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Nota sobre o Investimento Direto Estrangeiro

2. Restrição de Balanço de Pagamentos e Crescimento Limitado

2.1 Balanço de pagamentos e Restrição Externa

2.1.2 Compensação pela conta de capitais

2.1.2.1 Nota sobre o Investimento Direto Estrangeiro

O IDE, em geral, é visto como uma boa alternativa para entrada de capital estrangeiro em um país, por não implicar “serviço da dívida”, por trazer aporte tecnológico e por haver, em princípio, um comprometimento de longo prazo do capital. Kalecki questiona esta noção e mesmo a inclusão do IDE na classificação de ajuda externa. Para Kalecki, o IDE não é necessariamente mais barato do que um empréstimo por não precisar ser pago. O custo efetivo em divisas do financiamento via IDE seria até superior ao de financiamento via dívida externa de longo prazo, na medida em que: i) as taxas de lucro tendem a ser maiores do que as taxas de juros, pois devem cobrir, além destas, o prêmio de risco associado às incertezas da operação no exterior; isto é, os lucros remetidos ao exterior podem exceder o custo do serviço de um empréstimo externo; ii) o reinvestimento dos lucros das empresas transnacionais (ET) representa um novo fluxo bruto de capital (implicando em novos direitos a remessas futuras) e, portanto, é somado ao valor do investimento estrangeiro sem nova entrada efetiva de capitais180. Ainda, este reinvestimento, contabilizado como entrada de capital estrangeiro, pode incluir importações ou mesmo investimento não-produtivo, o que dificulta avaliar as condição reais do balanço de pagamentos de um país; iii) existe, finalmente, o conhecido problema derivado da prática comum no comércio intra-firma de as empresas que realizam IDE subfaturarem as exportações e superfaturarem as importações, o que contribui para agravar a já débil situação do balanço de pagamentos dos países em desenvolvimento e para tornar o IDE ainda mais custoso181. Assim, apesar de o IDE não acarretar um impacto direto sobre as reservas no curto prazo, em função da ausência do compromisso de pagamento de juros, acarreta um impacto severo sobre estas a longo prazo.

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Usando novamente a analogia da “bola de neve”, Kalecki afirma: “Estamos, portanto, na presença de um interminável processo de bola de neve, em contraste com um empréstimo que cria obrigações por um número definido de anos. Pode-se mostrar facilmente que, no longo prazo, o impacto do investimento direto estrangeiro sobre o balanço de pagamentos do país receptor deve ser negativo (não discutimos aqui as conseqüências indiretas na forma de exportações adicionais ou de substituição de importações, que seriam as mesmas qualquer fosse a forma de financiamento da nova planta), a menos que o fluxo de investimento estrangeiro aumente substancialmente de ano para ano”. Kalecki (1972, p.84).

181 “Thus, foreign direct investment can no longer be looked at as the acquisition of foreign productive capital;

in a global market it is increasingly the transfer of capital to set up a foreign operating unit which then achieves the “real transfer” by importing the capital equipment, intermediate and semi-finished goods for domestic sale and exports”. Kregel (1994, p.29).

Um papel geralmente atribuído ao IDE seria o de sua contribuição para difusão de novas tecnologias e transferência de know-how, podendo ajudar na reestruturação produtiva e elevação da produtividade do país receptor. Este argumento, no entanto, é questionável, visto ser, muitas vezes, mais barato adquirir as tecnologias e o know-how comercialmente do que arcar com os custos dos lucros enviados ao exterior e do comércio intra-firma. Ademais, existe a questão da inadequação das tecnologias usadas nos países avançados às características dos países em desenvolvimento.

O caso mais representativo de efeitos adversos gerados por entrada de IED em um país é aquele em que o capital estrangeiro compra uma empresa de serviço non-tradeable por meio de privatização:

A venda do controle das empresas para o exterior é, de fato, capaz de acarretar vultoso ingresso de recursos no país. Logo, porém, começam a ser pagos os juros e remetidos os lucros e dividendos gerados pelas atividades privatizadas – que anteriormente já existiam e não geravam pagamentos externos. À expansão do gasto de divisas, daí derivado, acrescenta- se ainda um aumento das despesas decorrente da aquisição no exterior de insumos, equipamentos e serviços, numa proporção muito superior à praticada pelas antigas empresas públicas, cujos laços com provedores domésticos encontravam-se historicamente sedimentados. Por fim, decorrido algum tempo, a possível melhora dos serviços privatizados contribuiria para a elevação da eficiência sistêmica, o que beneficiaria, genericamente, a capacidade de competir das atividades domésticas. Este tipo de efeito, no entanto, pode demorar a tornar-se significativo.182

Sobre o caráter de longo prazo do IDE, Kregel mostra que, na verdade, “(a)s recentes inovações nos mercados financeiros têm contribuído para eliminar o conceito de investimento permanente, ou de ‘vencimento’ de um investimento”183. Os contratos de opções e futuros permitem uma grande mobilidade dos capitais e a diluição dos riscos frente a mudanças em taxas de juros ou de câmbio, tornando relativo o conceito de IDE como um investimento permanente. Os mecanismos de hedge adotados pelos investidores acabam provocando operações cambiais e transações no mercado de capitais quando aumenta a incerteza sobre a taxa de câmbio ou sobre as condições financeiras internas. “Portanto, simplesmente não é verdade que, por ser difícil encontrar de imediato um comprador para um IDE em tijolos e argamassa, esse investimento não produzirá os mesmos tipos de fluxos financeiros que os investimentos de portfólio”184.

As experiências conhecidas e os problemas referidos acima salientam que a existência

182 Castro (1998, p.158). 183 Kregel (1996, p.35). 184 Kregel (1996, p.36-7).

de elevado fluxo de investimento direto não constitui solução estável para os problemas de sustentabilidade, a menos que tal fluxo seja acompanhado de dinâmica capacidade exportadora, de forma a financiar o crescimento das importações e os demais fluxos de saída associados ao investimento externo.185

Para que isso ocorresse, porém, o governo deveria estabelecer critérios de desempenho para o IDE relacionados à criação de emprego, ao nível mínimo de exportação e máximo de importação, à obrigatoriedade de transferência de tecnologia e ao compromisso de investimentos futuros.