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A Separação do Poder de Administrar do Poder de Julgar

No documento Posturas do Recife Imperial (páginas 127-129)

A CÂMARA MUNICIPAL DO RECIFE CONSAGRANDO A MEMÓRIA PORTUGESA

2.4 A CÂMARA MUNICIPAL NA CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO BRASILEIRO

2.4.1 A Separação do Poder de Administrar do Poder de Julgar

Antes mesmo da Constituição Política do Império, o Decreto de 13.11.1823, que dissolveu a Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, prometeu um projeto Constitucional a ser remetido às Câmaras Municipais para que estas se pronunciassem 240. As Câmaras

Municipais, em grande número, se manifestaram favoráveis ao projeto que se converteu na Constituição promulgada em 1824. Tal adesão se devia, na realidade, ao fato de as câmaras representarem a instituição que, durante o período colonial, refletia o choque entre os interesses nacionais e os interesses da Coroa portuguesa.

Com relação aos municípios, a Constituição Política do Império - a Carta de Lei de 25.03.1824 – adotou, contudo, um texto genérico241. Determinou a criação de Câmaras para

todas as cidades e vilas, às quais competiria o governo econômico e municipal dessas vilas e cidades (art. 167) e manteve a condição eletiva dos vereadores (art. 168), bem como a competência das câmaras para estabelecerem posturas policiais, aplicarem suas rendas e outras atividades (art. 169), remetendo o detalhamento do funcionamento das câmaras para uma lei regulamentar. Dispõe, entretanto, que as propostas das Câmaras ficariam submetidas à apreciação e aprovação dos Conselhos Gerais de Província, conforme o disposto no artigo 82242.

240 “...para estas sobre ele fazerem as observações, que lhe parecem justas, e que apresentarão aos respectivos Representantes

das províncias, para delas fazerem o conveniente uso, quando reunidos em Assembléia, que legitimamente representa a União.” Decreto de 13.11.1823 (Senado Federal. Constituições do Brasil. Brasília, 1996, p.11).

241 A Constituição Política do Império - Carta de Lei de 25.03.1824 – estabelece que:

“Art. 167 – Em todas as cidades e vilas ora existentes e nas mais que no futuro se criarem, haverá Câmaras, às quais compete ao Governo econômico e municipal das cidades e vilas.

Art 168 – As Câmaras serão eletivas e compostas do número de Vereadores que a lei designar, e o que obtiver maior número de votos será o presidente.

Art 169 – O exercício de suas funções municipais, formação de suas posturas policiais, aplicação das suas rendas, e todas as suas particulares e úteis atribuições serão decretadas por Lei regulamentar.”

(Senado Federal. Constituições do Brasil. Brasília, 1996, p.31-32)

242O artigo 82 da Constituição Imperial de 1824, dispõe que: “Os negócios que começarem nas Câmaras serão

Segundo a Lei de 1º de Outubro de 1828, que regulamentou o funcionamento das Câmaras Municipais, estas ficaram reduzidas a corporações meramente administrativas, uma vez que não podiam exercer qualquer jurisdição contenciosa (art. 24). Entre as funções atribuídas às Câmaras Municipais, dispostas de forma sintética no artigo 71 243, destacam-se

aquelas de estabelecer posturas de polícia, cujas matérias se encontravam especificadas no artigo 66244, bem como as funções de repartir seu termo em distritos (art. 55), de construir e

conservar os espaços públicos (art. 57), entre outras. O termo “posturas de polícia” foi posteriormente esclarecido, pela Lei n.º 105, de 12 de Maio de 1840, que interpreta alguns artigos da reforma constitucional. Em seu artigo 1º, esta Lei explicita que a palavra polícia compreende polícia municipal e a administrativa somente, e não a polícia judiciária. 245

Estabelecendo a organização judiciária, desde então separada das funções das Câmaras Municipais, o Código de Processo Penal de 1832 extinguiu os juízes de fora, os ouvidores e a jurisdição criminal das autoridades administrativas. Dividiu para isso as províncias em distritos de paz, termos e comarcas. Os distritos, compostos de setenta e cinco casas, pelo menos, eram estabelecidos e delimitados pelas Câmaras Municipais, havendo em cada um deles um juiz de paz, um escrivão desse Juízo e tantos inspetores quantos fossem os quarteirões. Ao termo correspondia um Conselho de Jurados, um Juiz municipal e um Promotor, além de serventes. Com criação dos promotores, criou-se o ministério público, instituindo o sistema acusatório, o que inovava profundamente o processo até então estabelecido.

A separação das atribuições administrativas e judiciais, propiciada nessa nova ordem constitucional, pode ser entendida, de certo modo, como um avanço no sentido da melhor organização dos serviços públicos, correspondendo ao princípio da divisão do trabalho e da especialização das funções. Em todos as tentativas de reforma, predominou o pensamento culminante de extinguir a confusão do poder de prender com o poder de julgar, de separar as funções policiais das funções judiciárias 246.

tiverem origem nos mesmos Conselhos. As suas resoluções serão tomadas à pluralidade absoluta de votos dos membros presentes.” (Senado Federal. Constituições do Brasil. Brasília, 1996, p.24)

243 O artigo 71 da Lei de 1.10.1828 estabelece que: “As Câmaras deliberarão em geral sobre os meios de promover e

manter a tranqüilidade, segurança e saúde e comodidade dos habitantes; o asseio, segurança, elegância e regularidade externa dos edifícios e ruas das povoações, e sobre estes objetos formarão as suas posturas, que serão publicadas por editais, antes e depois de confirmadas.” (Senado Federal. Constituições do Brasil. Brasília, 1996, p.31-32)

244 Estas matérias serão tratadas com detalhes no item 3.4.3 deste capítulo. 245 (Senado Federal. Constituições do Brasil. Brasília, 1996, p.55)

246 Aos movimentos empreendidos para separar os poderes administrativos e judiciais juntam-se as preocupações

penitenciárias. Em 1831, o império já cogita de construir Casa de Correção no Rio de Janeiro, que começou a funcionar em 1850, obedecendo ao regime penitenciário de Ausburn. Em 1833, Honório Hernerto Carneiro

Os costumes foram substituídos pela lei escrita, bem como o correlato papel dos juizes e

homens bons pelo dos legisladores – os redatores da lei. Na grande maioria dos séculos e dos

povos, os juízes julgaram, não segundo o que os legisladores escreveram, mas segundo as regras que brotavam da consciência comum. Só num pequeno prazo da história, especificamente a partir do século XVIII - o século das luzes - a função de juízes segue e desdobra a ação dos redatores das leis. A ênfase que pôs a Lei de 1828 no caráter administrativo das municipalidades pode, também, levar ao entendimento de que, por um lado, ela pretendeu se constituir um eficiente processo técnico de redução da autonomia municipal; e, por outro, procurou concorrer para impedir que os municípios se tornassem centros de atividade política mais intensa, capazes de estimular os interesses e as aspirações das camadas inferiores da população247.

No documento Posturas do Recife Imperial (páginas 127-129)

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