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CAPÍTULO II AS MEDIDAS ADOTADAS PELA UNIÃO EUROPEIA

5. A prestação dos Estados-Membros no decorrer da crise migratória

5.2. Menores não acompanhados e o superior interesse da criança

5.2.2. Tutela e representação legal

Os representantes legais são fundamentais para garantir que o ponto de vista dos menores seja tido em consideração, e que tenham acesso a serviços adequados de receção, saúde e educação. Bem como para proteger os seus direitos processuais. Pelo que, deverão receber um representante legal logo que tenham apresentado um pedido de asilo (artigo 6.º do Regulamento de Dublin III, artigo 24.º da Diretiva relativa ao acolhimento dos requerentes de proteção internacional, artigo 25.º da Diretiva Procedimentos, e artigos 12.º e 20.º da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989). Todavia, segundo a FRA, os menores descreveram longos atrasos na nomeação de tutores, tornando mais difícil a obtenção de informações, apoio e educação391. A título de exemplo, a lei sueca sobre

tutores para menores não acompanhados, não fornece um período de tempo claro para a nomeação de um tutor, ou requisitos de competências especiais. E as práticas variam muito entre os municípios responsáveis por fornecer habitação, educação e cuidados392.

A Convenção sobre os Direitos da Criança, que a Suécia ratificou, exige que os Estados-parte avaliem e abordem as vulnerabilidades e necessidades especiais de proteção de um menor não acompanhado, e levem isso em consideração na organização de cuidados e acomodações físicas e mentais. O Comité dos Direitos da Criança, que avalia o cumprimento da convenção pelos Estados-parte, afirmou que se deve nomear um tutor assim que uma criança é identificada e dar prioridade aos pedidos de asilo de menores não acompanhados. Pelo que, em março de 2015, pediu à Suécia que assegure uma rápida nomeação de tutores adequadamente preparados393.

Em alguns Estados-Membros, como na Alemanha, os pedidos de asilo de menores não acompanhados são atrasados, uma vez que só podem candidatar-se a asilo após a nomeação de um representante legal. O que, geralmente, demora muito tempo. Além disso, os serviços de proteção social e infantil, responsáveis por menores não acompanhados, na primeira fase de acolhimento, muitas vezes não dão prioridade ao acesso ao pedido de proteção internacional, a este grupo vulnerável. Na Bulgária, por exemplo, a lei de asilo não determina quando um menor pode apresentar um pedido em

391 Informação obtida na página oficial da Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais, op. cit. [17.03.2017]. 392 Informação obtida na página oficial da Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais, op. cit. [17.03.2017]. 393Informação obtida na página oficial da Human Rights Watch, https://www.hrw.org [12.03.2017].

nome próprio, nem especifica quando um representante legal deve apresentar o pedido do menor.

Na Áustria, na Alemanha, na Grécia e na Suécia, os atrasos no acesso ao procedimento de asilo, impedem o reagrupamento familiar de menores não acompanhados perto da idade adulta, uma vez que atingindo a maioridade, estão sujeitos a disposições legais mais restritas das leis de reagrupamento familiar.

Segundo a FRA, durante o período maior de requerentes de asilo, as autoridades não tinham capacidade de registar os pedidos apresentados pelos menores não acompanhados, de forma célere (Suécia, entre setembro e dezembro de 2015). E a falta de informações adequadas continua a ser um obstáculo ao acesso à proteção internacional e / ou procedimentos de reagrupamento familiar. Em muitos casos, os menores não são adequadamente informados sobre a possibilidade de se candidatarem à proteção internacional e do direito ao reagrupamento familiar (por exemplo, em Itália).

Na Suécia, as crianças enfrentam uma espera acentuada para obterem uma decisão sobre o seu pedido de asilo, na medida em que não oferece prioridade aos pedidos dos menores, observou a Human Rights Watch394. Acontece que períodos prolongados de

insegurança podem ter um efeito particularmente nocivo para a saúde mental das crianças. A título de exemplo, Hiyab A., uma jovem de 16 anos da Eritreia, comunicou à Human Rights Watch que a sua preocupação com o asilo afetou sua capacidade de concentração na sala de aula: “estou a frequentar a escola, mas não consigo pensar nisso porque estou preocupada com meus papeis de asilo”395.

Para além da Convenção sobre os Direitos da Criança (artigos 20.º e 22.º), a Diretiva relativa ao acolhimento de requerentes de proteção internacional (artigos 12.º, 18.º, 22.º, 23.º e 24.º) estipula que as crianças devem ser acomodadas em instalações especiais, para garantir proteção e cuidado necessários ao seu bem-estar. Os artigos 14.º, 17.º e 19.º da Diretiva estabelecem o acesso das crianças à educação e aos cuidados de saúde.

Muitos menores não acompanhados continuam a aguardar fora da cerca da fronteira húngaro-servia em condições de vida muito precárias. E a Bulgária é o único

394 Informação obtida na página oficial da Human Rights Watch, op. cit. [12.03.2017]. 395 Informação obtida na página oficial da Human Rights Watch, op. cit. [12.03.2017].

Estado-Membro da União que ainda não estabeleceu qualquer instalação especializada para menores não acompanhados396. No geral, nos restantes Estados-Membros, o número

de lugares em instalações especializadas ainda é insuficiente. Como resultado, os menores permanecem em instalações de receção e trânsito lotadas (por exemplo, na Alemanha e na Suécia), onde, tal como nos pontos de acesso, os padrões de qualidade e proteção da criança não são atendidos por longos períodos, antes de serem transferidos para as instalações especializadas. Na Bulgária e na Alemanha, por vezes, os menores não acompanhados são colocados em instalações, com adultos não relacionados, sem receberem cuidados e proteção adequados397.

Acontece também que, na Alemanha, Itália e na Suécia, os menores não acompanhados são frequentemente transferidos, para diferentes instituições, antes de serem colocados em instalações de receção especializadas a nível municipal ou local. A Itália, por exemplo, desenvolveu um sistema para a receção de menores não acompanhados em que estes são colocados nos primeiros centros de acolhimento, posteriormente em segundos centros de acolhimento, os quais reúnem condições condignas para acomodá-los e, eventualmente, entram em instalações de proteção administradas por autoridades municipais. Todavia, relatórios evidenciam que, neste caso de afluxo massivo de migrantes, os menores não acompanhados permanecem por várias semanas nos primeiros centros de acolhimento, ou mesmo nos hotspot areas, antes de serem colocados em instalações dedicadas398.

Na Suécia, os centros especializados de acolhimento foram inspecionados e a entidade responsável pela inspeção descobriu que muitas dessas instalações eram inadequadas. Como resultado, cerca de 23 a 40 desses centros foram fechados. Segundo a Human Rights Watch, em 2015, dois terços dos menores que receberam proteção, na Suécia, receberam proteção ou proteção subsidiária à luz de “circunstâncias particularmente angustiantes”399. O relatório “Seeking Refugee: Unaccompanied

Children in Sweden report”, desta ONG, documenta deficiências no sistema, que impedem os menores de receberem os cuidados garantidos pelos padrões internacionais e pela legislação sueca. Alguns dos 50 menores não acompanhados entrevistados,

396 Informação obtida na página oficial da Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais, op. cit. [17.03.2017]. 397 Informação obtida na página oficial da Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais, op. cit. [17.03.2017]. 398 Informação obtida na página oficial da Oxfam, https://www.oxfam.org [18.03.2017].

reportaram que aguardam meses antes de se encontrarem com um assistente social ou com um profissional de saúde. Em alguns casos, as necessidades específicas das meninas não são suficientemente identificadas ou abordadas e as que sofreram violência sexual não são encaminhadas para serviços essenciais. Foi relatado também que enfrentam longas esperas no processamento dos seus pedidos de asilo. Há descrições de problemas com a habitação e condições precárias. E foi comunicada a não separação de sexos nas instalações de acolhimento, havendo queixas, de meninas, de assédio por parte dos meninos.

Na Alemanha há exemplos de centros especiais que foram instituídos para menores não acompanhados e que foram fortemente criticados por serem inadequados para atender às necessidades especiais deste grupo. De acordo com as estimativas da Associação Federal para Refugiados Menores Não Acompanhados (Bundesfachverband Unbegleitete Minderjährige Flüchtlinge), cerca de 25% dos menores não acompanhados não são atendidos e não recebem regularmente benefícios e serviços de assistência social400. Os

principais problemas identificados no estudo desta Associação, sobre o sistema provisório de cuidados, incluem a (i) acomodação de menores não acompanhados em instalações temporárias que não são adequadas às suas necessidades; (ii) duração dos procedimentos para atribuição de tutela; (iii) cuidados médicos inadequados; (iv) o pessoal do sistema provisório de cuidados não está suficientemente preparado e equipado para decidir o superior interesse da criança; (v) insuficiente acesso ao sistema educativo401.

Em França, no acampamento de Calais, conhecido como “A Selva”, a Human Rights Watch reportou, em outubro de 2016, que menores não acompanhados, do Afeganistão, do Sudão e da Eritreia, dormem onde quer que encontrem espaço. E muitos estão no acampamento há meses. A 24 de outubro, quando as autoridades iniciaram o despejo de mais de 6.500 migrantes e requerentes de asilo, e a sua transferência para centros de acolhimento em toda a França, as organizações da sociedade civil levantaram preocupações quanto ao processo, para aproximadamente 1.600 menores não acompanhados no campo. Segundo a Amnistia Internacional, a situação destes deveria

400 Informação obtida na página oficial da Base de Dados de Informações de Asilo, http://www.asylumineurope.org [06.04.2017]; V. também, página 27 do Relatório complementar sobre o terceiro e quarto relatório periódico da Alemanha às Nações Unidas, de acordo com o artigo 44.º da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, disponível em http://tbinternet.ohchr.org/Treaties/CRC/Shared%20Documents/DEU/INT_CRC_NGO_DEU_15805_E.pdf.

ser avaliada conjuntamente pelas autoridades francesas e britânicas, em vista do seu superior interesse e possível transferência para o Reino Unido, para reagrupamento familiar402. Porém, as autoridades não tinham capacidade para registar todos os menores,

e alguns deles foram desviados por motivos de idade presumida, sem passarem por uma avaliação minuciosa.

Já a 2 de novembro, o Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas levantou preocupações sobre os menores de idade em Calais, que ficaram sem abrigo adequado, alimentos e serviços médicos durante a operação de despejo.

De acordo com um estudo publicado pelo ACNUR e pelo Conselho da Europa403,

as condições de acolhimento insuficientes e inadequadas para os menores não acompanhados que procuram asilo em França, afetam o seu acesso efetivo a um procedimento de asilo justo, dificultando a possibilidade de preparar e apresentar um pedido de asilo. E muitas vezes têm que ficar em quartos de hotel, uma vez que as instalações específicas para menores estão sobrelotadas404. Esta situação agrava-se

quando os menores completam 18 anos, uma vez que são obrigados a sair dos seus quartos de hotel ou dos centros de acolhimento. A única forma de permanecerem em instalações especializadas para menores é mediante um contrato temporário (“Contrato Jeune Majeur”) que não é facilmente conseguido.