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Schumpeter – concorrência e inovação

1. Fundamentos Teóricos para Análise do Crescimento e do Desenvolvimento

1.3 Tendência, desenvolvimento e inovação

1.3.1 Schumpeter – concorrência e inovação

De acordo com Schumpeter, a concorrência é um processo ativo de interação entre os empresários, que os induz a introduzir inovações capazes de lhes gerar novas oportunidades potenciais de lucros extraordinários104. As inovações seriam o instrumento de competição mais poderoso, mais até do que o preço105, que permitiria aos empresários conquistarem, eventualmente, o mercado de forma contundente e duradoura, seja via novos processos, que reduzem custo, ou via novas mercadorias, que deslocam e criam demanda.

Uma vez tendo sido introduzida uma inovação bem sucedida e, portanto, criado o lucro extraordinário, entra-se na fase de difusão, quando outros empresários, que não se aventuraram ou não foram bem sucedidos na busca pela inovação, procuram desfrutar da oportunidade através da imitação106. Este movimento diminui gradativamente o lucro, detonando o processo relevante da concorrência, que traz consigo a inquietação e instiga a busca por mais inovações, impulsionando um outro período de obtenção de lucros extraordinários, e assim sucessivamente.

Estas inovações costumam ser de tal grau que alteram a estrutura do mercado, através de um “processo de mutação industrial (...) que incessantemente revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha, incessantemente criando uma nova”107. Assim, para Schumpeter, o centro da análise econômica deveria estar,

introdução de inovações”. Possas, M. (1987, p.198-9). A endogeneização da geração de inovações à economia capitalista concorrencial foi feita pelos seguidores de Schumpeter, especialmente pela corrente neo- schumpeteriana.

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Schumpeter, em apenas alguns capítulos de seu livro “Capitalismo, Socialismo e Democracia” de 1943, apresenta de maneira original uma teoria dinâmica da concorrência, identificada como processo de transformação centrada na inovação. O único precedente significativo, reconhecido pelo próprio Schumpeter, é Marx. Este, contudo, tinha várias visões sobre a concorrência, inclusive contraditórias, e entre elas a que Schumpeter prioriza: a visão dinâmica da concorrência - processo de interação entre agentes que dá lugar à introdução de novas técnicas, novos produtos, na tentativa de obter lucro diferenciado. Para uma análise da visão de Marx sobre a concorrência, ver Possas, M. (1989b, cap.2).

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Schumpeter propõe a noção de concorrência dinâmica como referência crítica à noção de concorrência perfeita clássica. De maneira geral, para os clássicos valeria a lei da tendência à formação da taxa de lucro uniforme, cujo cumprimento é garantido pela existência do processo de concorrência (plena mobilidade de capital e trabalho e livre entrada e saída entre as diferentes linhas de produção). A concorrência moveria os capitais dos setores menos rentáveis para os setores mais rentáveis, provocando variações na oferta e no preço em direções opostas entre setores, até que as taxas de lucros se igualassem. A estrutura de preços relativos coerente com a taxa de lucro uniforme é considerada centro de gravitação, em torno do qual a economia pode flutuar no curto prazo, mas para o qual tende no longo. Se a concorrência é um processo ativo de mudança, em que os agentes não se limitam a buscar lucros já existentes, e sim procuram lucros novos usando como principal instrumento a inovação, então a concorrência não é um processo de ajustamento que implica a equalização das taxas de lucro – é pelo contrário um processo que as retira do equilíbrio. Ver Possas, M. (1989b, cap.4) e Schumpeter (1943, cap.7).

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Nas palavras de Schumpeter: “Eles realizaram novas combinações. São empresários. E o seu lucro, o excedente, ao qual não corresponde nenhuma obrigação, é um lucro empresarial. (...) Mas também triunfou para os outros, abriu caminho e criou um modelo para os que podem copiar.” Schumpeter (1988, p.90)[1964].

precisamente, não na reprodução, mas nesta que é a essência do sistema capitalista: a “destruição criativa”108.

Se a inovação for bem sucedida, ela implicará aumento de poder de mercado da empresa inovadora, o que, em geral, facilita seu financiamento e traz benefícios cumulativos ligados, por exemplo, à economia de escala. As vantagens competitivas criadas permitem a adoção de medidas por parte das firmas inovadoras para expulsar as concorrentes mais fracas e para dificultar o processo de difusão, na tentativa de prorrogar os ganhos pelo maior tempo possível109. As práticas restritivas que as empresas adotam têm um papel a cumprir neste sistema: a ofensiva é custosa e arriscada, e só faz sentido se for possível desfrutar das vantagens resultantes pelo menos por um certo período de tempo.

A presença simultânea de atomismo de mercado e concorrência é compatível apenas com a noção clássica de concorrência perfeita, na qual esta se processa via ajuste de preços e quantidades, pois, por um lado, se houver inovação, surgem assimetrias competitivas; e, por outro, havendo atomismo, dificulta-se o processo de inovação (custoso e incerto). O capitalismo com concorrência perfeita seria, portanto, um sistema paralisado, incapaz de produzir progresso tecnológico.

Na visão de Schumpeter, numa economia capitalista co-existem competição via inovações e concentração de mercado. Até mesmo em situação de monopólio, a concorrência assume grande importância. Segundo Schumpeter: “Uma posição de monopólio não é, em geral, uma almofada sobre a qual se durma”110, pois tanto a concorrência efetiva como a potencial seriam disciplinadoras e geradoras de eficiência dinâmica. As empresas estão expostas à ameaça tanto daquelas que tentam imitá-las e que, se bem sucedidas, irão reduzir sua margem de lucro; quanto de outras que buscam introduzir inovações, podendo, eventualmente, torná-las obsoletas (processo de destruição criativa)111. Assim, todas as

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“(...) normalmente se vê o problema de como o capitalismo administra as estruturas existentes, enquanto o problema relevante é saber como ele as cria e destrói”. Schumpeter (1943, p.114).

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Como coloca Possas, referindo-se à idéia de Marx (coerente com a teoria schumpeteriana de concorrência): “Nesta leitura é possível afirmar que a tendência à concentração/centralização descrita por Marx não é só o ‘desfecho’ da concorrência - embora o seja também – nem, simetricamente, esta se limita a ser o seu móvel ou mecanismo de ‘indução prática’. Ela constitui de certo modo a própria lógica interna da concorrência entre capitais, como um processo de formação e dissolução/consolidação de vantagens comparativas e posições monopolísticas (...) Essa postura teórica permite repensar a tradicional oposição entre ‘concorrência’ e ‘monopólio’, passando este último a ser visto não como o ‘contrário’, mas como o próprio motivo fundamental da concorrência.” Possas, M. (1989b, p.71).

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Schumpeter (1943, p.135).

empresas, mesmo as que assumem papel de monopolista, têm que estar constantemente preocupadas em inovar112.

Quando Schumpeter se refere à interação entre introdução de inovações e estrutura de mercado, chama a atenção para o fato de que:

(...) estamos tratando de um processo em que todos os elementos levam um tempo considerável para revelar suas características verdadeiras e seus efeitos finais, não tem sentido avaliar o desempenho de tal processo ex-visu de um dado ponto no tempo; devemos julgar seu

desempenho no tempo, na medida em que ele se desdobra através das décadas ou dos séculos.

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Não é correto, desta forma, vincular indiscriminadamente preços elevados e menores quantidades ofertadas à estrutura de mercado concentrada, pois as inovações e o progresso técnico viabilizam melhorias do produto e queda nos preços, e, com a entrada de novos concorrentes, há elevação de oferta e acentuação da queda de preços.

A simples proposição de que os lucros extraordinários significam perdas sociais, o que não aconteceria em concorrência perfeita, não se sustenta. É justamente a possibilidade de se obter lucros extraordinários através da introdução de inovação que impulsiona o capitalismo. Em contexto de concorrência, dada a busca individual por diferenciação, a dinâmica capitalista de inovação, difusão e transformação estrutural (de mercado e produtiva), numa seqüência permanente de situações de ruptura e ajustamento, é endógena114.