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2. Restrição de Balanço de Pagamentos e Crescimento Limitado

2.1 Balanço de pagamentos e Restrição Externa

2.1.1 Déficit na Balança Comercial e as condições estruturais

2.1.1.2 Necessidade de Modernização

Nos tempos atuais, no entanto, apesar de a estrutura produtiva ter sido desenvolvida, as exportações agrícolas foram complementadas por exportações industriais com baixo conteúdo tecnológico. A incompletude e o atraso da estrutura existente perpetuam o problema da restrição externa. A restrição estrutural de balanço de pagamentos é, no presente, uma característica típica de países exportadores de commodities agrícolas e industriais, sujeitas a elevada concorrência internacional e pequeno coeficiente e elasticidade- renda de exportação, e importadores de produtos industrializados especializados e tecnologicamente sofisticados. O problema atual, portanto, não é mais apenas a composição em termos de produtos primários e industrializados: ele foi deslocado para a questão do nível

de sofisticação dos produtos comercializados e a capacidade de modernização das estruturas produtivas. Um país que dependa das exportações para crescer, seja por sua geração de divisas ou por seu papel como componente da demanda, precisa estar sempre inovando para se manter competitivo e manter ou mesmo aumentar sua fatia no mercado mundial.

McCombie e Thirlwall elaboraram um modelo de crescimento com restrição pelo balanço de pagamentos e orientado pela demanda que se pretende capaz de explicar as diferenças entre as taxas de crescimento de longo prazo dos diferentes países. As hipóteses do modelo são que: i) a oferta de fatores e o progresso técnico são endógenos, dependentes do crescimento; ii) o câmbio real é constante (os termos de troca permanecem fixos)165; iii) as exportações são o único componente autônomo da demanda; e iv) o balanço de pagamentos, inclusive a balança comercial, está em equilíbrio no longo prazo. Sua conclusão é que a taxa de crescimento dos diferentes países com balanço de pagamento equilibrado será determinada pela razão entre a taxa de crescimento das exportações e a elasticidade-renda das importações166. De acordo com este resultado, o cerne da questão para alterar processos de convergência ou divergência estaria em ampliar o crescimento das exportações e diminuir a elasticidade-renda das importações, ambos determinados primordialmente pelo que os autores chamam de “non-price competitiveness”, isto é, por fatores de competitividade não relacionados ao preço.

A argumentação dos autores, que se baseia fortemente nas análises de Kaldor, segue a linha dos modelos de crescimento dinamizado pelas exportações (export-led growth)167, que trabalham com a noção de causação cumulativa e circular. O círculo virtuoso seria iniciado pela venda das exportações, que impulsiona o crescimento interno, estimula a elevação da oferta de trabalho (via imigração e transferência intra-setorial) e aumenta o investimento. O crescimento e o investimento, através do progresso técnico incorporado no capital, do learning by doing e das economias de escala, elevam a produtividade e a competitividade dos

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Para defender esta hipótese os autores argumentam que, embora flutuem no curto prazo, os termos de troca são estáveis no longo; e que, mesmo se não houvesse essa estabilidade, as elasticidades-preço de exportação e importação teriam que ser significativamente maiores do que a unidade para que o crescimento fosse independente da posição do balanço de pagamentos.

166 Segundo Thirlwall, esta conclusão representa a versão dinâmica do multiplicador de comércio internacional

de Harrod, que estabelece que o nível de renda é determinado pela razão entre o nível das exportações e a propensão marginal a importar.

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Nas palavras de Thirlwall: “Thus, the explanation of growth rate differences must lie primarily in differences in the rate of growth of demand, and the major constraint on the rate of growth of demand in most countries is the balance-of-payments. The model and the empirical evidence lends strong support to the advocates of export- led growth”. Thirlwall e McCombie (1994, p.245). Para uma análise crítica do modelo kaldoriano de crescimento liderado pelas exportações, ver Freitas (2003).

produtos nacionais, aumentando as exportações e dando continuidade ao processo. O aumento da produtividade e a disponibilidade de produtos de alta tecnologia elevam a non- price competitiveness do país, que passa a exportar produtos cuja demanda mundial cresce mais rapidamente e a importar produtos de menor elasticidade-renda. Muitos países, no entanto, ficam presos no círculo vicioso, ou seja, pouca exportação, levando a baixo crescimento e investimento restrito, logo há pequena elevação da produtividade e pouca competitividade, que se refletem em pouca exportação, e assim por diante, mantendo a restrição de balanço de pagamentos à demanda e ao crescimento. A cumulatividade associada aos círculos virtuosos e viciosos acaba acentuando a trajetória de divergência entre as economias dos diferentes grupos de países168.

A questão apresentada no modelo de McCombie e Thirlwall sobre a influência dos fatores non-price na determinação da participação dos países no fluxo internacional de comércio é de extrema importância. A competição na atualidade quase não se dá via preço (exceto em commodities); os mercados são oligopolizados e os fatores non-price, como aqueles relacionados a marketing, design, qualidade, performance, confiança, facilidade de manutenção, rapidez de entrega, extensão e eficácia na rede de distribuição, disponibilidade de crédito, assistência técnica e garantias são fundamentais. Já foi comentado que a demanda por produtos de baixa qualidade e menor sofisticação, coerentes com preços baixos, cresce mais lentamente conforme a renda aumenta. A diferença em preço reflete diferença em qualidade: é pequena a competição via preço para produtos de qualidade semelhante. A variação dos preços relativos e a elasticidade-preço perderam importância na determinação dos padrões de troca, pois os produtos são diferenciados, e a non-price competition é que determina o sucesso dos países nos mercados externos169. A maior parte do comércio internacional passou a se desenvolver intra-indústria entre países similares com base em diferenciação de produto.

O caminho para a superação do problema da restrição do balanço de pagamentos na visão de McCombie e Thirlwall é claro e compatível com a visão de autores apresentados anteriormente, como Prebisch e Kalecki: é preciso alterar a estrutura produtiva para reduzir a

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“Clearly, not all countries in the world can be balance-of-payments-constrained in their growth, but it only requires one country or group of countries not to be so constrained for all the rest to be so (…)” Thirlwall (1997, p.383).

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“In models of cumulative causation in which some economies produce goods which are expanding fast in demand while

other economies produce goods which are sluggish in demand, it is the difference between the income elasticity characteristics of exports and imports which is the essence of the theory of divergence between center and periphery and between industrial and agricultural economies”. Thirlwall e McCombie (1994, p.431).

restrição de balanço de pagamentos sobre a demanda e lograr um crescimento mais acelerado. Neste sentido, é importante implementar políticas que realoquem os recursos entre os setores primário, industrial e de serviços, atentando para a diferença entre “tradeables” e “non- tradeables” e para as características específicas dos bens, de forma a ampliar a competitividade e a inserção do país no comércio internacional170.

Entretanto, podem-se tecer algumas críticas ao modelo de McCombie e Thirlwall. Os autores adotam como referência de análise do crescimento dos países a situação de equilíbrio de longo prazo do balanço de pagamentos, determinado pela relação entre o crescimento das exportações e a elasticidade-renda das importações. No curto prazo, os países poderiam ter desequilíbrios na balança comercial compensados por entrada de capital estrangeiro, o que não seria sustentável a longo prazo. Porém, em primeiro lugar, é patente, como ressalta Freitas (2003), a possibilidade de existirem países sem problema de balanço de pagamentos e incorrendo em superávit crônico, situando-se abaixo da restrição externa171. Em segundo lugar, mesmo uma situação de passivo externo crescente e continuamente refinanciado pode ser sustentável, a depender da relação entre a taxa de retorno do capital externo e a taxa de crescimento das exportações e da situação de liquidez do país172.

Vale destacar que as decisões dos agentes econômicos em cada situação de desequilíbrio têm uma série de implicações dinâmicas que não devem ser desconsideradas. O enfoque teórico adotado nesta tese, conforme apresentado no primeiro capítulo, usa, no lugar de análises de equilíbrio, simulações sobre o comportamento das variáveis relevantes nas condições existentes (que só serão de equilíbrio por raro acaso) e que geram trajetórias em aberto. Ainda, é importante evitar que as relações causais fiquem obscurecidas pela referência de equilíbrio proposta: é a demanda que determina o crescimento do produto e da capacidade produtiva e o crescimento é que está sujeito à restrição do balanço de pagamentos – o crescimento não é determinado pelo balanço de pagamentos, mas sim pela demanda efetiva, que sofre a influência desta restrição.

Também, ao supor que a exportação é o único componente autônomo de demanda, os autores desconsideram o investimento em inovação, gasto autônomo extremamente relevante

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A questão das políticas necessárias será tratada de maneira mais detalhada na última seção deste capítulo.

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“Mas a situação oposta – superávits crônicos no balanço de pagamentos – poderia ser mantida por períodos prolongados, acarretando um acúmulo crescente de reservas internacionais. (...) Isto significa que o resultado do balanço de pagamentos deveria ser, em princípio, considerado como uma restrição e não como uma condição de equilíbrio em relação ao nível de produto. Neste caso, entretanto, não seria possível exlcuir a possibilidade de que alguns países poderiam estar sistematicamente abaixo da restrição externa”. Freitas (2003, p.12).

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para a competitividade do país e tão importante na teoria de Schumpeter, além de ser fator crucial para a geração de tendência na economia de acordo com Kalecki. McCombie e Thirlwall tratam todo o investimento como induzido; o progresso técnico viria embutido nas novas máquinas e equipamentos ou seria conseqüência do learning by doing, que permite aprimoramentos com base na experiência passada. Assim, embora ressaltem o grande impacto da “non-price competitiveness” sobre as condições do balanço de pagamentos, não elaboram uma análise mais detalhada a respeito do processo de geração do progresso técnico, vinculado a um contexto de concorrência e que explique a sua lógica de geração endógena.

De fato, há grande dependência dos países atrasados em relação à importação de tecnologia e ao aproveitamento de tecnologia incorporada; estes países têm mais incentivo a imitar tecnologias já disponíveis do que a inovar, têm dificuldade de acesso a know-how e precisam de invenções adaptadas às suas condições específicas173. Mas é parte fundamental da busca pela superação da condição de atraso destas economias o desenvolvimento de mecanismos endógenos de inovação similares àqueles existentes nos países mais avançados. Um círculo virtuoso que caracterize uma dinâmica de crescimento sustentada não pode considerar que o progresso técnico virá apenas da importação e do aprendizado174.

Os processos envolvidos na transformação da estrutura produtiva dos países atrasados, para superar o círculo vicioso e entrar em um caminho de convergência com os países desenvolvidos, passam por questões como a dinâmica de geração e difusão das inovações, os incentivos necessários aos atores envolvidos, as estratégias e competências das organizações175. O desenvolvimento pressupõe em uma economia moderna com produção diversificada, alta tecnologia e nível de renda elevado, produzido a partir de fatores de produção, como capital físico e humano, que envolvem conhecimento científico e técnicas

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Como já exposto na argumentação de Prebisch, as tecnologias são geradas e moldadas em acordo com as condições onde têm origem e existe uma série de dificuldades para se aplicar a tecnologia produzida em países desenvolvidos nos países subdesenvolvidos, por fatores como os insumos utilizados e o tamanho do mercado, dentre outros.

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Como coloca Fagerberg: “It was concluded that ‘to catch up with the developed countries (…) semi-industrialized

countries cannot rely only on a combination of technology imports and investments, but have to increase their national technological activities as well”. Fagerberg (1994, p.1161).

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“The first is that a model of technical change based simply on the adoption of new vintages of machinery,

accompanied by blueprints and operating instructions, and followed by productivity improvements resulting automatically from experience in production is inadequate. Apart from failing to explain how new vintages of machinery emerge in the first place, it does not even square with the empirical evidence about technology- borrowing late industrializing countries: it completely ignores the investment in intangible capital that is necessary not just to operate machines, but to choose them in the first place, to improve their performance once acquired, to replicate them and further develop both them and the products they produce, and to lay the basis for related and higher value-added activities in future. In other words, such a model ignores the central importance of the stock of resources for generating and managing change that we have described as technological capabilities, and it ignores the conscious and deliberate learning required to accumulate those resources”. Bell

sofisticadas. O processo de catch-up não é fácil e requer uma série de condições apropriadas, econômicas e institucionais, para ter sucesso. É longo o caminho que têm os países atrasados a percorrer para capacitarem-se a competir com os países desenvolvidos.