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Necessidade de Industrialização

2. Restrição de Balanço de Pagamentos e Crescimento Limitado

2.1 Balanço de pagamentos e Restrição Externa

2.1.1 Déficit na Balança Comercial e as condições estruturais

2.1.1.1 Necessidade de Industrialização

Prebisch161, analisando a situação dos países "periféricos" em meados do século XX, já havia destacado o problema da disparidade entre os coeficientes de importação e as

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Como colocam Medeiros e Serrano: “Pretende-se argumentar aqui que as exportações podem ser mais ou menos importantes para a expansão da economia – de acordo com uma série de características estruturais de cada país; entretanto, seu papel no financiamento e relaxamento da restrição externa ao crescimento é absolutamente central e estratégico para todos os países, com a exceção daquele que emite a moeda de circulação internacional. É importante distinguir o papel da taxa de crescimento das exportações como componente da tendência da demanda efetiva a longo prazo e sua função no equacionamento do financiamento externo do desenvolvimento econômico”. Medeiros e Serrano (2001, p.106).

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Kalecki (1972, p.70).

161 Prebisch foi encarregado, ao final da década de 1940, de assumir a responsabilidade de conduzir o estudo que

seria realizado pela Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), órgão da ONU que havia acabado de ser criado, sobre os problemas envolvidos na questão do desenvolvimento latino-americano e as possíveis alternativas para contorná-los e colocar o continente em vias de crescimento.

elasticidades-renda das importações de produtos industrializados, por um lado, e os das exportações dos produtos primários, por outro, resultado de suas estruturas produtivas e que implicava crescente desequilíbrio no balanço de pagamentos conforme as economias avançavam.

Para Prebisch, a conformação da estrutura produtiva sofreu forte influência do papel que cada país assumiu na divisão internacional do trabalho e da interação entre os países através do comércio internacional. Prebisch denominou “países centrais” aqueles onde primeiro surgiam os progressos técnicos, que rapidamente se difundiam por toda sua estrutura, caracteristicamente homogênea e diversificada, com alta produtividade e com uma ampla cadeia de grande complementaridade inter-setorial. Já os países denominados “periféricos” eram normalmente primário-exportadores com uma estrutura produtiva especializada e heterogênea: especializada por ter a atividade econômica concentrada no setor primário, em alguns bens demandados pelo centro e em bens de subsistência, sem uma cadeia produtiva desenvolvida; e heterogênea em função da disparidade na produtividade das atividades primárias voltadas para o mercado interno vis-à-vis as primário-exportadoras, que recebiam investimento externo e produziam para servir ao centro.

A discussão de Prebisch estava direcionada a questionar a teoria tradicional do comércio internacional baseada no princípio das vantagens comparativas, segundo a qual a configuração econômica mundial tal como havia se delineado, com alguns países especializados na produção industrial e outros na produção primária, era a maneira mais eficiente de se obter o máximo de renda e a distribuição mais igualitária. Prebisch aceitava que o meio mais direto para se obter a elevação do ritmo de crescimento da renda era através da elevação da produtividade, que seria lograda principalmente pela introdução do progresso técnico. Mas, com base em evidências empíricas, contesta a idéia de que, por meio de mudanças nos preços relativos, haveria difusão dos frutos do progresso técnico dos países centrais gerando uma tendência à homogeneização do nível de renda. A variação nos preços não estava vinculada à redução nos custos advinda da elevação da produtividade e não se movia no sentido de homogeneizar a renda. Pelo contrário, os termos de troca moviam-se constantemente contra os bens primários162, implicando transferência de parte dos frutos do progresso técnico da periferia e concentração da renda nos países centrais.

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De acordo com os dados apresentados por Prebisch (1949, p.94), tomando a relação entre os preços dos produtos primários e os preços dos produtos industriais do ano de 1880 como base, em 1911-13 esta relação

A estrutura produtiva dos países periféricos, centrada no setor primário, não criou um mecanismo interno capaz de impulsionar a expansão da economia e a absorção do excedente de mão-de-obra, tornando-os dependentes da dinâmica das exportações. Ao mesmo tempo, a dinâmica da economia mundial não gerava uma demanda pelos bens primários da periferia suficientemente elevada para manter um alto nível de emprego com alta produtividade. O desemprego, combinado com as flutuações cíclicas da economia mundial, abria margem para a deterioração dos termos de troca em função das pressões exercidas pelos centros sobre os preços dos produtos primários.

Prebisch mostrou, ainda, como o crescimento da periferia era limitado em função da tendência ao desequilíbrio externo. Esta tendência surgia pela diferença na elasticidade-renda de demanda entre os produtos exportados pela periferia e pelo centro, uma vez que a primeira é inferior à segunda e menor que a unidade. A baixa elasticidade-renda da demanda por bens primários era conseqüência: i) dos progressos introduzidos na produção, que permitiam um melhor aproveitamento da matéria-prima, diminuindo sua proporção no valor do produto final; ii) do fato de os bens primários terem sido gradualmente substituídos por produtos sintéticos, plásticos, fibras artificiais, e outros levando, da mesma forma, à diminuição da proporção utilizada de produtos primários nos produtos finais; e, finalmente, iii) da elevação da renda, que gera tendência à diversificação do consumo, normalmente em direção a serviços ou produtos mais sofisticados e que utilizam baixíssima proporção de matéria-prima163.

Para não haver desequilíbrio no balanço de pagamentos, o ritmo de crescimento da renda da periferia deveria estar limitado superiormente pelo ritmo de crescimento de suas exportações, que, por sua vez, era determinado pelo ritmo de crescimento das importações do centro, que crescem a um ritmo inferior ao de sua renda. Então, havia uma tendência ao distanciamento entre as rendas do centro e da periferia, intrínseca à existência da disparidade nas elasticidades-renda das demandas por importação164. Inviabilizava-se, dessa forma, um processo de desenvolvimento nos países periféricos, uma vez que implicaria elevado ritmo de

havia caído para 85,8, e em 1931-35 para 62, voltando a se recuperar ligeiramente em 1946-47, passando para 68,7.

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“Es una característica universal del desarrollo económico que conforme el ingreso por habitante se eleva por encima de

ciertos mínimos la demanda de productos primarios crece con menos intensidad que la de artículos industriales y servicios”.

Prebisch in Gurrieri (1982, p.366).

164 As questões da disparidade dos coeficientes e elasticidades e da deterioração dos termos de troca são

complementares. Mesmo se os termos de troca permanecessem constantes, a disparidade das elasticidades-renda de importação e exportação seria suficiente para limitar o crescimento; a piora nos termos de troca apenas agravaria ainda mais a situação.

crescimento da renda e conseqüentemente um ritmo de crescimento ainda maior das importações, incompatível com a capacidade de importar gerada pelas exportações.

A solução para Prebisch passava por um processo de modernização da agricultura acompanhado por expansão da indústria, que permitiria aos países periféricos transformarem sua estrutura produtiva, no sentido da diversificação e homogeneização, dotando-os de uma dinâmica interna autônoma e com menor necessidade de importações, isto é, diminuindo sua vulnerabilidade e alterando sua inserção internacional. O processo de industrialização refletiria a transição da fase de "desenvolvimento para fora" para a fase de "desenvolvimento para dentro", quando o fator dinâmico passaria a ser interno, e não mais as exportações. Para que o processo de industrialização se realizasse, porém, eram necessários incentivos aos investimentos. A expansão da indústria, portanto, deveria estar voltada para substituição das importações, servindo de estímulo o desvio de parte da demanda por importações para a produção interna.

O crescimento assim gerado elevaria as importações, mas este aumento seria eventualmente compensado pela diminuição alcançada com a atividade substitutiva. A industrialização, dessa forma, além de diminuir o coeficiente de importações, também diminuiria a pressão sobre as importações ao possibilitar a produção interna de bens que têm altíssima elasticidade-renda de demanda. A diminuição concomitante da elasticidade-renda da demanda por importação e do coeficiente permitiria aos países periféricos não estarem mais limitados a um ritmo de crescimento inferior ao de suas exportações ou ao do centro, podendo iniciar um movimento de convergência, desde que conseguissem alcançar um elevado ritmo de crescimento de suas produtividades.

Ainda, o processo de industrialização, ao completar o papel da demanda externa, estimulando a dinâmica interna, aumentaria a capacidade de absorção da população ativa com alta produtividade e diminuiria a margem para redução dos salários e preços (logo para a deterioração dos termos de troca). Ou seja, reduziria os riscos de que parte dos frutos do progresso técnico da periferia fosse transferida para o centro ao invés de se converter integralmente em elevação da renda.

No entanto, existiam alguns obstáculos à realização do processo de industrialização. Um primeiro problema apontado por Prebisch dizia respeito à escassez de capital para se efetuar os investimentos necessários à elevação da produtividade média, através da interação

entre os processos de modernização da agricultura e de industrialização. Um problema correlato era a escassez de divisas para sustentar o nível de importação associado ao início do processo, quando aumenta a demanda de bens industriais, especificamente de bens de capital dos quais depende a montagem inicial das indústrias. Quando o processo de industrialização estivesse em fase mais adiantada, a produção resultante colaboraria para reduzir a pressão sobre o balanço de pagamentos, mas na fase inicial é grande e inelástica a demanda por bens importados.

Outro sério problema com o qual se defrontava a periferia em seu processo de industrialização eram as tecnologias embutidas nos equipamentos importados do centro, que elevavam a produtividade do trabalho, economizando mão-de-obra em países onde o capital era escasso e caro e a mão-de-obra, abundante e barata. Esta economia não era capaz de compensar o custo do capital e a introdução destas técnicas agravava o problema do desemprego, dada a escassez de capital para expandir atividades que pudessem reabsorver todos os trabalhadores dispensados. Ainda, a periferia não possuía uma demanda interna suficiente para esgotar toda a produção compatível com a escala mínima eficiente definida de acordo com os padrões de consumo dos centros, o que dificultava a obtenção dos ganhos de economias de escala e implicava menor produtividade.

Frente a estas dificuldades, o sucesso do processo de industrialização voltado para substituição de importações dependia de políticas eficazes para orientar as divisas para a importação de bens de capital e matéria-prima indispensáveis. Segue daí a conclusão sobre a necessidade de planejamento e orientação por parte do Estado.