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CAPÍTULO II AS MEDIDAS ADOTADAS PELA UNIÃO EUROPEIA

4. Reforma do Sistema Europeu Comum de Asilo

A crise migratória pôs também em evidência a necessidade de reformar o Sistema Europeu Comum de Asilo, que estabelece normas mínimas comuns para o tratamento de todos os requerentes de asilo e pedidos de asilo. No âmbito do quadro existente, os requerentes de asilo não são tratados de modo uniforme e as taxas de reconhecimento variam de um Estado-Membro para o outro, o que encoraja movimentos secundários e a procura de asilo de conveniência.

Atualmente, o Conselho está a analisar sete propostas legislativas apresentadas pela Comissão Europeia para reformar o SECA134. Entretanto, entre as primeiras medidas no

âmbito da Agenda Europeia da Migração, consta a proposta apresentada pela Comissão relativa a um procedimento de recolocação temporário e excecional para apoiar a Itália e a Grécia, “a fim de as ajudar a enfrentarem melhor uma situação de emergência caracterizada pelo súbito afluxo de nacionais de países terceiros”135.

As medidas apresentadas foram adotadas com base no artigo 78.º n. º3, do TFUE, que estipula a possibilidade de adoção de medidas provisórias, por parte do Conselho, sob proposta da Comissão, a favor de um ou mais Estados-Membros confrontados com uma situação de emergência, conforme anteriormente analisamos. E constam da Decisão 2015/1523 do Conselho, de 14 de setembro, e da Decisão 2015/1601, também do Conselho, de 22 de setembro, que estabelecem um mecanismo de recolocação que, nos termos do artigo 2.º, e), de ambas, é definido como a transferência de um requerente de proteção internacional (estatuto de refugiado ou proteção subsidiária) a partir do território do Estado-Membro que os critérios enunciados no capítulo III do Regulamento (UE) n.º

134 Informação obtida na página oficial da Comissão Europeia, (propostas apresentadas a 4 de maio de 2016 e propostas apresentadas a 13 de julho de 2016) http://eur-lex.europa.eu [03.12.2016].

604/2013 indicam como responsável pela análise do pedido de proteção internacional, para o território do Estado-Membro de recolocação. Por sinal, este último, nos termos da alínea f) do mesmo artigo, corresponde ao Estado-Membro que se torna responsável pela análise do pedido de proteção internacional136.

Este mecanismo é apenas aplicável aos nacionais de países terceiros que (i) tenham apresentado um pedido de proteção internacional em Itália ou na Grécia, pela análise do qual esses Estados seriam responsáveis, em aplicação dos critérios estabelecidos no capítulo III do Regulamento que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (doravante, Regulamento n.º 604/2013, ou Regulamento de Dublin III) e (ii) tenham nacionalidades relativamente às quais a percentagem de decisões de concessão de proteção internacional adotadas, em primeira instância, seja igual ou superior a 75% do total dessas decisões. A primeira decisão aplica-se às pessoas que chegaram ao território da Itália ou da Grécia a partir de 16 de setembro de 2015 e até 17 de setembro de 2017, bem como a partir de 15 de agosto de 2015 (artigo 13.º, n. º3 da Decisão 2015/1523 de 14 de setembro de 2015). Por sua vez, a segunda decisão aplica-se às pessoas que chegaram ao território da Itália e da Grécia, desde 25 de setembro de 2015, até 26 de setembro de 2017, assim como aos requerentes que tenham chegado ao território desses Estados-Membros a partir de 24 de março de 2015 (artigo 13.º, n. º3 da Decisão 2015/1601do Conselho, de 22 de setembro de 2015).

A primeira decisão aponta para a recolocação, “numa base voluntária entre os Estados-Membros de recolocação”137, de 40.000 pessoas com clara necessidade de

proteção internacional, 24.000 a partir da Itália e 16.000 a partir da Grécia. A segunda decisão, em contrapartida, determina a obrigatoriedade da recolocação de 120.000 pessoas carecidas de proteção nos outros Estados-Membros, de acordo com os quadros de contingentes estabelecidos em anexo e que apresentamos de seguida. Esta introduziu um novo incentivo, para a Itália e Grécia, de apoio financeiro, sob a forma de 500€ por cada requerente de asilo recolocado (artigo 10.º, n. º1, b)). E inclui, pela primeira vez,

136 Neste sentido, recolocados são os requerentes de proteção internacional (estatuto de refugiado ou estatuto de proteção subsidiária) transferidos do Estado-Membro responsável pela análise do pedido, para o Estado-Membro que aceitou tornar-se responsável por esse pedido.

dois anexos, que estabelecem quantos requerentes de asilo devem ser transferidos da Itália e da Grécia para cada um dos outros Estados-Membros, de acordo com uma chave de distribuição que segue a proposta da Comissão Europeia, baseada nos seguintes elementos: o tamanho da população (40%), na medida em que reflete a capacidade de absorver um certo número de refugiados; PIB total (40%), pois reflete a riqueza absoluta de um país e, portanto, é indicativo da capacidade de uma economia absorver e integrar refugiados; número médio de pedidos periódicos e número de requerentes restituídos por 1 milhão de habitantes no período 2010-2014 (10%), que reflete os esforços realizados pelos Estados-Membros no passado recente; e a taxa de desemprego (10%), como indicador que reflete a capacidade de integrar refugiados138.

Em 29 de setembro de 2016, o Conselho aprovou uma decisão de alteração da segunda decisão, que permite aos Estados-Membros cumprir as suas obrigações de recolocação – estipuladas na decisão de recolocação de 22 de setembro de 2015 – admitindo cidadãos sírios presentes na Turquia, ao abrigo de regimes de admissão legal nacionais ou multilaterais para pessoas com necessidade clara de proteção (mas fora do regime de reinstalação instituído pelo Conselho em 20 de julho de 2015)139. O objetivo é

acelerar a implementação da Declaração UE-Turquia, de 18 de março de 2016. O efeito contrário é diminuir o número de pessoas que um Estado-Membro está comprometido a admitir, no âmbito da decisão de recolocação, de 22 de setembro, pelo número de pessoas reinstaladas da Turquia. Esta decisão de alteração aplica-se a pessoas admitidas da Turquia, para um Estado-Membro, a partir de 1 de maio de 2016140.

Nos termos do artigo 4.º, n.º 5, da decisão de 22 de setembro, qualquer Estado- Membro poderia, em circunstâncias excecionais, notificar o Conselho e a Comissão, até 26 de dezembro de 2015, de que se encontrava temporariamente impedido de participar na recolocação de, no máximo, 30% dos requerentes do contingente atribuído, desde que apresentasse razões devidamente justificadas e compatíveis com os valores fundamentais da União, consagrados no artigo 2.º do TUE. Foi o caso da Decisão de Execução do Conselho, de 8 de março de 2016, relativa a suspensão temporaria da recolocação de 30% de requerentes do contingente atribuido a Austria, durante um ano, dado que registou o

138 Cf. Agenda Europeia da Migração, op. cit. [20.09.2017].

139 DECISÃO (UE) 2016/1754 DO CONSELHO, de 29 de setembro de 2016, que altera a Decisão (UE) 2015/1601, que estabelece medidas provisorias no dominio da proteção internacional a favor da Italia e da Grecia, disponível em http://eur-lex.europa.eu. 140Informação obtida na página oficial do Parlamento Europeu http://www.europarl.europa.eu [24.04.2017].

segundo nível mais elevado, depois da Suecia, de requerentes de proteção internacional em relação ao numero de habitantes na União (9.421 pedidos por milhão de habitantes, segundo os dados do Eurostat disponiveis)141. E também foi o caso da Decisão 2016//964

do Conselho, de 9 de junho de 2016, relativamente à Suécia, que registou o número mais elevado de requerentes de proteção internacional per capita na União, em 2015 (com 11.503 pedidos por milhão de habitantes), passando a beneficiar de uma suspensão até 16 de junho de 2017142.

Os restantes Estados-Membros ficam ainda vinculados a aumentar o seu apoio operacional à Itália e à Grécia, disponibilizando, nomeadamente, peritos nacionais para uma série de atividades de apoio (artigo 7.º de ambas as decisões). Em compensação, a Itália e a Grécia ficam vinculadas a assegurar “um sólido mecanismo de identificação, registo e recolha de impressões digitais para efeitos do procedimento de recolocação, de modo a identificar rapidamente as pessoas com necessidade de proteção internacional elegíveis para a recolocação e a identificar os migrantes que não têm direito a proteção internacional e que deverão, por conseguinte, ser obrigados a regressar” (37.º considerando da Decisão 2015/1601). Estes centros de registo, como já apuramos, no ponto 2.2, são também designados como pontos de acesso, zonas dos pontos de crise ou hotspot areas. Atualmente, há cinco centros de registo abertos na Grécia e outros quatro em Itália143.

No preâmbulo de ambas as decisões (respetivamente, considerando (18) e (23)) reconhece-se que para além de uma derrogação ao Regulamento de Dublin III, tais decisões implicam uma derrogação ao consentimento do requerente de proteção internacional, exigido pelo artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento n.º 516/2014. Isto quando se trate da transferência do requerente do Estado-Membro que lhe concedeu proteção internacional, ou é responsável pela análise do pedido nesse sentido, para outro Estado- Membro, onde o mesmo requerente beneficiará de proteção equivalente, ou verá analisado o seu pedido de proteção internacional. Apenas os Estados-Membros de

141 Decisão de Execução do Conselho, relativa a suspensão temporaria da recolocação de 30 % de requerentes do contingente atribuido a Austria, ao abrigo da Decisão (UE) 2015/1601, que estabelece medidas provisorias no dominio da proteção internacional a favor da Italia e da Grecia, disponível em http://data.consilium.europa.eu.

142 Decisão do Conselho que estabelece medidas provisorias a favor da Suecia, no dominio da proteção internacional, nos termos do artigo 9.º da Decisão (UE) 2015/1523 e do artigo 9.º da Decisão (UE) 2015/1601, que estabelecem medidas provisorias a favor da Italia e da Grecia, no dominio da proteção internacional, disponível em http://data.consilium.europa.eu.

recolocação, “no devido respeito pelo princípio da não discriminação”, poderão indicar as suas preferências em relação aos requerentes de proteção internacional ((29) considerando da primeira decisão e (34) da segunda). Tal como explicitado no preâmbulo de ambas as decisões, nenhum requerente tem o direito, ao abrigo da legislação da União, de escolher o Estado-Membro responsável pela análise do seu pedido. Apenas lhe assite o direito de recorrer da decisão de recolocação, “tendo unicamente em vista garantir o respeito dos seus direitos fundamentais” (considerando (30) da Decisão 2015/1523 e (35) da Decisão 2015/1601).