concorrência. Não há um núcleo endógeno de inovação e, como resultado de todos estes fatores, a transformação estrutural é mais lenta. A estrutura produtiva é mais heterogênea e menos diversificada do que a dos países desenvolvidos, menos moderna e menos competitiva. Sob essas condições, os países em desenvolvimento se vêem permanentemente sujeitos à restrição de balanço de pagamentos, que, de fato, tem caráter estrutural. A evolução stop-and-go mantém o equilíbrio externo no curto prazo, mas as mudanças de juros e câmbio não são suficientes para produzir uma redistribuição da demanda agregada mundial de maneira a tornar sustentável o caminho do crescimento, para o qual seria preciso uma reestruturação e uma modernização do aparato produtivo.

A trajetória stop-and-go está inserida em uma dinâmica mais abrangente, típica dos países atrasados, caracterizada por um círculo vicioso. O mecanismo de retroalimentação inicia-se com as características da estrutura produtiva existentes no país e o desequilíbrio externo, e passa pela inconstante evolução do crescimento, com instabilidade da política econômica e volatilidade das variáveis relevantes, que reduzem o horizonte de tempo para a tomada de decisões sobre investimento e aumentam a proporção da riqueza alocada em ativos líquidos, comprometendo os investimentos em expansão da capacidade produtiva, em inovações e em aumento de produtividade. Assim, inviabiliza-se a transformação estrutural e a endogeneização de um processo de modernização, que se refletiria na competitividade do país, permanecendo os avanços produtivos em sua maioria calcados sobre inovações exógenas ao sistema econômico. Finalmente, perpetua-se a trajetória stop-and-go com baixa taxa média de crescimento.

Países evoluindo por meio de círculos virtuosos e viciosos de inovatividade, competitividade e crescimento condicionam-se e sua coexistência explica os processos de convergência e divergência globais204. Os padrões de mudança tecnológica e a composição da demanda entre setores e entre países determinam os ajustes e os níveis de atividades setoriais e macroeconômicas das nações. Assim, os países em desenvolvimento precisam capacitar-se para acompanhar as novas tecnologias e os novos produtos, promovendo uma alteração na sua estrutura produtiva e na cesta de produtos e serviços oferecidos, para conquistar maior fatia do mercado internacional205.

Para que os países com restrição externa estrutural alterem sua condição, é importante que não dependam inteiramente da importação de bens de capital mais modernos para aumentar sua produtividade. Seria fundamental que tornassem endógenos os processos de geração e difusão de inovações, desenvolvendo capacitação tecnológica e competência em ciência básica, além de realizar esforços de aprendizado e qualificação, aproveitando o caráter tácito e cumulativo deste processo como instrumento competitivo206. É importante desenvolver a capacitação que torne as empresas domésticas competitivas frente a seus concorrentes internacionais. Os processos diferenciados e path-dependent dos países desenvolvidos e em desenvolvimento em termos de geração de tecnologia e aprendizado são a base para alterar o padrão das vantagens comparativas conforme se dá o curso do desenvolvimento e reverter o quadro de divergência. Vale notar que cada setor está associado a diferentes níveis de oportunidades tecnológicas, apropriabilidade e cumulatividade, além de contar com diferentes elasticidades-renda da demanda; portanto, a trajetória seguida por cada país em termos tecnológicos e de especialização da produção tem fortes conseqüências sobre

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Por exemplo, os retornos de escala estáticos e dinâmicos resultantes do próprio processo inovativo geram grandes impactos na interação entre os países por meio de uma competição imperfeita.

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Perez e Soete (1988) procuram mostrar, pela análise do processo de introdução e difusão das tecnologias, como se tem presente em alguns momentos ao longo da evolução de um paradigma tecnológico um conjunto de fatores que configuram uma janela de oportunidade para os países em desenvolvimento realizarem o catch-up tecnológico. Esta é uma visão otimista, pois supõe que apesar de a economia de determinados países se comportarem de acordo com um círculo vicioso, tornando-se cada vez mais distanciados das economias avançadas, é possível, com esforços deliberados das firmas e dos governos por meio de políticas, romper este círculo e torná-lo virtuoso. Ao mesmo tempo é coerente com a idéia de que a especialização dos países não decorre apenas de suas vantagens comparativas estáticas, mas também de vantagens competitivas que são construídas ao longo do tempo e que geram benefícios cumulativos. Porém, a analogia direta entre a possibilidade de um país em desenvolvimento realizar catch-up e a situação de uma firma que é late comer é uma simplificação exagerada e com viés excessivamente tecnológico, que acaba descontextualizando a problemática. Especialmente no caso de países com problema estrutural de balanço de pagamentos, a relação entre crescimento e inovatividade não pode ser vista isoladamente a partir da dinâmica de inovação, mas deve ser compreendida a partir da interação entre esta dinâmica e seus impactos sobre a restrição externa.

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“Successful latecomers have combined heavy imports of technology with strong expansion of indigenous efforts devoted to

technical change. Imports of technology and autonomous innovative efforts are not alternative but complementary activities”. Dosi, Freeman e Fabiani (1994, p.22).

seu dinamismo econômico no longo prazo207.

Assim, as vantagens comparativas são obtidas como resultado da dinâmica inovativa e de aprendizado, que se refletem na competitividade das firmas (e respectivos países) que logram conquistar maiores fatias dos mercados mundiais. Condições microeconômicas evolucionárias determinam a competitividade, que explica como é distribuída a demanda e, logo, a partir de condições macro de tipo keynesiano, a renda de cada país, ceteris paribus. Há importante ligação entre a competitividade, a parcela das exportações mundiais e a determinação da demanda agregada doméstica. A competitividade internacional é necessária para não haver restrição externa à demanda, que é necessária para sustentar os investimentos necessários para manter a competitividade.

Over time, capital accumulation and technological accumulation are inter-linked so that irreversible improvements in input efficiencies and search/learning processes feed back on each other. In some respects, our analysis overlaps with the question concerning why growth rates differ. However, our interpretation is the polar opposite to the traditional one: instead of explaining differences between countries in terms of differential endowments, we argue that the fundamental inter-national differences relate to the country-specific conditions of technological learning and accumulation. (…) Moreover, country-wide changes in innovativeness and input efficiencies are a significant part of the explanation of the long term changes in national export share in the world markets.208