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O propagado discurso de crise democrática da União Europeia, potenciado

CAPÍTULO V- O QUE FALHOU?

3. Crise de agência, de confiança nas instituições existentes e na democracia

3.1. O propagado discurso de crise democrática da União Europeia, potenciado

Os cidadãos sentem-se cada vez mais distantes da UE, acreditando que esta não é capaz de dar respostas políticas às suas necessidades e medos atuais. Seja ou não verdade, esta distância crescente aumenta a desconfiança em relação às instituições da União e a confiança nas instituições nacionais. Tudo isto, do nosso ponto de vista, favorece os partidos políticos populistas e anti-UE, tal como demonstram sucessivas eleições523.

Nesta via, é constantemente trazida à colação a existência de um défice democrático na União Europeia e, citando Alessandra Silveira, “quando se fala em défice democrático europeu está-se a reclamar da ausência de um espaço público europeu através do qual o cidadão europeu possa intervir nos processos decisórios que afetam o seu quotidiano”524.

De acordo com a autora, “se não há um espaço de deliberação mais robusto à escala europeia é porque as elites políticas dos Estados-Membros nunca o desejaram”, tornando- se, segundo a mesma, “evidente nas eleições ao Parlamento Europeu e nos referendos (alegadamente) sobre questões europeias, nos quais se discutem e decidem temas e questões exclusivamente nacionais, disputas domésticas, sem que se consiga evitar a

521 Cf. Carlo BORDONI e Zygmunt BAUMAN, Estado de Crise, Lisboa, op. cit., p.80. 522 Cf. Carlo BORDONI e Zygmunt BAUMAN, Estado de Crise, Lisboa, op. cit., p. 40. 523 Cf. Yves PASCOUAU, “Do conflito ao equilíbrio:...”, op. cit., p. 19.

524 Cf. Alessandra SILVEIRA, “Teoría de la interconstitucionalidad: entre los procesos de constitucionalización y democratización de la UE”, versão policopiada em língua portuguesa gentilmente cedida pela autora.

manipulação e o abuso”525. Segundo esta perspetiva, os partidos políticos à escala

nacional apenas discutem questões populares, em detrimento das questões europeias, uma vez que estas são impopulares e os partidos pretendem, sim, ganhar eleições526. Nesta

linha,o alegado défice democrático revela-se um discurso cómodo, que permite às elites político-partidárias dos Estados-Membros desresponsabilizarem-se dos destinos da UE. Porém, o que acontece, na realidade é que “são os nossos representantes nacionais que lá estão – no Parlamento, no Conselho e na Comissão (porque esta depende da aprovação de ambos) – e o que porventura não corre bem na Europa é sim da sua (deles) responsabilidade”527.

Deste modo, “o salto qualitativo exige uma alteração do comportamento das elites políticas nacionais, leia-se da táctica protelatória dos governos, do populismo das franjas mais extremas do espectro político-partidário, da hesitação dos meios de comunicação em mobilizar as populações e investir no conhecimento recíproco dos europeus”528.

Efetivamente, este conhecimento “não se alcança com a mera consulta à internet, que pode ajudar na disseminação deste conhecimento mas tem limitações, porque banaliza o que veicula e gera hábitos de leitura tendencialmente pobres”529. Assim, a política cultural

europeia devia ser a tradução “de mentalidades, formas de comportamento”530. Segundo

Alessandra Silveira trata-se de uma tradução em sentido amplo, isto é: “traduzir no sentido de ‘conduzir para nós’”531, na medida em que só nos identificamos com o que

conhecemos. Tal não é um propósito simples, uma vez que “o interesse comum europeu contraria os interesses de manutenção do poder das elites nacionais, na medida em que as suas margens de manobra tornar-se-iam mais reduzidas e os aparelhos partidários

525Cf. Alessandra SILVEIRA, “Teoría de la interconstitucionalidad: entre los procesos de constitucionalización y democratización de la UE”, versão policopiada em língua portuguesa gentilmente cedida pela autora.

526 Cf. Alessandra SILVEIRA, “Teoría de la interconstitucionalidad: entre los procesos de constitucionalización y democratización de la UE”, versão policopiada em língua portuguesa gentilmente cedida pela autora.

527 Cf. Alessandra SILVEIRA, “Teoría de la interconstitucionalidad: entre los procesos de constitucionalización y democratización de la UE”, versão policopiada em língua portuguesa gentilmente cedida pela autora.

528 Cf. Alessandra SILVEIRA, “Teoría de la interconstitucionalidad: entre los procesos de constitucionalización y democratización de la UE”, versão policopiada em língua portuguesa gentilmente cedida pela autora.

529 Cf. Alessandra SILVEIRA, “Teoría de la interconstitucionalidad: entre los procesos de constitucionalización y democratización de la UE”, versão policopiada em língua portuguesa gentilmente cedida pela autora.

530 Cf. Alessandra SILVEIRA, “Teoría de la interconstitucionalidad: entre los procesos de constitucionalización y democratización de la UE”, versão policopiada em língua portuguesa gentilmente cedida pela autora.

531 Alessandra SILVEIRA, “Teoría de la interconstitucionalidad: entre los procesos de constitucionalización y democratización de la UE”, versão policopiada em língua portuguesa gentilmente cedida pela autora (aspas no original).

domésticos perderiam importância”532. Todavia, a União “só consegue enfrentar com

sucesso a especulação financeira e os desafios globalitários se estiver munida das competências de orientação política tendentes a garantir uma convergência em termos de desenvolvimento económico e social”533.

Segundo Habermas, o facto de a União Europeia ter sido, até agora, essencialmente sustentada e monopolizada pelas elites políticas “gerou uma assimetria perigosa entre a participação democrática dos povos naquilo que os seus governos ‘conquistam’ para eles no palco de Bruxelas – que consideram muito longínquo – e a indiferença, se não mesmo o desinteresse dos cidadãos da União no que diz respeito às decisões do seu Parlamento”534. Assim, o alargamento supranacional da solidariedade entre os cidadãos

da União “depende de processos de aprendizagem que podem ser estimulados pela percepção das necessidades económicas e políticas”535. O que exige abertura das opiniões

públicas nacionais e uma “prática diferente por parte dos principais meios de comunicação social existentes, relatando as posições e controvérsias políticas que os temas europeus provocam noutros Estados-Membros”536. E o momento é o mais

oportuno, uma vez que a crise o fomenta: “quanto mais as populações nacionais se aperceberem da profundidade da interferência das decisões da União Europeia no seu quotidiano – e quanto mais isto for revelado pelos meios de comunicação social –, tanto mais crescerá o seu interesse em exercer os seus direitos democráticos, também como cidadãos da União”537.

532 Cf. Alessandra SILVEIRA, “Teoría de la interconstitucionalidad: entre los procesos de constitucionalización y democratización de la UE”, versão policopiada em língua portuguesa gentilmente cedida pela autora.

533 Cf. Alessandra SILVEIRA, “Teoría de la interconstitucionalidad: entre los procesos de constitucionalización y democratización de la UE”, versão policopiada em língua portuguesa gentilmente cedida pela autora.

534 Cfr. Jürgen Habermas, Um ensaio sobre a Constituição da Europa, op. cit., p. 109 (itálicos e aspas no original).

535 Cf. Alessandra SILVEIRA, “Teoría de la interconstitucionalidad: entre los procesos de constitucionalización y democratización de la UE”, versão policopiada em língua portuguesa gentilmente cedida pela autora.

536 Cf. Alessandra SILVEIRA, “Teoría de la interconstitucionalidad: entre los procesos de constitucionalización y democratización de la UE”, versão policopiada em língua portuguesa gentilmente cedida pela autora.

3.2. Crise da social democracia europeia e da democracia cristã europeia, os