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Políticas de estímulo e ameaça

2. Restrição de Balanço de Pagamentos e Crescimento Limitado

2.3 Restrição estrutural de balanço de pagamentos e o círculo vicioso

2.3.2 Políticas de estímulo e ameaça

Foram expostos uma série de problemas com os quais se deparam os países atrasados e que dificultam a superação do círculo vicioso no qual se envolvem. Um primeiro conjunto está relacionado às condições microeconômicas estruturantes, como a questão do aparato produtivo, da necessidade de se endogeneizar a dinâmica inovativa e de ampliar as condições competitivas. Um segundo conjunto está ligado às condições macroeconômicas vigentes, como o desequilíbrio do balanço de pagamentos, as altas taxas de juros e a instabilidade cambial, que inviabilizam uma dinâmica de crescimento que engendre a transformação necessária para colocar o país em uma trajetória de desenvolvimento sustentado.

Até o advento da globalização, as discussões de política nos países atrasados estava em grande medida centrada sobre a questão da política de investimento do governo e sobre

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“What we have just recounted is the basic skeleton of a comparative story, whereby the strategies of different actors – e.g.

states, domestic and multinational firms, etc. – determined quite diverse collective outcomes, in terms of institutional set-ups, technological capabilities and growth performances”. Dosi, Freeman e Fabiani, (1994, p. 34).

suas políticas comerciais e de protecionismo209. No contexto atual, porém, não cabe aos países em desenvolvimento montar um parque industrial: o fundamental é mantê-lo moderno e competitivo. O comércio internacional movimenta produtos intensivos em tecnologia e, portanto, são de importância fundamental as políticas que promovam a reestruturação produtiva, o desenvolvimento e a endogeneização da dinâmica inovativa, viabilizando e estimulando a competitividade, condição para o aumento das exportações. As políticas de proteção, por si sós, não são suficientes para que o país alcance e se mantenha na fronteira tecnológica, num ambiente em que as atividades de produção e as de geração de inovações estão cada vez mais separadas.

Possas210 apresenta algumas condições essenciais para que um país gere capacidade inovativa endógena e se mantenha competitivo sistemicamente. Segundo o autor, o desenvolvimento do potencial competitivo das empresas, e logo do país em seu conjunto, depende das condições tecnológicas, produtivas e de mercado, das indústrias e das externalidades físicas, sociais, técnico-científicas, das condições institucionais e do aparato regulatório existente no ambiente econômico211. O essencial para esse desenvolvimento seria a adoção de políticas que garantissem os condicionantes sistêmicos da competitividade e a contínua pressão competitiva sobre as empresas, num misto de estímulo e ameaça, para que estas, com suas características específicas e setor-específicas, gerassem uma dinâmica de desenvolvimento com transformação estrutural e crescimento. Estas políticas deveriam influenciar as decisões das empresas, tanto pelo ambiente competitivo gerado através da concorrência interna e externa, como pelo incentivo à capacitação tecnológica.

Possas classifica as políticas que influenciam os fatores sistêmicos da competitividade em três grandes grupos212. O primeiro destina-se a garantir a vigência de um ambiente competitivo e a exercer pressão sobre as empresas, induzindo a busca permanente por inovações e ganhos de competitividade. Estas políticas estão relacionadas ao estabelecimento

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A discussão da indústria nascente e protecionismo ganhou importância especialmente a partir de List, que destaca, na mesma linha da argumentação apresentada na seção sobre Prebisch, a importância de se desenvolver tanto o setor agrícola como o setor manufatureiro, complementares na dinâmica de desenvolvimento econômico. List apresenta neste contexto a fragilidade de um país concentrado no setor agrícola, dependendo da importação manufatureira, e defende que os países que têm condições mínimas necessárias para desenvolver sua manufatura devem proteger temporariamente sua economia nacional da concorrência internacional, até que suas forças produtivas sejam capazes de competir.Ver List (1989, p.110-125)[1855].

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Possas, M. (1996).

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“Again, the findings of empirical research in this field are unequivocal: innovation depends on a combination of in-house

experience, learning and development with a wide variety of external sources of information and advice, i.e. formal or informal networking, hence, the importance of national infrastructure and national systems of innovation” Dosi, Freeman e

Fabiani (1994, p. 31)

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de um aparato regulatório, ditando regras sobre a defesa da concorrência e do meio ambiente, sobre o comércio exterior e sobre os fluxos de capital. O segundo conjunto diz respeito à geração de externalidades positivas sobre a competitividade empresarial, como é o caso dos investimentos realizados em infra-estrutura de transporte, energia e comunicação, em educação e qualificação e em infra-estrutura de ciência e tecnologia. Um último grupo diz respeito às políticas que influenciam o ambiente econômico geral no qual operam as empresas, como é o caso das políticas tipicamente macroeconômicas (fiscal, monetária, cambial, creditícia, comercial) e das políticas de incentivo à C&T, aos gastos em P&D, estímulos à reestruturação e modernização, entre outros.

Além das políticas sistêmicas, pode ser necessária a adoção de políticas industriais específicas para a promoção de setores particulares e de grande importância para a economia em geral. As condições privilegiadas dos setores alvo da política industrial, porém, devem ser temporárias e associadas à cobrança de desempenho. O objetivo principal destas políticas é permitir a superação de gargalos e viabilizar o crescimento econômico mais elevado e ao mesmo tempo continuado.

As políticas acima descritas devem ser implementadas em fases seqüenciais e progressivas, e devem ser reformuladas de acordo com a evolução da situação do país. Nos países que se encontram em um círculo vicioso atravessando uma trajetória stop-and-go, primeiramente deve ser adotada uma política de estímulo às exportações alinhada a uma política industrial que utilize a folga de divisas gerada para promover a alteração da estrutura produtiva e aumento de sua competitividade213. Quanto às regras sobre concorrência, comércio exterior e entrada de fluxos de capitais inicialmente estabelecidas, estas devem ser compatíveis com as condições presentes da economia nacional, eventualmente direcionando- se para uma maior liberalização conforme as empresas capacitem-se para enfrentar maior nível de competição (interna e externa) e conforme o país seja capaz de tirar proveito da entrada de capital estrangeiro, sem ficar vulnerável frente a sua volatilidade.

A realização dos investimentos em infra-estrutura e educação, classificados sob as políticas que geram externalidades, é fundamental para os países em desenvolvimento e, geralmente, exigem elevadas somas de recursos, além de terem longo prazo de maturação e,

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“Contudo, é improvável que a elasticidade de crescimento das importações se reduza a valores próximos de um por meio destes esforços, exceto em prazo mais longo. No ínterim, as importações continuarão a crescer a taxas (significativamente) superiores ao PIB. Neste sentido, resta o foco de política nas exportações, na medida em que o imperativo exportador é incontestável, ao passo que os resultados do esforço exportador são ainda insuficientes”. Cavalcanti e Frischtak (2001, p.49- 50).

às vezes, baixo retorno, precisando, portanto, contar com o apoio do setor público para sua efetivação. O governo deve, então, elaborar um planejamento de dispêndio de acordo com as prioridades e com sua disponibilidade de recursos. Também é de extrema importância o incentivo por parte do governo à inovação tecnológica, que deve contar com o desenvolvimento de um sistema nacional de inovação (SNI) que permita obter sinergia entre os esforços científicos e tecnológicos e no campo da pesquisa e desenvolvimento, além de reduzir os riscos do investimento em tecnologias de ponta ou altamente dinâmicas.

À medida que o país promova a transformação estrutural e gradativamente adquira graus de liberdade em relação à restrição de balanço de pagamentos, as políticas macroeconômicas recobram sua autonomia, e podem evoluir para o estabelecimento de uma taxa de juros relativamente baixa e de uma taxa de câmbio estável, de forma a melhorar as condições de financiamento e estimular os investimentos, especialmente aqueles que gerem externalidades ou estejam ligados à inovação.

O papel do Estado como condutor destas políticas não significa que esteja assumindo o lugar da iniciativa privada. Pelo contrário, ao Estado cabe elaborar uma programação que sirva de base às suas políticas para criar condições necessárias, estímulos, e procurar orientar a iniciativa privada para que esta esteja em acordo com o objetivo de desenvolvimento. Não se pode abstrair o contexto da globalização no qual os países estão inseridos, mas o governo pode manter seu espaço para influenciar o curso dos acontecimentos na economia se houver algum planejamento214.

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“(...) deve-se ressaltar que a preservação de todo o conjunto mencionado de instrumentos de política macroeconômica e industrial (destinados ao fomento da capacitação e da competitividade) continua conferindo ao Estado não só o espaço institucional como os meios para interferir fortemente na direção e ritmo em que as estratégias empresariais reagem e se ajustam a um determinado quadro competitivo global. O que muda de forma significativa é a autonomia para a definição de rumos e metas para as políticas, que se reduz drasticamente diante da globalização (...)” Possas, M. (1996, p.108).