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Operação Sophia, combate às redes criminosas e resgate dos migrantes em

CAPÍTULO II AS MEDIDAS ADOTADAS PELA UNIÃO EUROPEIA

3. Gestão dos fluxos migratórios e o combate às atividades de introdução

3.2. Operação Sophia, combate às redes criminosas e resgate dos migrantes em

A eficácia e a proporcionalidade da Operação Sophia foram postas em causa. A Câmara dos Lordes do Reino Unido263 concluiu que subsistem lacunas significativas na

compreensão da operação de redes de contrabando e do seu modus operandi na Líbia. As intenções e objetivos da operação excederam o que poderia ser realisticamente alcançado. A Câmara dos Lordes também concluiu que a Operação Sophia é vista pelas ONGs no campo humanitário como uma missão de busca e resgate, estando a realizar um valioso trabalho de busca e salvamento no mar, mas que não é este não o seu mandato central264.

Isto reflete-se num documento publicado pela WikiLeaks, que apresenta o relatório semestral da operação entre 22 de junho e dezembro de 2015. Neste documento percebemos que ainda persiste a necessidade desta operação se tornar mais eficaz no que toca ao combate ao modelo de negócio dos traficantes265. O número de entradas

irregulares continuou a ser bastante estável durante 2016266. Além disso, as autoridades

da Operação Sophia nem sempre compartilham informações com as autoridades de justiça penal relevantes em Itália, para fins de investigações e processos de suspeitos.

O lançamento e desenvolvimento da operação também colocou pressões mais elevadas sobre as autoridades da guarda costeira da Líbia. No final de 2015 houve três incidentes declarados por diferentes ONGs: os guardas armados da costa da Líbia (não está claro quem eram precisamente) confrontaram as entidades da Operação Sophia e pediram que saíssem e parassem de salvar as pessoas. A 15 de junho de 2016, depois do Conselho decidir prorrogar o mandato da operação até 27 de julho de 2017, acrescentando as duas missões de cooperação com a Líbia, a Amnistia Internacional alertou que estes planos têm o risco de alimentar os já inúmeros maus-tratos e detenções, por períodos

263Comité da União Europeia da Câmara dos Lords, Operation Sophia, the EU’s naval mission in the Mediterranean: An impossible

challenge, 14.ºRelatório da sessão 2015–16, Londres, https://publications.parliament.uk; Cf. Daniel GROS, Elspeth GUILD, Jean- Pierre CASSARINO, Sergio CARRERA, Steven BLOCKMANS, “The European Border and Coast Guard. Adressing migration and asylum challenges in the Mediterranean?”, s/d, texto disponível em https://www.ceps.eu/system/files/TFR%20EU%20Border%20and%20Coast%20Guard%20with%20cover_0.pdf [20.02.2017]. 264 V. ponto 68. do 14.º relatório Operation Sophia, the EU’s naval mission in the Mediterranean: An impossible challenge, disponível em https://publications.parliament.uk/pa/ld201516/ldselect/ldeucom/144/144.pdf.

265 EUNAVFOR MED Operação SOPHIA – 6.º Relatório Mensal, disponível em https://wikileaks.org/eu-military- refugees/EEAS/EEAS-2016-126.pdf.

266 Cf. Daniel GROS, Elspeth GUILD, Jean-Pierre CASSARINO, Sergio CARRERA, Steven BLOCKMANS, “The European Border and Coast Guard. Adressing migration and asylum challenges in the Mediterranean?”, s/d, texto disponível em https://www.ceps.eu/system/files/TFR%20EU%20Border%20and%20Coast%20Guard%20with%20cover_0.pdf [20.02.2017].

indefinidos e em condições horroríficas de milhares de refugiados e migrantes naquele país do Magrebe. Testemunhos recolhidos pelos investigadores da Amnistia Internacional revelam abusos chocantes cometidos por agentes da Guarda Costeira Líbia e em centros de detenção de migrantes e refugiados na Líbia267. A equipa da Amnistia Internacional

entrevistou 90 pessoas que sobreviveram à travessia marítima entre a Líbia e a Itália, incluindo, pelo menos, 20 refugiados e migrantes, que descrevem incidentes em que guardas costeiros dispararam contra, ou agrediram, pessoas que estavam a resgatar das águas, e também casos de tortura pungente e outros maus-tratos em centros de detenção. Num dos casos reportados, uma patrulha da Guarda Costeira Líbia não prestou ajuda a um barco cujo motor deixou de trabalhar, abandonando as cerca de 120 pessoas que se encontravam a bordo, em vez de as resgatar268.

Segundo Magdalena Myghrabi269, “a Europa não devia sequer ponderar quaisquer

acordos de cooperação sobre migrações com a Líbia se os mesmos resultam, direta ou indiretamente, em tão chocantes violações de direitos humanos”270 e concluí, “a Europa

267 Abdurrahman, de 23 anos, oriundo da Eritreia, relatou aos investigadores da Amnistia Internacional os abusos a que foi submetido quando o barco em que viajava, sobrelotado – estavam 120 pessoas na embarcação, com capacidade para 50 –, foi abordado por agentes da Guarda Costeira líbia em janeiro de 2016. “Obrigaram toda a gente a sair do barco e agrediram-nos com mangueiras de borracha e varas de madeira… depois alvejaram um homem num pé. Esse homem foi o último a sair do barco, por isso perguntaram- lhe onde estava a pessoa que pilotava a embarcação, e quando o homem disse que não sabia eles responderam ‘então isso quer dizer que és tu’ e dispararam contra ele”. Outro cidadão eritreu, Mohamed, de 26 anos, informou que os agentes da Guarda Costeira líbia, que mandaram parar o barco de borracha em que seguia, acabaram depois por abandoná-lo à deriva, com cerca de 120 pessoas a bordo. “Um dos guardas-costeiros passou do barco da patrulha para o nosso, para nos levar de volta à Líbia. Íamos a meio caminho quando o motor avariou. [O guarda-costeiro] ficou muito frustrado e decidiu regressar ao barco de patrulha. Ouvi-o dizer ‘se vocês morrerem, morrem’, antes de entrar no barco da patrulha, que se afastou e nos deixou à deriva no mar”. Mais tarde, as pessoas da embarcação conseguiram reparar o motor, mas o barco continuava a perder pressão de ar e não tiveram outra hipótese, se não a de regressarem à Líbia, onde os centros de detenção recaem na supervisão do Departamento de Combate à Migração Irregular, que está sob a tutela do Ministério do Interior, mas na verdade, são geridos por membros de grupos armados. De acordo com o ACNUR, existem 24 centros de detenção por toda a Líbia. A legislação do país penaliza a entrada, saída e permanência irregulares na Líbia, e permite a detenção, por tempo indeterminado, de cidadãos de outras nacionalidades para sua posterior deportação. As pessoas detidas naqueles centros ficam retidas durante vários meses, sem acesso a familiares, advogados nem juízes, e sem capacidade para contestarem a detenção, ou de acederem à proteção que lhes é devida, em virtude da ausência de um sistema, ou lei nacional de asilo na Líbia. As deportações são executadas sem nenhumas salvaguardas, ou avaliação dos pedidos individuais de asilo. Vários entrevistados pela Amnistia Internacional, que estiveram nos centros de detenção – incluindo pessoas resgatadas no mar e cidadãos de outros países detidos nas ruas da Líbia – relataram incidentes em que guardas os agrediam, diariamente, com paus, mangueiras, cabos elétricos e espingardas, além de serem submetidos a choques elétricos. Para mais informações relacionadas com a forma de atuar da guarda Costeira Líbia e das condições dos centros de detenção neste país, ver: http://amnistia.pt/index.php/o-que-fazemos/as- nossas-campanhas/refugiados/2015-09-14-16-44-02/2464-2016-07-04-12-58-42, http://amnistia.pt/index.php/o-que-fazemos/as- nossas-campanhas/refugiados/2015-09-14-16-44-02/2448-2016-06-15-10-57-26.

268 Informação obtida na página oficial da Amnistia Internacional, http://amnistia.pt [14.02.2017]. 269 Vice-diretora interina da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África. 270 Informação obtida na página oficial da Amnistia Internacional, op. cit. [14.02.2017].

não pode continuar a fugir às suas responsabilidades nesta crise global. Para evitar ser cúmplice no ciclo de abusos abomináveis que os refugiados e migrantes presos na Líbia sofrem, a UE tem de centrar os seus esforços em garantir que a Guarda Costeira da Líbia leva a cabo as suas operações em cumprimento com os direitos humanos, que nenhum refugiado nem migrante é detido ilegalmente, e que [existem] alternativas a esta perigosa viagem. E tal significa que é preciso reforçar de forma radical a reinstalação na Europa e conceder admissões humanitárias e vistos de entrada no território europeu”271.

Mais tarde, a 22 de junho de 2017, a mesma ONG denuncia que a União está a permitir que a Guarda Costeira Líbia faça regressar refugiados e migrantes a um país onde a detenção arbitrária, tortura e violações são frequentes. Segundo a Amnistia Internacional, os líderes europeus estão a aumentar a capacidade da Guarda Costeira Líbia, ao mesmo tempo que viram as costas aos inerentes e graves riscos que resultam dessa cooperação. E denuncia que as operações de interceção feitas por esta Guarda Costeira, têm frequentemente ignorado os padrões internacionais, incluindo no que toca ao uso de armas272.

Refugiados e migrantes intercetados pelas autoridades líbias são forçados a voltar a território da Líbia e daí, com muito poucas exceções, são transferidos para centros de detenção onde permanecem por tempo indefinido e são submetidos a tortura, a espancamentos, a violações e exploração por guardas dos campos. Pelo que podemos verificar que a cooperação não se tem centrado na salvaguarda dos direitos humanos, mas no objetivo de impedir que mais pessoas cheguem ao continente europeu, mais particularmente aos Estados-Membros da União Europeia.