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CAPÍTULO II AS MEDIDAS ADOTADAS PELA UNIÃO EUROPEIA

4. Necessidade de reformar o Sistema Europeu Comum de Asilo

4.2. O funcionamento dos hotspot area

4.2.4 A segurança nos hotspots

Casos de violência, distúrbios e manifestos, nos pontos de acesso na Grécia, relatados quase semanalmente, manifestam frustração, lacunas de comunicação e um alto nível de desconfiança por parte dos requerentes de asilo336. Muitos deles permanecem

numa situação de limbo legal por muito tempo, com incerteza sobre se receberão asilo ou se regressarão para a Turquia. A infraestrutura, o funcionamento e o pessoal dos hotspot areas não estão adaptados à necessidade de garantir a segurança dos migrantes que enfrentam riscos aumentados, particularmente mulheres e crianças.

O direito à boa administração, nos termos do artigo 41.º da Carta, implica o direito das pessoas, na zona dos pontos de crise, serem informadas dos procedimentos que lhes são aplicáveis. Como já tivemos oportunidade de afirmar, por força do artigo 51.º da Carta, o direito à boa administração é um direito fundamental exercido também em relação aos Estados-Membros quando estes apliquem o direito da União, isto é, às respetivas organizações administrativas de âmbito nacional, regional e local337. Além de

que, o direito a uma boa administração, tal como está consagrado no artigo 41.º, inclui o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, prevista no artigo 47.º da Carta. Atualmente, a provisão inconsistente de informações sobre procedimentos e direitos contribui para as tensões entre os migrantes e os requerentes de asilo nos pontos de acesso e possíveis manifestações de violência338.

Em conformidade com o n.º 4 do artigo 18.º da Diretiva em matéria de acolhimento, as medidas destinadas a reduzir o risco de exposição a violência sexual e de género devem ser uma prioridade fundamental para todos os intervenientes. Devido à sua vulnerabilidade, as crianças enfrentam um risco agravado de violência e abuso, e de acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, os Estados têm a responsabilidade de garantir a segurança dos menores contra a violência, a exploração e o abuso sexual, bem como o tráfico de seres humanos. Nos pontos de acesso, como já referimos, estes riscos são particularmente elevados.

A 7 de novembro de 2016, a Human Rights Watch anuncia que a chegada do

336 Informação obtida na página oficial da Agência da União Europeia para os Direitos fundamentais, op. cit. [02.03.2017]. 337 Cf. Cláudia VIANA, “Artigo 41.º - Direito a uma boa administração”, in Alessandra Silveira e Mariana Canotilho (coord.), Carta

dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Coimbra, Almedina, 2013, p. 483.

inverno é uma preocupação premente para os refugiados e migrantes nos hotspot areas da Grécia, uma vez que permanecem abrigados em tendas. Porém, como parte de um plano de inverno, o ACNUR e as autoridades gregas iriam substituir as tendas por unidades de habitação pré-fabricadas, em alguns dos mais de 40 campos em toda a Grécia. Noutros locais, itens de inverno foram distribuídos e em 15 deles foram planeadas melhorias de infraestruturas, como a instalação de aquecimento. Segundo a Human Rights Watch, “com quase 128 milhões de euros fornecidos pela Comissão Europeia ao governo grego e 370 milhões de euros fornecidos pelas agências de ajuda humanitária e organizações internacionais, incluindo o ACNUR, não há desculpa para a falta de condições humanas e dignas de acolhimento para os requerentes de asilo”339. Acontece

que, numa visita a Lesbos, de 12 a 13 de janeiro de 2017, a Human Rights Watch observou tendas frágeis no hotspot de Moria, após uma grande queda de neve no dia 9 de janeiro. Como resposta a um protesto público, o governo grego enviou um navio da Marinha à ilha em questão para abrigar os requerentes de asilo, maioritariamente homens, que viviam em tendas expostas, em Moria. Os grupos mais vulneráveis, com esforços do ACNUR, foram transferidos para contentores aquecidos e para quartos e apartamentos de hotéis. Em Samos e Chios, centenas de refugiados que vivem em dormitórios e tendas não aquecidas, permaneciam expostos ao frio, umidade, chuva forte e ventos. Consequentemente, a UE, o ACNUR, os grupos de ajuda e o governo grego foram acusados por outros grupos de ajuda, de não utilizarem o financiamento comunitário de 90 milhões de euros para preparar os campos para o inverno antes da primeira queda de neve340. E a 3 de janeiro o ACNUR emitiu um apelo para acelerar o processo de

transferência de pessoas das ilhas para o continente, tendo em conta as condições muito precárias341.

Relativamente a esta particularidade das (faltas de) condições de acolhimento, consideramos estar em causa a violação direta do artigo n. º1 da Carta que consagra a dignidade do ser humano, como inviolável e alvo de respeito e proteção. Simultaneamente, não deixa de colocar em causa os direitos das crianças consagrados nos termos do artigo 24.º da Carta, na medida em que, segundo o n. º1 “as crianças têm direito

339 Informação obtida na página oficial da Human Rights Watch, https://www.hrw.org [03.04.2017]. 340 Informação obtida na página oficial da Human Rights Watch, https://www.hrw.org [03.04.2017];

341Informação obtida na página oficial do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, http://www.unhcr.org [03.04.2017].

à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar”. O mesmo raciocínio aplicamos ao direito das pessoas idosas, consagrado nos termos do artigo 25.º, na medida em que, “a União reconhece e respeita o direito das pessoas idosas a uma existência condigna e independente” o que cremos não existir nos hotspot areas, tendo em conta, particularmente, as últimas descrições que apresentamos. A União está incumbida da tutela efetiva dos idosos, no exercício dos direitos fundamentais342. O tipo de tutela que

é concedida à pessoa idosa, pelo artigo 25.º da Carta, reconduz-se à enunciação de direitos que respeitam a todos, mas que na Carta são apresentados como particularmente relevantes no que toca à pessoa idosa.

No plano da Diretiva relativa ao acolhimento dos requerentes de proteção internacional, consideramos que há uma violação direta do artigo 17.º, n. º2, que prevê: “os Estados-Membros asseguram que as condições materiais de acolhimento proporcionam um nível de vida adequado aos requerentes que garanta a sua subsistência e a sua saúde física e mental.”, e que “que esse nível de vida seja também garantido no caso de pessoas vulneráveis, nos termos do artigo 21.º, bem como no caso de pessoas detidas”.

Estas zonas dos pontos de crise e as atividades que aí se desenvolvem limitam-se a ajudar os Estados-Membros de primeira entrada na execução da tarefa desproporcionada que lhes impõem os Regulamentos Dublin III e Eurodac de recolher as impressões digitais de todas as pessoas que atravessaram irregularmente as respetivas fronteiras. O que determina “a responsabilidade desses Estados pela análise dos correspondentes pedidos de asilo, tornando efetivos os desequilíbrios inerentes ao sistema de Dublin”343. E é neste

ponto que se encaixam as medidas analisadas no próximo parágrafo.