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CAPÍTULO II AS MEDIDAS ADOTADAS PELA UNIÃO EUROPEIA

7. O regulamento que permitirá ajudar a responder à difícil situação humanitária

1.1. Direito de asilo e proibição de Refoulement

1.1.3. Proibição de Refoulement

De acordo com Ana Rita Gil, o artigo 78.º do TFUE “elege a proibição de refoulement como um dos princípios-chave da política europeia comum na matéria”196 de

asilo, afirmando expressamente o propósito de garantir a observância da sua proibição, nos termos do seu n. º1.

O princípio de non refoulement encontra-se duplamente consagrado na Carta. Ou seja, para além de derivar do artigo 18.º, enquanto uma das dimensões do direito de asilo, encontra consagração expressa no artigo 19.º, n. º2, que determina que “ninguém pode

192 V. Processo C-482/10, Cicala contra Região Siciliana, Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 21 de dezembro de 2011. Em sentido contrário, entendendo que as garantias em causa têm também como destinatários os Estados-Membros, v. as conclusões do Advogado-Geral Melchior Wathelet no Processo C-166/13, Sophie Mukarubega contra Préfet de police, Préfet de la

Seine‑ Saint‑ Denis, Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 5 de novembro de 2014.

193 Segundo Cláudia Viana, “ao prescrever que os Estados-Membros devem respeitar os direitos, observar os princípios e promover a sua aplicação, de acordo com as respetivas competências e observando os limites das competências conferidas à União pelos Tratados, o artigo 51.º, conjugado com o artigo 52.º, n.º2, limita e relativiza o princípio da autonomia organizativa e procedimental (e também processual) dos Estados-Membros, na medida em que aquela autonomia tem de ser conciliada com a aplicação uniforme e com a eficácia do Direito da União [incluindo] o direito fundamental a uma boa administração sempre que aquele esteja em causa”, v. Cláudia VIANA, “Artigo 41.º - Direito a uma boa administração”, in Alessandra Silveira, Mariana Canotilho (coord.), Carta dos

Direitos Fundamentais da União Europeia Comentada, Coimbra, Almedina, 2013, p. 484 (interpolação nossa).

194 Cf. Cláudia VIANA, “Artigo 41.º - Direito a uma boa administração”, op. cit., p. 484.

195 Processo C-248/99 P, República Francesa contra Monsanto Company e Comissão das Comunidades Europeias, Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 8 de janeiro de 2002.

ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra o risco de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes”. Encontra-se também consagrado na Convenção de Genebra sobre o Estatuto de Refugiado, e noutras normas de direito internacional, sobretudo as que proíbem a tortura ou a sujeição a tratamentos considerados cruéis, desumanos ou degradantes, como o artigo 7.º do PIDCP e o artigo 3.º da CEDH.

Acontece que, enquanto a proibição prevista no artigo 3.º da CEDH é absoluta – “i.e., em caso algum poderá haver devolução de um estrangeiro para um país onde o mesmo corra o risco de ser submetido a tortura ou tratamentos desumanos e degradantes”197 –, a proteção prevista na Convenção de Genebra admite exceções, nos

termos do seu artigo 33.º, n.º2, que permitem a expulsão de um refugiado quando este, por motivos sérios, seja considerado um perigo para a sociedade do Estado de acolhimento ou quando, tendo sido condenado, definitivamente, por crime ou delito particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade. Alguns autores entendem que estas exceções não são aplicáveis “se implicarem a violação de princípios ou normas consuetudinárias imperativas ou inderrogáveis, como é o caso da norma que proíbe o risco de sujeição a tortura ou a tratamentos desumanos ou degradantes”198. Porém, não há

um acordo unânime na doutrina quanto ao carácter absoluto da proibição de repulsão, no caso referido supra. “Várias vozes clamam por uma necessidade de relativização da proteção oferecida pelo artigo 3.º da CEDH no contexto das medidas de expulsão”199. No

interior do TEDH, de acordo com alguns juízes, nos casos de afastamento do território, em que os tratamentos proibidos não são aplicados pelo Estado que afasta, mas pelo Estado do país de destino, a proibição deveria ser relativizada, atuando o princípio da proporcionalidade200. Outros autores referem que o TEDH tem procedido a um

alargamento cada vez maior da proteção oferecida pelo artigo 3.º da CEDH, invocando

197 Cf. Ana Rita GIL, “A crise migratória de 2015...”, op. cit., p.11. 198 Cf. Ana Rita GIL, “A crise migratória de 2015...”, op. cit., p.12. 199 Cf. Ana Rita GIL, “A crise migratória de 2015...”, op. cit., p.12.

200 V. Processo 2241/93, Chahal contra Reino Unido, Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de 15 de novembro de 1996. Neste caso, vários juízes do TEDH manifestaram-se a favor da relativização da proteção oferecida pelo artigo 3.º, nos casos de aplicação extraterritorial da CEDH, defendendo que aí o Estado deveria ser admitido a ponderar, tanto a natureza da ameaça que a pessoa em causa representaria para a segurança nacional do país de acolhimento, como a gravidade do risco potencial de maus tratos a que o recorrente poderia ser sujeito no país de destino.

que acabam por ser os juízes do TEDH a decidir do reconhecimento de proteção internacional que determinada pessoa beneficia201.

Posto isto, importa apurar se a proteção conferida contra o non refoulement, garantida no artigo 19.º, n. º2 da CDFUE, é também absoluta, uma vez que a fonte de inspiração dessa norma foi a jurisprudência do TEDH sobre o desenvolvimento do artigo 3.º da CEDH202. O n.º 2 do artigo 52.º da Carta dispõe que “na medida em que a presente

Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção europeia para a proteção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa convenção, a não ser que a presente Carta garanta uma proteção mais extensa ou mais ampla. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla”. Consequentemente, implica reconhecer que o artigo 19.º, n. º2, consagra uma proteção absoluta. Logo, em caso algum poderá haver afastamento de um estrangeiro para um país onde o mesmo corra o risco de ser perseguido ou sujeito a danos sérios para a sua vida ou integridade pessoal203. Ou seja, no caso da Declaração UE-Turquia, a Turquia terá, efetivamente, de

ser considerada um país terceiro seguro, o que, como poderemos ver no ponto seguinte, implica, entre outras exigências, a inexistência de risco de danos graves. Caso contrário, o envio dos migrantes para este país é desrespeitador da estipulação de non refoulement, e, consequentemente, a Declaração assenta em pressupostos ilegais.