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O modelo original e as alterações propostas

3. Um Modelo Multissetorial Aberto

3.1 O modelo original e as alterações propostas

Este capítulo apresenta a estrutura de um modelo multissetorial que representa uma economia aberta e que permite retratar a dinâmica resultante da interação das decisões dos agentes econômicos por meio de simulações. O uso de um modelo de simulação, por possibilitar a adoção de hipóteses menos simplificadoras na determinação das variáveis, é adequado para a análise de trajetórias geradas em um ambiente de incerteza, onde não há tendência ao equilíbrio e no qual os agentes têm racionalidade limitada e adotam rotinas. Esta versão está baseada no modelo apresentado no artigo “Um modelo macrodinâmico multissetorial” de 2004, desenvolvido por Possas, Dweck e Reif a partir da versão original elaborada por Possas em sua tese de doutorado (1983) e descrito de forma simplificada no artigo de 1984. Este modelo incorpora os fundamentos Keynesianos e Kaleckianos apresentados no primeiro capítulo e tem sua dinâmica pautada no princípio da demanda efetiva e nos efeitos multiplicador e acelerador. A presente tese procurará incorporar um maior detalhamento à parte do setor externo, do setor financeiro e das políticas econômicas, de forma a permitir o estudo da dinâmica de crescimento limitado dos países em desenvolvimento com problema estrutural de balanço de pagamentos, exposta no capítulo anterior.

O modelo, em seu estágio atual, sem a inserção das alterações propostas nesta tese, inclui os setores de bens de consumo (duráveis215 e não-duráveis216), bens intermediários (metalúrgicos217, químicos218 e outros219), bens de capital220, agricultura221 e serviços222. O

215

Utilizando-se a classificação industrial do IBGE para o Brasil, seriam: fabricação de aparelhos e equipamentos de material eletrônico; fabricação de automóveis, caminhões e ônibus; fabricação de outros veículos, peças e acessórios.

216

Fabricação de produtos farmacêuticos e de perfumaria; indústria têxtil; fabricação de artigos do vestuário e acessórios; fabricação de calçados e de artigos de couro e peles; indústria do café; beneficiamento de produtos de origem vegetal, inclusive fumo; abate e preparação de carnes; resfriamento e preparação do leite e laticínios; indústria do açúcar; fabricação e refino de óleos vegetais e de gorduras para alimentação; outras indústrias alimentares e de bebidas; indústrias diversas.

217

Extrativa mineral (exceto combustíveis); siderurgia; metalurgia dos não-ferrosos e fabricação de outros produtos metalúrgicos.

218

Extração de petróleo e gás natural, carvão e outros combustíveis; fabricação de elementos químicos não- petroquímicos; refino de petróleo e indústria petroquímica; fabricação de produtos químicos diversos; indústria de transformação de material plástico.

219 Fabricação de minerais não metálicos; serrarias e fabricação de artigos de madeira e mobiliário; indústria de

papel e gráfica; indústria da borracha.

220

Fabricação e manutenção de máquinas e tratores; fabricação de aparelhos e equipamentos de material elétrico; construção civil.

setor agrícola é modelado como um setor que atende à demanda por insumos e, em menor proporção, por bens de consumo não-duráveis; e o setor de serviços, da mesma forma, segue, em parte, a lógica de um setor de bens intermediários e, em parte, a lógica de um setor de consumo.

A produção de cada setor é programada a partir das expectativas de venda e restringida pela capacidade instalada e pelos insumos disponíveis. O período de referência no modelo é o período de produção. Um ano é composto por quatro períodos de produção e o período de investimento, tempo necessário para construção das máquinas e equipamentos, tem a duração de um ano e meio. A demanda de bens intermediários deriva da produção prevista, considerada a matriz insumo-produto como referência. A demanda por bens de consumo é função linear da renda das classes e dos gastos do governo. A demanda por bens de capital é derivada das decisões de investimento, que contemplam: i) o ajuste da capacidade produtiva com base nas vendas previstas; ii) a reposição de capacidade produtiva depreciada; e, iii) o investimento autônomo em modernização. A conversão de capacidade produtiva para bens de capital é feita utilizando-se a relação incremental capital-produto de cada setor. O investimento está sujeito a uma restrição financeira, considerando-se seu grau de endividamento. Dentre estes elementos de demanda, os gastos do governo com investimento e consumo, assim como as exportações, são exógenos; os demais são determinados endogenamente.

A partir da demanda interna é possível definir as encomendas efetivas que recebem os setores, descontando a parcela direcionada à importação e adicionando a demanda por exportação. As vendas observadas são determinadas pelas encomendas e limitadas pela oferta, igual à produção mais o estoque disponível, confirmando ou não as expectativas dos ofertantes. Uma vez realizadas as vendas, ficam definidos os estoques de produtos, a quantidade de insumos e a capacidade produtiva que detém cada setor, assim como a quantidade de bens de consumo adquirida.

Os preços de venda são estipulados a partir de mark-ups sobre os custos variáveis unitários. O mark-up, por sua vez, determina a apropriação funcional da renda em cada setor, ao definir a divisão entre o excedente bruto (reduzido ao lucro, por simplicidade) e os salários, 221 Agropecuária.

222

Serviços industriais de utilidade pública; comércio; transporte; comunicação; instituições financeiras; serviços prestados às famílias; serviços prestados às empresas; aluguel de imóveis; administração pública; serviços privados não- mercantis.

dada a divisão entre estes e as matérias-primas nos custos variáveis. O lucro bruto total é calculado pela soma dos lucros dos setores, obtidos pela diferença entre a receita de venda e as despesas com insumos e salários; e o salário total é igual ao salário unitário multiplicado pela produção efetiva, mais o salário do setor público. A partir da renda funcional é possível definir a renda pessoal disponível de cada classe, resultante dos lucros distribuídos e dos salários, descontados os impostos diretos. Finalmente, o produto interno bruto da economia é igual à soma do lucro total mais os salários mais os impostos indiretos pagos ao governo.

O governo é tratado de maneira simplificada na versão do modelo apresentada no artigo de 2004: as receitas advêm dos impostos diretos e indiretos, que têm uma estrutura fixa pré-determinada, e os gastos são definidos de forma a se alcançar a meta de superávit, seguindo uma distribuição proporcional fixa entre salário, consumo e investimento. O setor externo também é tratado de maneira simplificada, reduzido às transações que envolvem a balança comercial. As exportações são calculadas com base na renda externa, no coeficiente e nas elasticidades-renda e -preço das exportações. As importações são determinadas de maneira análoga à demanda direcionada aos setores nacionais. As taxas de juros e câmbio são mantidas constantes.

A principal alteração em relação à estrutura básica do modelo foi feita sobre o funcionamento do setor agrícola. Sua produção não era limitada pela capacidade produtiva e o setor não realizava demanda por bens de capitais, considerando-se simplificadamente como um setor trabalho-intensivo e a possibilidade do uso extensivo de terras. No mercado interno, este setor destinava certa proporção de sua produção para venda de bens de consumo e atendia à demanda por insumos. Todo o excedente da produção que não era demandado na economia do país era exportado. Neste contexto, o setor não previa formação de estoques na decisão de produção, sendo considerada a disponibilidade de um estoque regulatório arbitrário no início de cada período. O preço de venda para consumo era flexível e o preço de venda de insumos, determinado pelo preço internacional das mercadorias, assim como o preço para exportação.

Na presente versão, o setor agrícola passa a ter sua produção restringida pela capacidade produtiva e passa a demandar bens de capital no período de investimento, da mesma forma que os demais setores, representando a aquisição de máquinas e equipamentos utilizados em sua atividade. O setor continua produzindo para atender à demanda interna por consumo e insumos e às exportações. Uma mudança importante está no fato de que as exportações deixam de ser residuais e passam a depender de um coeficiente de exportação.

As hipóteses de que este setor não teria restrição de capacidade produtiva e que venderia todo seu excedente no mercado externo poderiam levar, no limite, à eliminação da restrição de balanço de pagamentos. Sua produção agora passa a prever a formação de estoque e a eventual restrição, caso o setor não seja capaz de atender toda sua demanda, que terá o mesmo impacto sobre seus três mercados. O preço de venda no mercado interno, tanto para consumo como para insumo, dependerá da demanda atendida, podendo gerar inflação se houver escassez de produto; e o preço de exportação continua sendo o preço internacional.

As alterações mais importantes, no entanto, introduzidas para permitir captar a dinâmica de crescimento dos países em desenvolvimento, estão relacionadas ao detalhamento do setor externo e do setor financeiro.

O aprimoramento do sistema financeiro, contido dentro do setor de serviços, permite o gerenciamento das dívidas e das aplicações financeiras dos setores, das classes e do governo, que passam a receber o retorno por suas aplicações, porém passam a pagar os juros sobre a dívida, tendo os spreads e seus gastos influenciados pelo grau de endividamento existente. No caso do setor externo, quanto ao comércio exterior, foram feitas pequenas alterações, incluindo a hipótese de uma taxa de crescimento constante da economia mundial e uma taxa de inflação para os preços internacionais diferenciada entre os setores. Ainda, passou a ser considerada a influência dos preços relativos e do investimento autônomo sobre o coeficiente de exportação. Este último busca refletir algum impacto do investimento em modernização sobre a competitividade, apesar de o efeito ser muito pequeno, suficiente apenas para evitar grande perda relativa de posição competitiva internacional. Outras alterações dizem respeito à incorporação da entrada de IDE, direcionado ao investimento produtivo; do capital estrangeiro de curto prazo, orientado por avaliação de rentabilidade; e da contração de empréstimos pelos setores e pelo governo, utilizados pelos primeiros para financiar o investimento e pelo governo para controlar o estoque de reservas. As contrapartidas destes capitais são: o lucro reinvestido, os lucros, dividendos e juros remetidos ao exterior e as amortizações. Neste sentido, foi introduzida toda a parte da conta de serviço de fatores e detalhada a conta de capital. As relações resultantes entre a composição do passivo externo líquido, passivo externo de curto prazo, as exportações e as reservas determinam o “risco- país”, isto é, o spread pago sobre a dívida externa.

Vejamos a seguir as principais conseqüências dessas modificações sobre os agentes da economia.

No caso dos setores, a restrição financeira influenciará a possibilidade de uso de recursos próprios, IDE ou endividamento para demandar bens de capital. Os recursos próprios do setor, acumulados para financiar o investimento, permanecem aplicados no sistema financeiro nacional, sendo remunerados à taxa de juros de referência da economia. A entrada de IDE contribui para aquisição de bens de capital do setor e o capital estrangeiro passa a ter direito sobre parte dos lucros e dividendos. No caso do endividamento, este poderá ser realizado em parte no país e em parte no exterior, sendo a proporção determinada em função do potencial exportador do setor. A compra de insumos, por parte dos setores, também é financiada com capital de giro, que é somado à dívida e gera obrigação de pagamento de juros. Para cada setor existe um grau de endividamento aceitável que, em comparação com o endividamento presente, condiciona a possibilidade de contração de novas dívidas e a necessidade de direcionamento de recursos líquidos para amortização, além de determinar o spread do setor.

As classes, assim como os setores, também recebem um retorno por suas aplicações e pagam juros sobre as dívidas. Com a entrada de IDE na economia, os lucros dos setores distribuídos às famílias passam a descontar os dividendos pagos ao capital estrangeiro e que serão enviados ao exterior. O grau de endividamento das classes, comparado a um nível mínimo considerado “normal” e ao nível máximo aceitável, condicionará a necessidade de pagamento de parte da dívida, a imposição de cortes no consumo autônomo e o spread adicional à taxa de juros de referência.

No caso do governo, com o detalhamento do setor externo, além de buscar uma meta de superávit fiscal, este passa a exercer o controle da taxa de câmbio e da taxa de juros. O controle de câmbio é feito através da intervenção no mercado de divisas, quando necessário, buscando-se a manutenção da taxa efetiva dentro de uma banda cambial. Quanto à taxa de juros, esta é definida com o objetivo de manter a inflação dentro das metas estabelecidas e procurando sustentar as reservas em níveis considerados seguros segundo padrões internacionais, dado o passivo externo de curto prazo existente no país.

Na próxima seção será feito um detalhamento do modelo para em seguida serem apontados alguns resultados obtidos com as simulações.