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Os países em desenvolvimento e a globalização

2. Restrição de Balanço de Pagamentos e Crescimento Limitado

2.2 Trajetória stop-and-go

2.2.1 Os países em desenvolvimento e a globalização

Muitos países subdesenvolvidos seguiram as orientações desenvolvimentistas predominantes em meados do século XX e conduziram suas economias orientados por políticas de Estado, envolvido diretamente na realização de investimentos. Esta etapa, apesar de não ter sido capaz de criar uma estrutura endógena de inovação naquelas economias, foi fundamental para a construção de sua estrutura produtiva. A partir do final do século XX, no entanto, iniciou-se uma reversão associada ao que veio a ser chamado de globalização190.

A globalização produtiva, segundo Gonçalves191, envolve a interação de três processos distintos. O processo de internacionalização da produção está relacionado ao maior fluxo de comércio mundial e ao movimento do IDE e das empresas transnacionais, com impactos sobre a estrutura produtiva dos diversos países. O próprio IDE e a operação das ETs provocam o segundo processo: a maior integração entre as economias nacionais. E, neste contexto, há o acirramento da concorrência internacional, ganhando crescente importância a competitividade internacional dos países.

Segundo o mesmo autor192, a globalização financeira também envolveu a interação de três processos. O primeiro processo está relacionado à ampliação dos fluxos de capitais nos mercados do sistema financeiro internacional, direcionados a todos os tipos de instrumentos financeiros, desde empréstimos e financiamentos até negociação de títulos, ações, moedas e derivativos. O segundo processo diz respeito à concorrência entre bancos e instituições financeiras não-bancárias, com forte atuação de investidores institucionais diversificando portfólio em bases geográficas, e ao avanço dos mercados de capitais nos países em desenvolvimento. Finalmente, muitos dos ativos emitidos por residentes encontram-se sob posse de não-residentes, e vice-versa, o que reflete o processo de integração dos sistemas financeiros nacionais.

Os países em desenvolvimento foram encorajados a abrir seus mercados internos, para alcançar os supostos benefícios crescentes da globalização, que viriam justamente da

190 Esta idéia é expressa por Stiglitz (2002, p.43), nas seguintes palavras: “A orientação de Keynes sobre o FMI,

que enfatizava os fracassos do mercado e o papel do governo na criação de empregos, foi substituída pelo mantra do livre mercado da década de 1980, parte de um novo “Consenso de Washington” – um consenso entre o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos em relação às políticas ‘certas’ para os países em desenvolvimento –, que demonstrava uma abordagem radicalmente diferente para o desenvolvimento econômico e a estabilização”.

191

Gonçalves (1998, p.155).

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construção de mercados cada vez mais livres e competitivos. O discurso para os países emergentes, associado ao Consenso de Washington, era o de que existiria um enorme potencial para promoverem o ambicionado catch-up em relação às economias avançadas, que se efetivaria através da adoção das políticas neoliberais. Em termos gerais, estas políticas eram: austeridade fiscal e monetária; desregulamentação e liberalização dos mercados produtivos e financeiros; e privatização193.

A austeridade monetária e fiscal seria importante por conferir estabilidade às economias, permitindo condições favoráveis aos cálculos de longo prazo e, logo, estimulando o investimento. Uma economia estável e aberta atrairia IDE, capital externo e ampliaria a margem para importação e exportação, importantes fontes de tecnologia e pressão competitiva. O crescimento das importações permitiria o acesso a bens tecnologicamente superiores com menor preço e acirraria a concorrência com produtores nacionais, contribuindo para elevar a eficiência e a produtividade interna dos países. O IDE, além de representar investimento no país, o que por si só colaboraria para o crescimento, permitiria incorporar novas e modernas tecnologias ao processo produtivo, elevando sua produtividade, e seria um capital supostamente comprometido com o desenvolvimento de longo prazo194. A entrada de capital externo permitiria alavancar o mercado financeiro interno, ampliando a possibilidade de obtenção de financiamentos a custos menores para realizar os investimentos necessários ao desenvolvimento. E a privatização aumentaria a concorrência, a eficiência e reduziria o custo dos serviços, a partir da pressão dos interesses privados nos negócios. Todos estes fatores levariam à elevação da produtividade, que permitiria elevar os salários, reduzir os preços e ampliar o investimento, levando ao aumento da competitividade dos produtos e, logo, ao aumento das exportações. Em outras palavras, estas medidas permitiriam que os países emergentes entrassem em um caminho virtuoso de crescimento sustentado195.

No entanto, as políticas de abertura comercial e financeira e de privatização adotadas por alguns países os tornaram ainda mais vulneráveis; e as políticas fiscal, monetária e cambial conduzidas de maneira austera, combinadas à necessidade de equilibrar o balanço de

193

Como coloca Fiori: “No campo econômico, a restauração neoclássica se transforma na política da supply side

economics e da deflação competitiva transformando em políticas de valor universal o equilíbrio fiscal, a

desregulação dos mercados, a abertura das economias nacionais e a privatização dos serviços públicos.” Fiori (1997, pg.116).

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Ver as considerações sobre o IDE feitas na seção “Compensação pela conta de capital” em “Notas sobre o Investimento Direto Estrangeiro”.

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No caso do Brasil, o texto de Franco (1998), que recebeu a chancela do presidente do Brasil à época como documento oficial de conduta para o desenvolvimento do país, pode ser tomado como referência sobre os benefícios esperados das políticas liberais.

pagamentos, mantiveram os países em uma trajetória stop-and-go, com baixa taxa média de crescimento196.

No caso da abertura comercial, seu impacto sobre a economia de um país depende do nível de concorrência gerado e das condições do país e das firmas de enfrentar a concorrência internacional. A abertura comercial pode trazer mais pressão competitiva e acesso a produtos de alta tecnologia, no entanto, pode provocar igualmente o comprometimento da capacidade de crescimento dos países em desenvolvimento, principalmente pelo lado da balança comercial e devido a um possível desmantelamento da estrutura produtiva, dependendo da solidez da estrutura pré-existente. A simples exposição a competidores internacionais não garante isoladamente um movimento em direção ao avanço tecnológico197.

Quanto à desregulação financeira, muitas vezes os países em desenvolvimento que passaram por este processo ficaram sujeitos a fluxos de capitais voláteis e especulativos, que geraram séria instabilidade sobre as variáveis-chave da economia e acentuaram ainda mais sua vulnerabilidade. Dadas as diferentes oportunidades de aplicação de capital existentes nas economias ricas, que oferecem uma combinação de taxa de risco e retorno mais atrativa, e o fim dos controles diretos sobre os fluxos de capitais, os países em desenvolvimento foram obrigados a manter elevadas taxas de juros para atrair o capital externo com vistas a compensar os déficits na balança comercial e a compor um nível de reservas suficiente para minimizar a possibilidade de ocorrência de uma crise cambial. A elevação dos juros, contudo, aumenta ainda mais os serviços da dívida e piora as condições de financiamento do investimento, resultado contrário à redução dos custos esperada com a desregulação financeira.

Os impactos do processo de globalização sobre os países em desenvolvimento podem ser resumidos nas palavras de Kregel:

As globalization continues, international capital flows will tend to emphasize those factors which developing countries have felt prolonged their underdevelopment, such as dependence

196

Como coloca Stiglitz (2002, p.35): “Não só na liberação do comércio, mas também em todos os outros aspectos da globalização, mesmo os esforços aparentemente bem-intencionados quase sempre têm um resultado contrário ao desejado”. Para uma análise da evolução da América Latina inserida neste contexto de globalização ver: Cano (1999, 2000) e Tavares e Melin (1997).

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Como coloca Dodaro, ressaltando a importância de se alcançar um patamar mínimo de desenvolvimento até que se esteja apto a participar do livre comércio: “The fact that it is the better-off countries that are generally

classified as outward oriented suggests that some degree of economic development and efficiency is necessary before a country can make any significant inroads in the world market, particularly in manufactures”. Dodaro

on primary material exports and low wages. It will also make both direct and portfolio investment more volatile, making domestic stabilization policy more difficult.198